

Ainda chorando os mortos, que deixaram ferida aberta e sempre ser�o lembrados, Santa Maria de Itabira corre para socorrer os vivos. Nessa pequena cidade de 10,8 mil habitantes, da Regi�o Central de Minas Gerais, a vida pode ser entendida de forma metaf�rica – a luta pelo pulsar do pr�prio munic�pio em ru�na, atingido por um rastro de lama e lixo que sufoca grande parte das ruas do lugar –; e literal, a vida dos quase 100 desabrigados, que viram toda uma hist�ria constru�da ao longo de d�cadas ser levada em minutos pelo Rio Girau ou por desabamentos. Uma �gua barrenta e muita terra invadiram centenas de casas na madrugada de 21 de fevereiro, ap�s chuva torrencial. Quem acordou de um sonho naquele dia, observava o pesadelo real que destruiu quase tudo: casas, pontes, carros, desejos, lembran�as, amores.
Restou a coragem. Ainda abalada, a cidade tenta se reerguer depois da trag�dia. Numa hora dessas, a bravura � elemento indispens�vel para n�o desistir frente � dor. Riobaldo, em “Grande Sert�es: Veredas”, obra-prima de Guimar�es Rosa, j� dizia que “o correr da vida embrulha tudo, a vida � assim: esquenta e esfria, aperta e da� afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente � coragem”.


� preciso coragem para recome�ar uma vida sem um teto, sem o que vestir, sem os bens materiais que possuem valor sentimental e reavivam as mem�rias que a gente n�o quer esquecer: as fotografias do casamento, os v�deos do batizado, os presentes do �ltimo anivers�rio. Pior � se manter de p� sem a alegria de Bruce Denner Gon�alves, de 5 anos, que se vestia de homem-aranha para fazer a alegria da casa. A fam�lia Gon�alves perdeu tr�s sorrisos de uma s� vez: Nivaldo Gon�alves, de 70, Magda, 40, e Marilene, 42. T�o bem cuidada pelos irm�os, Wilma Proc�pio Martins de Alvarenga, de 74 anos, � outra que deixar� saudade, assim como Jos� Aparecido Bento, de 39. Em uma cidade pequena, onde todo mundo se conhece pelo nome, a dor � compartilhada.
O s�bio Riobaldo diria que “Deus � paci�ncia; o contr�rio � o diabo”. � paci�ncia para entender que a tristeza um dia vai embora e que a dor cessar� no seu tempo. Afinal, “a gente morre � para provar que viveu”, explica o sertanejo de Guimar�es Rosa. � com a coragem de Riobaldo que a cidade tenta se reerguer. A onda do rio que levou vidas e hist�rias � confrontada por uma outra de solidariedade que reanima a cidade. Empres�rios locais, pol�ticos da regi�o e a popula��o civil se organizaram para tentar limpar a lama que tomou conta do espa�o p�blico e oferecer ajuda a quem ficou desamparado.

Mas ainda falta muito. A mancha provocada pelo barro � vista por toda parte. O trabalho de organiza��o da cidade ser� gradual: limpeza, reconstru��o de cal�amentos, meio fio, cal�adas e pontes. Na outra ponta, para quem perdeu tudo, ainda falta o b�sico: pe�as �ntimas, blusas, cal�as, sapatos, chinelos, cobertor, toalha. H� pontos de doa��es em cidades vizinhas e em Belo Horizonte. Atualmente, os desabrigados encontraram abrigos nas escolas Municipal Trajano Proc�pio e Estadual Doutor Costa, al�m da Igreja de Nossa Senhora do Ros�rio. Uma cozinha industrial foi instalada na Escola Municipal Trajano Proc�pio, onde marmitas s�o montadas e distribu�das aos trabalhadores e atingidos que n�o t�m mais condi��es de preparar alimentos.
Que n�o falte coragem para Santa Maria de Itabira seguir firme em suas reconstru��es literais e metaf�ricas.