
"Quando a gente v� o olhar de um familiar recebendo a not�cia de que tem que acompanhar a dist�ncia, por teleboletim, comove a gente, isso machuca"
Iaraliz de Oliveira, seguran�a patrimonial
Limpar o leito para liberar a vaga com seguran�a e rapidez; atender a um familiar que procura not�cias de um paciente; controlar a entrada e sa�da de ambul�ncias... Profissionais que desempenham atividades essenciais nos hospitais durante a pandemia do novo coronav�rus vivem na linha de frente do risco de contamina��o por COVID-19, mas muitas vezes t�m a indispens�vel atua��o ofuscada diante de outras atividades mais vis�veis, como as de m�dicos e enfermeiros.
Apesar de a maioria do setor que lida no front da doen�a j� ter sido vacinada, BH teve mais de 1.600 profissionais de sa�de da rede pr�pria do SUS-BH com testagem positiva para o coronav�rus desde mar�o de 2020. S�o pelo menos 154 trabalhadores do operacional administrativo e 61 pessoas que cuidam dos servi�os gerais, entre v�rios outros setores de apoio, que tamb�m foram infectados.
Esses profissionais convivem e trabalham em equipe para fazer a diferen�a na vida de pacientes e familiares que sofrem com o terror da COVID-19. Correm tanto, que resta pouco tempo para refletir sobre a import�ncia de seu trabalho. Foi o que ficou evidente em entrevistas � reportagem do Estado de Minas, quando essa turma dos “bastidores” n�o conteve o choro de emo��o ao constatar o quanto suas fun��es s�o fundamentais. Reflex�o que ainda n�o havia sido feita durante mais de um ano de dedica��o, em meio � maior crise de sa�de da hist�ria recente.

"N�o desmerecendo os outros profissionais, mas o nosso servi�o � muito importante, porque sem a limpeza o hospital n�o funciona"
V�nia Maria Monteiro, auxiliar de higiene e limpeza
LIMPEZA ESSENCIAL
“O clima entre n�s, funcion�rios, � de uni�o. Esse � o lado bom de uma coisa ruim, se � que se pode dizer assim”, constata Elis�ngela Bitencourt de Oliveira, de 34 anos, encarregada de higieniza��o e limpeza da Santa Casa, na Regi�o Hospitalar de Belo Horizonte. Ela � respons�vel pela equipe que entra em um primeiro momento para esterilizar o leito e deixar o ambiente seguro para acolher os que chegam para tratamento. “� dif�cil, mas eu vejo que a gente n�o deixa o medo falar mais alto. Fazemos por amor, pensando no pr�ximo paciente, dando o nosso melhor.”
Elis�ngela conta que a carga emocional ao conviver de perto com a COVID-19 � pesada. “A gente tenta, entre n�s, ter um momento de descontra��o e n�o deixar que fique t�o pesado como tem sido. Se tivermos de falar ou desabafar, vamos fazer. Vamos nos emocionar, porque faz parte do ser humano. A gente � profissional, mas tamb�m � humano”, diz, com a voz embargada.

"Se a gente tiver medo, como � que vai ser? A mesma coisa no caso dos m�dicos: se tiverem medo, quem vai cuidar dos pacientes?"
Ros�lia Luiza, auxiliar de higiene e limpeza
Longe dali, no Hospital da Baleia, no Bairro Saudade, Leste de BH, mais especificamente no setor de hemodi�lise – importante procedimento para pacientes com COVID-19 –, quem cuida do servi�o de higiene e limpeza � V�nia Maria Monteiro, de 53. “N�o desmerecendo os outros profissionais, mas o nosso servi�o � muito importante, porque sem a limpeza o hospital n�o funciona. Sem contar que a gente trabalha com amor, tudo que a gente faz � com muito prazer”, destaca.
A rotina de trabalho desses profissionais leva tamb�m ao contato direto com a luta pela sobreviv�ncia nas salas de interna��o. “Os pacientes s�o muito sofridos, d� pra ver no olhar. Os m�dicos e enfermeiros s�o muito dedicados. � um conjunto de sentimento e profissionalismo”, avalia.
Quem divide o fardo da limpeza dos corredores com ela � a colega Ros�lia Luiza, de 50. “Aqui, � um pelo outro”, ela diz. Ros�lia conta que se sente mais segura depois de ter sido vacinada, mas n�o abre m�o dos equipamentos de seguran�a: capote, �culos e m�scara. “Se a gente tiver medo, como � que vai ser? A mesma coisa no caso dos m�dicos: se eles tiverem medo, quem vai cuidar dos pacientes? Tem que ter algu�m. Pode at� ter medo, mas tem que superar.”

