
Geralmente, o desenvolvimento de vacinas pode levar at� uma d�cada ou mais, embora, h� 70 anos, a primeira vacina para p�lio tenha levado “apenas seis anos” em uma �poca sem grandes recursos tecnol�gicos se comparada aos dias atuais. Mais recentemente, a vacina para zika levou apenas 6,5 meses da sua concep��o at� testes em humanos. Na pandemia do H1N1, em 2009, somente seis meses.
Neste cen�rio de grave crise sanit�ria e humanit�ria mundial, com todos os esfor�os voltados para uma solu��o r�pida para conter a pandemia da COVID-19, presenciamos movimento muito interessante de coopera��o de grande parte da comunidade cient�fica internacional. Como exemplo emblem�tico, o isolamento e compartilhamento do material gen�tico do Sars-CoV2 para todos os pa�ses em quest�o de dias.
Com os conhecimentos acumulados nas crises de 2003 – Sars (1º coronav�rus com risco pand�mico) e Mers em 2012 e por se tratar de v�rus do mesmo g�nero – o coronav�rus –, o alvo antig�nico, bem como plataformas de desenvolvimento de vacina, foi estruturado.
No caso da Sars (2003), n�o foi poss�vel sequer testar a vacina, pois a doen�a desapareceu em poucos meses. Para a Mers, at� hoje est�o em desenvolvimento prot�tipos de vacinas, com inerentes dificuldades de se testar sua efic�cia pela raridade deste agravo, que ocorre quase que exclusivamente na pen�nsula ar�bica.
Diante dessa crise, a demanda por uma vacina segura e eficaz foi o objetivo de todos os envolvidos neste enfrentamento. Por iniciativa da OMS, foi estabelecido a Covax, com participa��o de mais de 190 pa�ses, Gavi e outros organismos internacionais, para acelerar o desenvolvimento de vacinas seguras e eficazes. Neste grande esfor�o, governos assumiram e compartilharam alguns riscos financeiros na manufatura de “prot�tipos de vacina”, pois ainda n�o tinham sido avaliadas sua efic�cia e seguran�a, antes de sua libera��o.
Caso esses prot�tipos se mostrassem seguros e eficazes, a sua produ��o j� estaria garantida e em andamento, agilizando a sua distribui��o. Devido aos avan�os anteriores na vacinologia, em 8 de abril de 2020, havia 73 vacinas candidatas sob investiga��o pr�-cl�nica (Thanh Le et al., 2020). Dessas, seis eram em testes de fase 1 ou 1/2 e um estava em testes de fase 2/3, em 28 de maio de 2020. Isso, quatro meses ap�s a identifica��o do Sars-CoV2.
Esses novos arranjos deram �s institui��es e pesquisadores os recursos necess�rios para os ensaios cl�nicos, avan�ando rapidamente dos est�gios pr�-cl�nicos para os est�gios cl�nicos posteriores da pesquisa (fases 1, 2 e 3). Sendo assim, os fabricantes de vacina tiveram mais confian�a para aumentar a capacidade de produ��o muito mais cedo do que normalmente o fariam.
A quest�o dos recursos e marcos regulat�rios s�o etapas importantes no desenvolvimento de medicamentos e vacinas. No atual contexto, eles foram �geis, desembara�ando as etapas regulat�rias e facilitando o acesso aos recursos. Isso com certeza reduziu consideravelmente o tempo de seu desenvolvimento e realiza��o dos estudos cl�nicos.
Alvos identificados
No desenvolvimento de vacinas, a etapa crucial � identificar o alvo (a ant�geno = o alvo de ataque de nosso sistema de defesa), pois todos os outros processos dependem dessa etapa. Esses dados foram compartilhados “poucas horas” depois do sequenciamento do genoma do coronav�rus. Aqui, os conhecimentos acumulados da Sars (2003) e da Mers (2012) ajudaram muito e, com isso, economizaram-se anos de pesquisa.
O uso de tecnologias de plataforma como RNA mensageiro (mRNA) e vacinas com vetores virais tamb�m facilitou o seu r�pido desenvolvimento. Tanto a vacina Pfizer/BioNTech/Moderna quanto v�rias outras em ensaios cl�nicos de fase 3, incluindo a vacina da Universidade Oxford/AstraZeneca, s�o sistemas 'plug-and-play', onde uma vez que um ant�geno adequado (uma mol�cula que desencadeia uma resposta imune) foi identificado, sua sequ�ncia de DNA ou RNA pode ser reproduzida em uma plataforma pr�-validada – nesse caso, em um peda�o de RNA ou no genoma de um v�rus de resfriado comum desativado (no caso de v�rios prot�tipos de vacinas � utilizado o adenov�rus) – para criar uma vacina candidata.
A plataforma de mRNA cria ve�culos de entrega que passam as instru��es gen�ticas para a m�quina de produ��o de prote�nas no citoplasma de nossas c�lulas, n�o interferindo em nosso material gen�tico, sendo degradadas em at� 72 horas ap�s sua introdu��o. Sequencialmente, s�o produzidos os ant�genos, prote�nas equivalentes aos fragmentos virais, desencadeando a resposta imunol�gica de nosso organismo.
