
Broa de fub�, bolo, feij�o-tropeiro, tutu, angu para acompanhar o frango caipira e outras del�cias bem mineiras... S�o muitos e variados os pratos � base das farinhas de milho e de mandioca, uma tradi��o recriada nas cozinhas que atravessa os s�culos e acerta em cheio o paladar de brasileiros e estrangeiros. Para valorizar o preparo das iguarias, bem como as casas de farinha e os moinhos de milho, o Instituto Estadual do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico de Minas Gerais (Iepha) conduz um cadastro das atividades artesanais que dever� resultar no reconhecimento delas como patrim�nios material e imaterial das Gerais, pelo Conselho Estadual do Patrim�nio Cultural (Conep).
Muito mais do que isso, e junto a outras riquezas estaduais, a exemplo do caf�, as farinhas s�o pilares de um projeto maior da Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult). Amanh�, �s 16h, o secret�rio Le�nidas Oliveira vai lan�ar o Plano da Cozinha Mineira e abrir o processo para reconhecimento da culin�ria tradicional do estado como patrim�nio cultural.
A presidente do Iepha, Michele Arroyo, informa que levantamentos feitos pela institui��o mostram que Minas tem mais de 300 casas de farinha e moinhos de milho distribu�dos por cerca de 200 munic�pios. Devido � pandemia do novo coronav�rus, o reconhecimento pelo Conep ainda n�o ocorreu, mas est� assegurado, ap�s todos os estudos, que os dois produtos e os estabelecimentos ficar�o no mesmo patamar de outros bens culturais j� destacados: o queijo da regi�o do Serro (Vale do Jequitinhonha), as folias de reis, pastorinhas e demais grupos e o modo de fazer e tocar a viola.
“A cozinha mineira � muito ampla e rica, e ser�o contemplados todos os aspectos, incluindo as receitas, os utens�lios, a hist�ria, o modo de fazer e tamb�m a religiosidade, pois temos alimentos t�picos das festas juninas cat�licas e tamb�m dos cultos de matriz africana, que s�o as comidas de santo”, explica Michele Arroyo. Ela lembra que a origem desses produtos veio dos ind�genas, passou pela m�o africana e pelos povos ib�ricos e outros europeus que chegaram a Minas desde o in�cio da coloniza��o do territ�rio.
Verdadeira “devo��o” � produ��o das farinhas de milho e mandioca est� presente no estabelecimento dos s�cios Jo�o Fonseca Marques e Maria Efig�nia Martins, no bairro Carreira Comprida (Frimisa), em Santa Luzia, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. Com 85 anos e muita vitalidade, seu Jo�o conta que aprendeu o of�cio com a m�e, dona Lu�sa, quando era crian�a e morava em fazenda no munic�pio vizinho de Jaboticatubas.

N�o largou mais. “Tenho paix�o pelo que fa�o, principalmente pelo estabelecimento, que vejo mais como um museu, pois aqui est�o o trabalho e parte da minha hist�ria, das minhas mem�rias. Tamb�m � um local de lazer”, conta o produtor, que j� teve mercearia e fabrica, com o nome V� Jo�o, fub�, as farinhas de milho e de mandioca, tamb�m na varia��o torrada, e colorau feito de urucum. Em outros tempos, os s�cios chegaram a produzir mensalmente 150 fardos ou 1,5 mil quilos. “O que mais prezamos � a qualidade, o modo artesanal. Se for para fazer de outro jeito, preferimos parar”, concordam.
N�o deixa de ser emocionante ver seu Jo�o mostrando parte por parte do sistema de produ��o, como o moinho de pedra de milho, o fub� saindo amarelinho de t�o novo, o triturador e a prensa para o processamento da mandioca e, finalmente, os produtos ensacados. “Veja este aqui. Ainda est� quentinho, acabou de ser embalado”, indica Maria Efig�nia, apontando o pacote de farinha torrada. Ela d� as boas-vindas ao reconhecimento do setor, pois evidencia o trabalho, valoriza a tradi��o e d� mais visibilidade � atividade.
Identifica��o
O cadastro para o invent�rio das farinhas de milho em Minas identificou, desde outubro de 2019, mais de 300 casas de farinhas e moinhos, como os mantidos pela dupla, espalhados por 200 munic�pios mineiros. Com maior n�mero de estabelecimentos cadastrados est�o Serro (23) e Itinga (10), no Vale do Jequitinhonha, �guas Vermelhas (10), no Norte de Minas, e S�o Jos� do Mantimento (9), na Zona da Mata.
O cadastro foi lan�ado durante as comemora��es do Dia do Patrim�nio Cultural 2019 – Cozinha e Cultura Alimentar, com o objetivo de identificar e inventariar os locais de produ��o, produtos e produtores de farinhas de milho e de mandioca, “que s�o a base da alimenta��o de grande parte dos mineiros”, conforme constatam os pesquisadores do Iepha. O estudo � parte das a��es para reconhecimento desses saberes como patrim�nio cultural do estado. Conforme o Iepha, o cadastro para as farinhas e demais produtos est� em aberto, no site www.iepha.mg.gov.br.
A pesquisa � um desdobramento do invent�rio do Rio S�o Francisco, realizado em 2014, no qual o instituto identificou uma s�rie de pr�ticas culturais vinculadas � cultura alimentar naquela regi�o. Segundo Michele Arroyo, desde ent�o, o aprofundamento das pesquisas dessas tradi��es culturais, centrais em rela��o aos modos de vida e suas especificidades no territ�rio de Minas Gerais, passou a ser prioridade do �rg�o. “Com o invent�rio das farinhas de milho e de mandioca, jogamos luz sobre o conhecimento da pluralidade que envolve esse fazer cultural no estado. O primeiro resultado do trabalho � o cadastro das casas de farinhas e moinhos de milho.”
Costumes
De acordo com as pesquisas, o h�bito alimentar re�ne uma s�rie de pr�ticas e valores sociais relacionados � afetividade e � cultura “que despertam nossas mem�rias e viv�ncias e s�o parte formadora da identidade coletiva”. O processo � complexo e envolve v�rias etapas, como a produ��o, o plantio, a prepara��o, o consumo e o descarte.
Em Minas, as farinhas de mandioca e de milho representam a base de v�rios alimentos que est�o enraizados nas receitas, no preparo e nos sabores espalhados pelo estado. Al�m disso, os processos e produ��o s�o base do sustento de muitas fam�lias e comunidades. As casas de farinhas e os moinhos funcionam tamb�m como espa�o de encontro e de sociabilidade das pessoas, que se re�nem em torno do of�cio e reproduzem suas tradi��es.
Assim, o invent�rio � importante instrumento de prote��o, que auxilia tanto na identifica��o quanto na gest�o desses bens culturais. “O levantamento e o diagn�stico realizado a partir do mapeamento permitem uma aproxima��o com as comunidades e a sociedade em geral, e a defini��o de quais rumos a prote��o deve seguir, colaborando assim para o estabelecimento de uma pol�tica p�blica s�lida e democraticamente constru�da”, ressalta Michele Arroyo.
Para o diretor de prote��o e mem�ria do Iepha, Fernando Pimenta, mais do que pratos t�picos, a cozinha tradicional local � parte fundamental da identidade social. “A abertura do cadastro das farinhas em Minas constitui um passo fundamental para a prote��o dessa manifesta��o cultural com vistas, inclusive, a fortalec�-la diante da dram�tica disputa de mercado no setor.”