"Vejo a ang�stia de cada um. O familiar desesperado, porque precisa de informa��o e n�o sabe se vai ou n�o vai ver o parente de novo"
Rayanne Oliveira Alves, seguran�a patrimonial
O risco de cada um
Trabalhadores da sa�de da rede pr�pria do SUS-BH com testagem positiva para Sars-CoV-2, por categoria profissional
T�cnico de enfermagem: 513
Agente comunit�rio de sa�de: 265
Operacional administrativo: 154
Enfermeiro: 148
Agente de combate de endemia: 107
M�dico: 97
T�cnico de sa�de bucal: 77
Servi�os Gerais: 61
Dentista: 28
Motorista: 23
Psic�logo: 23
T�cnico de laborat�rio: 23
Estagi�rio: 21
Fisioterapeuta: 17
Educador f�sico: 14
T�cnico de farm�cia: 14
Fonoaudi�logo: 11
Agente sanit�rio: 9
Assistente social: 8
Farmac�utico: 8
Gestor: 7
Terapeuta ocupacional: 6
Veterin�rio: 6
Nutricionista: 4
Bi�logo: 3
T�cnico de radiologia: 3
Fiscal sanit�rio: 1
Total: 1.651
Observa��o: Os dados dessa tabela referem-se apenas a profissionais que atuam e coletaram exame na rede SUS-BH.
Fonte: EMAD/SMSA-BH e GAL/FUNED – atualizado em 14/5/2021
Seguran�a emocional
Nas entradas das unidades de sa�de, quem faz a seguran�a patrimonial acaba fazendo tamb�m o servi�o de “posso ajudar?”. Entre idas e vindas de familiares de pacientes na recep��o da Santa Casa, Iaraliz de Oliveira, de 35, se protege com os equipamentos indispens�veis, mas tamb�m com um escudo mental para tentar n�o transparecer as emo��es aos visitantes. “Fazer com que as pessoas entendam que n�o vai ter visita porque � um momento de restri��o n�o � uma coisa f�cil, mexe com emocional, mexe com tudo”, desabafa.
A unidade normalmente recebe transfer�ncias de pacientes das UPAs da capital. Enquanto a equipe m�dica presta assist�ncia ao enfermo, Iaraliz, de certa forma, acolhe os parentes. “A fam�lia fica totalmente sem saber o que vai acontecer, � muito dif�cil. E quando a gente v� o olhar de um familiar recebendo a not�cia de que tem que acompanhar a dist�ncia, por teleboletim, � o que desgasta o funcion�rio. Comove a gente, isso machuca”, diz.
A seguran�a tamb�m destaca a dedica��o da equipe. “Tem pessoas que est�o deixando de ir para casa para preencher o plant�o de gente que acaba passando mal, a gente se desdobra mesmo”, conta, com os olhos marejados. “Ter medo da COVID a gente at� tem, mas temos que nos doar. Se a gente n�o estivesse aqui, quem estaria? A vacina tranquiliza em parte, porque na hora de voltar pra casa voc� sabe que l� tem sete pessoas que ainda n�o tomaram a vacina.”
A seguran�a Rayanne Oliveira Alves, de 30, do Hospital da Baleia, perdeu recentemente um tio para a COVID-19, dobrou a prote��o no trabalho e alerta todas as pessoas para fazerem o mesmo. “Est� na hora de as pessoas, aquelas que podem (ficar em isolamento), pararem para pensar se realmente vale a pena arriscar perder a vida ou se � melhor trabalhar direitinho e ficar dentro de casa”, observa.
No controle da recep��o do pr�dio de hemodi�lise, Rayanne, que precisa estar na linha de frente, sente a inquieta��o de quem divide o mesmo espa�o. “Tem horas que a gente v� equipes m�dicas ‘para baixo’, porque fazem de tudo e n�o conseguem salvar a vida de um paciente. Por outro lado, vejo muitos que recebem alta e d�o gra�as a Deus. Vejo a ang�stia que cada um tem. O familiar desesperado, porque precisa de informa��o e n�o sabe se vai ou n�o vai ver o parente de novo.”
SOB CONTROLE
No abre e fecha da cancela que libera a entrada e sa�da de ambul�ncias na Santa Casa de BH est� Elioenai Silva de Melo, de 37. O agente de atendimento trabalha na institui��o h� cinco anos e pela primeira vez notou o aumento das ambul�ncias e a diminui��o de pessoas do lado de fora. “O movimento tem aumentado bastante, mas a restri��o para visita direta ao paciente, por seguran�a, eu avalio como positiva. Sen�o, aqui ficaria cheio, como era antes da pandemia”, afirmou, destacando que a situa��o agravaria os riscos para todos.
Com os cuidados refor�ados, ele n�o abre m�o das medidas de prote��o contra o v�rus. “A gente tem que fazer de tudo, se cuidar. Fa�o tanto por mim quanto pelas pessoas � minha volta”, lembra. “Claro que me preocupo com a minha fam�lia, mas o que a gente tem que fazer � trabalhar, fazer nossa parte, higienizar as m�os e usar m�scara.”
Na portaria de suprimentos, quem atende � Daniel Lucas Ant�nio Cust�dio, de 30. A entrada, atr�s do hospital, d� acesso, inclusive, ao setor de desinfec��o. Ele percebeu aumento de interna��es nos meses mais cr�ticos da pandemia, mas conta que o hospital faz de tudo para que os funcion�rios n�o se contaminem. “Aumentou demais, mas muita gente acha que � mentira, n�o acredita na imprensa. Ter medo da COVID a gente tem, mas tem que sair de casa para trabalhar, uai. A preocupa��o � transmitir dentro de casa, porque, querendo ou n�o, a gente est� de frente para o risco.”