O fato de essas tecnologias j� estarem sendo desenvolvidas para outros v�rus e outras doen�as, como o c�ncer, sem d�vida acelerou ainda mais o processo. Isso significou que os prot�tipos vacinais pudessem ser desenvolvidos rapidamente, que alguns dados de seguran�a sobre esses tipos de vacinas j� fossem conhecidos e que os processos de produ��o fossem acelerados e com redu��o de custos.
O pr�ximo est�gio do desenvolvimento de vacinas s�o os ensaios em humanos, que geralmente ocorrem sequencialmente, come�ando com os de fase 1, de seguran�a, em um pequeno n�mero de volunt�rios sadios, seguidos pelos de fase 2 em grupos maiores e, finalmente os de fase 3, envolvendo milhares ou dezenas de milhares de pessoas para avalia��o de efic�cia e novamente de seguran�a.
Isso poderia levar muito tempo: solicita��o de recursos, aprova��o �tica, negocia��o com fabricantes e recrutamento de participantes. O apelo por uma vacina, a comunica��o em tempo real (aqui o lado bom das redes foi mobilizado) tamb�m tornaram mais r�pido e f�cil o recrutamento de participantes para o teste.
Os ensaios cl�nicos tamb�m podem demorar muito se uma doen�a for rara, porque leva mais tempo para avaliar a sua efic�cia. Por exemplo, durante anos um grande obst�culo para testar vacinas de ebola foi o pequeno n�mero e tamanho dos surtos, at� que ocorreu um surto de tamanho suficiente na �frica Ocidental em 2014-2016, quando ent�o foi poss�vel testar e aprovar uma vacina segura e eficaz.
O grande n�mero de casos de COVID-19, inclusive em pa�ses com ampla infraestrutura para a realiza��o de ensaios cl�nicos randomizados, � uma trag�dia para a humanidade, mas tamb�m possibilitou a r�pida realiza��o dos testes de vacinas que ajudar�o a acabar com essa crise.
"A pandemia da COVID-19 demonstrou que � poss�vel desenvolver, testar e revisar v�rias vacinas seguras e eficazes contra uma nova doen�a em menos de um ano. Uma nova era na vacinologia se inicia"
Al�m disso, o envolvimento de locais de teste em muitos pa�ses diferentes permitiu aos pesquisadores 'seguirem o v�rus' at� certo ponto, recrutando mais volunt�rios de �reas onde o v�rus est� em alta, o que significa menos tempo de espera para descobrir a efic�cia de uma vacina.
Adiar a constru��o ou amplia��o de vacinas e fortalecer as cadeias de abastecimento necess�rias para distribu�-las a todos os cantos do globo cria gargalos adicionais que podem custar vidas.
Ao compartilhar parte desse risco com os fabricantes, a Gavi (Alian�a para Vacina) e seus parceiros da Covax, a Coalition for Epidemic Preparedness Innovations e a Organiza��o Mundial da Sa�de, permitiram que os fabricantes iniciassem o processo de produ��o, o que significa que as pessoas em todos os pa�ses dever�o ter mais chances de acesso �s vacinas. Grande parte do risco ficou por conta das na��es envolvidas nessa coaliz�o.
Claro que todas estas etapas foram priorizadas pela sociedade civil, institui��es de pesquisa e universidades. Ressaltamos o papel dos participantes que atenderam ao clamor do chamamento dos pesquisadores para que se voluntariassem nos ensaios cl�nicos.
A pandemia da COVID-19 demonstrou que � poss�vel desenvolver, testar e revisar v�rias vacinas seguras e eficazes contra uma nova doen�a em menos de um ano. Uma nova era na vacinologia se inicia. Ter terminado com resultados de efic�cia t�o encorajadores de quatro vacinas (at� 7/1/2021) nos coloca em uma posi��o extraordinariamente promissora, tanto para um efetivo controle desta pandemia quanto para desenvolver vacinas contra outras doen�as, incluindo futuros pat�genos com potencial pand�mico.
Foi sem d�vida um dos grandes feitos da ci�ncia neste in�cio de s�culo. Devemos ter orgulho de nossas institui��es de pesquisa e dos organismos internacionais (OMS, Gavi, Covax). A ci�ncia sai fortalecida.
No entanto, temos que rever nosso modo de vida no planeta Terra. A pandemia de COVID-19 n�o foi um evento raro e aleat�rio, mas um sintoma de nossa sociedade de consumo que demanda produ��o em larga escala de prote�na animal, com ruptura e destrui��o ecol�gica perpetradas contra o planeta. A continuar essa destrui��o de ecossistemas, a quest�o que se coloca n�o � se teremos outra pandemia, mas sim quando e qu�o grave ela ser�.
Fonte: https://www.gavi.org/vaccineswork (acesso 7 janeiro 2021), www.thelancet.com/ planetary-health Vol 5 – January 2021
*Infectologista integrante do Comit� de Enfrentamento � COVID-19 da PBH, em autoria com professor Mateus Westin, professora Maria do Carmo Barros de Melo, dra. Ana L�cia Teixeira e equipe Boletim Matinal