
Em vigor desde que foi publicada no Di�rio Oficial do Munic�pio (DOM), do s�bado (23), a Lei 11.285 determina a substitui��o gradativa, em 10 anos, dos ve�culos com tra��o animal em Belo Horizonte. A troca das carro�as puxadas por equinos por transporte motorizado ganhou o apelido de "Carreto do Bem". Ao sancionar a lei, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) vetou um artigo (3º) e dois par�grafos do artigo 4º, por consider�-los inconstitucionais.
Mas as dicuss�es est�o longe de ter fim. Entidades protetoras de animais alegam maus-tratos e escraviza��o no trabalho de carga. J� representantes dos carroceiros dizem se tratar de casos isolados e que o trabalho com carro�as � uma tradi��o cultural e familiar, que passa por gera��es.
Em defesa de seu modo de vida, os carroceiros lan�aram uma carta, assinada por 22 entidades, onde explicam sua posi��o. Segundo a Associa��o dos Carroceiros e Carroceiras Unidos de Belo Horizonte e Regi�o Metropolitana, a proibi��o das carro�as afetaria a vida de cerca de 10 mil fam�lias de BH e entorno. O documento reafirma que os trabalhadores com carro�as se reconhecem como Comunidade Tradicional e requerem a prote��o da Conven��o 169 da Organiza��o Internacional do Trabalho (OIT).
A associa��o diz que os maus-tratos, alegados pelos defensores dos animais, n�o � uma pr�tica no modo de vida dos carroceiros. “Os cavalos n�o s�o objetos, mas sim companheiros de trabalho dos carroceiros, t�m nome, hist�ria, e fazem parte da fam�lia e da comunidade carroceira. A tentativa de trocar cavalos por motos demonstra o desconhecimento da rela��o que existe entre carroceiros e seus companheiros animais”, escrevem.
Segundo a associa��o, os carroceiros participam, desde 2017, de discuss�es com a Prefeitura de Belo Horizonte para regulamentar o trabalho e os crit�rios de cuidado com os cavalos. Al�m da associa��o, a carta � assinada por 22 entidades, como grupos de pesquisa acad�mica, de agroecologia e movimentos populares.
Em artigo publicado na revista kaiporabiocultural.com, Emannel Duarte Almada, bi�logo e ec�logo do Kaipora – Laborat�rio de Estudos Bioculturais, do Departamento de Ci�ncias Biol�gicas da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) – Unidade Ibirit�, fala da urg�ncia "que se escancare a luta de classes e a dimens�o racial que sustenta a guerra contra os carroceiros".
Segundo ele, "� preciso ter claro que os carroceiros e carroceiras de BH n�o s�o coniventes com os casos de maus tratos e que estas situa��es s�o a exce��o e n�o a regra entre essa comunidade. Ali�s, os carroceiros e carroceiras tem demandado h� muito tempo a��es efetivas da prefeitura para coibir os casos de maus tratos, bem como a retomada do cadastramento. A aus�ncia de um levantamento oficial do n�mero de carroceiros e cavalos, bem como das condi��es de vida de ambos, tornam o argumento de combate aos maus tratos, no m�nimo, leviano".
O biol�go, que presta assessoria ao movimento dos carroceiros, relembra que o assunto ganhou discuss�o p�blica nos anos 1990, quando foram criadas as Unidades Receptadoras de Volumes (URVs), pela Prefeitura de Belo Horizonte, onde teriam destina��o entulhos e objetos de pequeno volume, antes depositados em lotes vagos, c�rregos e �reas p�blicas .
Aliadas a ela, os carroceiros, presentes do dia a dia da cidade, mas quase invis�veis em pol�ticas p�blicas, foram cadastrados, os animais passaram a receber atendimento veterin�rio via parceria com a UFMG, eram vacinados periodicamente e recebiam carrapaticida. As carro�as eram registradas, emplacadas e o condutor recebida um documento para transitar nas vias p�blicas.
"Por�m, tudo foi desmantelado, n�o h� mais cochos com �gua nessas unidades, criou-se um contexto de discurso p�blico como se n�o houvesse espa�o para regulariza��o."
A categoria tem demandado a��es efetivas da prefeitura para coibir casos de maus tratos, e a retomada do cadastramento. "A aus�ncia de um levantamento oficial do n�mero de carroceiros e cavalos, bem como das condi��es de vida de ambos, tornam o argumento de combate aos maus tratos, no m�nimo, leviano", reclama o bi�logo.
Almada destaca a rela��o dos animais e seus donos que compreendem os cavalos como companheiros de trabalho. Grande parte do dia do trabalho de um carroceiro � dedicada a cuidados com alimenta��o, sa�de, consistindo em cortar e picar capim, trocar ferraduras, dar banho e escovar.
"Dias atr�s, em meio a tens�o da espera em frente a C�mara Municipal, um carroceiro me contava como sua �gua ficava feliz ao fim de tarde, quando era levada para passear e brincar em uma �rea de pasto pr�ximo a sua casa. A comunica��o entre carroceiros e seus companheiros equinos � composta de um complexo conjunto de sons, cheiros e gestos, plenos de afetos e mem�ria."
"Dias atr�s, em meio a tens�o da espera em frente a C�mara Municipal, um carroceiro me contava como sua �gua ficava feliz ao fim de tarde, quando era levada para passear e brincar em uma �rea de pasto pr�ximo a sua casa. A comunica��o entre carroceiros e seus companheiros equinos � composta de um complexo conjunto de sons, cheiros e gestos, plenos de afetos e mem�ria."
Defensores de animais querem extin��o do servi�o
Coordenadora do Movimento Mineiro pelos Direitos Animais MMDA, defende a extin��o do servi�o por tra��o animal, e atribui a nova lei a "amplia��o da consci�ncia de parte expressiva da popula��o quanto ao respeito aos animais n�o humanos, principalmente considerando a inadequa��o de carro�as em uma capital morreada, congestionada e sem espa�o adequado para soltura de cavalos."
O movimento compara a situa��o em 14 capitais brasileiras que "j� superaram este desafio, em Belo Horizonte j� s�o 20 anos de constru��o desse processo de transi��o para libertar os cavalos das carro�as, e estimular alternativas de trabalho e renda aos ex-carroceiros. Esta demanda requer pol�tica p�blica consistente, para cumprir o objetivo proposto, em favor dos cavalos, dos ex-carroceiros e do meio ambiente, garantindo a continuidade da coleta e destina��o adequada dos res�duos s�lidos."
Contrapondo alguns argumentos dos grupos de defesa dos animais, Emmanuel Almada, recorre � forma��o discriminat�ria e de exclus�o dos espa�os urbanos. "O modo de vida carroceiro de fato � uma “contamina��o” na paisagem urbana, cujo destino inexor�vel seria se modernizar. Sob a ideologia do progresso, n�o h� espa�o para pr�ticas “arcaicas”, “atrasadas”, “da ro�a”.
Todavia, nas casas, quintais e espa�os de vida dos carroceiros, h� sempre uma multid�o de esp�cies animais e vegetais. Porcos, cavalos, mulas, burros, cabras, galinhas, pre�s, vacas, in�meras esp�cies de capim, plantas medicinais e humanos formam comunidades multiespec�ficas nas periferias do reino do concreto", concluindo que o "apagamento da diversidade biocultural, contudo, � parte do projeto de desenvolvimento da modernidade."
Todavia, nas casas, quintais e espa�os de vida dos carroceiros, h� sempre uma multid�o de esp�cies animais e vegetais. Porcos, cavalos, mulas, burros, cabras, galinhas, pre�s, vacas, in�meras esp�cies de capim, plantas medicinais e humanos formam comunidades multiespec�ficas nas periferias do reino do concreto", concluindo que o "apagamento da diversidade biocultural, contudo, � parte do projeto de desenvolvimento da modernidade."
Como sustenta��o em seu argumento, Emmanuel recorre ao discuso atribu�do aos defensores dos animais "sempre � acompanhado de propostas para inseri-los no mercado de trabalho ou dar a eles a possibilidade de um trabalho mais digno. A servid�o moderna, n�o a busca por liberdade, � o horizonte desse projeto modernizador."
"H� ainda um elemento importante e relativamente sutil nessa empreitada b�lica. Os carroceiros e carroceiras, a despeito da aus�ncia do Estado e de todos os ataques sofridos, gozam de certa liberdade", como n�o ter patr�o, ter o controle do seu tempo e ritmo de trabalho, e n�o s submetem � l�gica e regras de mercado, "pouco comum aos trabalhadores urbanos."
Por outro lado o MMDA argumenta que “os custos s�o elevad�ssimos para manter um animal desse, de grande porte, em condi��es de bem-estar, totalmente incompat�vel com a condi��o social dos cidad�os que colocam esses animais nessas condi��es deplor�veis, situa��o que se repete em toda Belo Horizonte".
PBH criar� gurpo de trabalho
Em nota encaminhada pela assessoria de comunica��o, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que criar� um grupo de trabalho "que envolver� diversas �reas do munic�pio, al�m dos carroceiros e outras institui��es p�blicas, como a Defensoria P�blica. O grupo construir�, de forma coletiva, um plano de trabalho de transi��o, considerando a��es de curto, m�dio e longo prazo, at� que os efeitos da lei entrem efetivamente em vigor.