
Lagoa Santa e Pedro Leopoldo – A cidade de Lagoa Santa, na Grande Belo Horizonte, n�o � apenas o local de moradia e descanso eterno do naturalista dinamarqu�s Peter Lund, o pai da paleontologia brasileira. Foi naquele arraial e nas imedia��es, a partir de 1836, que o trabalho de Lund alcan�ou a proje��o m�xima, mudando o conceito da humanidade sobre os animais extintos da megafauna da Era do Gelo terem convivido com o pr�-hist�rico “homem de Lagoa Santa”. O derradeiro destino do naturalista marca tamb�m o �ltimo trecho percorrido para a produ��o da s�rie de reportagens do Estado de Minas, que refez os mais importantes passos para marcar os 220 anos que Lund teria e foram comemorados ontem.
Peter Wilhelm Lund e seu auxiliar insepar�vel, o artista noruegu�s Peter Andreas Brandt, respons�vel pelas ilustra��es que eternizaram os achados na Regi�o C�rstica de Lagoa Santa, j� tinham encontrado muitos f�sseis de animais, mas suas pesquisas teriam uma reviravolta.
Montados em mulas e usando archotes (tochas) para iluminar as grutas, Lund e Brandt enfrentaram perigos al�m da pirataria, que via os f�sseis do cientista como importante fonte de lucro ao serem vendidos no mercado negro aos europeus. Em uma das viagens, cobras e insetos pe�onhentos atacaram as montarias. Expedicionando pelo cerrado, o chocalho de uma cascavel fez Lund se esquivar de um bote que poderia ter sido fatal, mas, ao cair, por azar, foi picado por uma aranha venenosa. “Nunca experimentei dor semelhante. Perdi a consci�ncia, com todos os m�sculos tremendo convulsivamente”, descreveu.

A necessidade de ter uma base o fez alugar e depois comprar uma das 60 casas do Arraial de Nossa Senhora da Sa�de de Lagoa Santa. Desse ponto partiu para mais expedi��es recolhendo, desde 1837, in�meros f�sseis de animais extintos da megafauna, como tatus gigantes (gliptodonte), pregui�as gigantes (megat�rio) e tigres de dentes-de-sabre (Smilodon populator). Mas foi entre Lagoa Santa e Pedro Leopoldo que Lund fez suas mais importantes descobertas, na Gruta do Sumidouro, em 1840. Eram 30 f�sseis de homens pr�-hist�ricos, reunindo na regi�o as provas definitivas de que o chamado “homem de Lagoa Santa” conviveu com os animais extintos da megafauna, o que mudou o entendimento da ci�ncia para sempre.
A Lagoa do Sumidouro e todo o conjunto paleontol�gico se encontram hoje dentro do parque estadual que leva o mesmo nome. � uma unidade bem conservada, sinalizada e que abriga ainda diversos trabalhos de pesquisadores. Esse nome se d� justamente porque a lagoa, de tempos em tempos, � tragada para dentro das cavernas subterr�neas por frestas denominadas sumidouros, desaparecendo da superf�cie. “Essa caracter�stica imp�s muitas dificuldades aos trabalhos de Peter Lund, obrigando-o, inclusive, a construir barragens e desvios de pedra para manter a Lapa do Sumidouro seca e poder escavar”, afirma o pesquisador e professor Luciano Emerich Faria, do Centro Universit�rio Newton Paiva e doutor em hist�ria da ci�ncia.
Ainda hoje, a entrada da Lapa do Sumidouro preserva parte das paisagens descritas por Lund nos �ltimos dias de suas explora��es a cavernas, at� 1844. No entorno da Lapa, h� tamb�m diversos n�veis de pinturas rupestres semelhantes �s da Lapa da Cerca Grande. As entradas da caverna s�o desafiadoras, com pedras empilhadas e dispostas como obst�culos inclinados e fendas que precisam ser escaladas. O ambiente �, ainda, povoado por aranhas marrons dispostas por todo o percurso, sendo esse um dos aracn�deos mais venenosos do Brasil, produtor de veneno necrosante que pode levar a mutila��es, fal�ncia renal e at� a morte.
No fundo da Lapa, o efeito de alagamento do sumidouro fica evidente com o grande n�mero de conchas de crust�ceos dispostas pelo piso e pela forte umidade, que torna o ar mais denso. Ao se aprofundar nas galerias, aparecem pequenos peixes que tamb�m habitam o fundo da lapa, mostrando as contradi��es do ambiente de trabalho do dinamarqu�s, que projetou a paleontologia brasileira para o mundo.
Em caso de um alagamento repentino causado por chuvas, por exemplo, uma das sa�das poderia ser subir para os sal�es internos e aguardar ajuda, uma vez que os t�neis da sa�da poderiam estar alagados. Situa��o tensa que lembra a complexa opera��o de resgate dos 12 meninos tailandeses de um time de futebol que se abrigaram com o t�cnico no interior de uma caverna, mas acabaram presos, em junho de 2018, com o alagamento da gruta devido a uma tromba d'�gua. Durante o resgate, um dos mergulhadores acabou morrendo. Ap�s duas semanas, eles foram retirados por mergulhadores.
Desconhecimento Infelizmente, ao redor da Lagoa do Sumidouro, a mem�ria de Lund n�o foi adiante. As pessoas at� sabem sobre as grutas, mas poucos sobre o naturalista. A aposentada Vanilde Costa Nogueira, de 65 anos, ainda se lembra de fatos antigos, mas nem mesmo seus av�s a contaram sobre Peter Lund. “Nunca me falaram desse Lund. E olha que sou antiga. Meu av�ainda me atravessava de barco para os moinhos de fub�, onde a gente trocava milho por fub� ou farinha, quando tinha 8 anos. N�o havia luz, a �gua era de cisterna. E as cercas da lagoa j� eram como hoje, de pedra e de paus. Nossa casa era de pau a pique”, conta. At� mesmo para ela a mudan�a tem sido grande na regi�o. “Hoje n�o tem mais sossego aqui, est� muita viol�ncia, a droga. A Lagoa do Sumidouro tamb�m enchia mais e a gente pescava, mas hoje s� fica vazia”, disse.
Concess�o de 'Rota Lund' promete investimentos

Comp�em a Rota Lund o Parque Estadual do Sumidouro (Pedro Leopoldo e Lagoa Santa), os monumentos naturais estaduais Gruta Rei do Mato (Sete Lagoas) e Peter Lund (Cordisburgo), na Regi�o Central de Minas. Antes da pandemia, as tr�s unidades recebiam 115 mil visitantes por ano. O contrato de licita��o, no valor de R$ 294,6 milh�es, ter� validade de 28 anos. Entre as melhorias previstas a partir da concess�o p�blica est�o manuten��es nas estruturas e reformas nos centros de visitantes, abertura do Museu do Castelinho, presta��o de servi�os de alimenta��o, melhorias na acessibilidade e seguran�a.
Tamb�m administrada pelo Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF-MG), a Gruta de Maquin� � um importante destino tur�stico e arrancou elogios de Lund, em Cordisburgo. “Duvido que a forma��o de estalactites tenha, em qualquer outra caverna conhecida, produzido combina��es t�o belas. A arte humana � excedida por estas forma��es caprichosas da fantasia da natureza. Aqui, um belo templo surpreende a nossa vista; ali, levanta-se um altar. Os espl�ndidos reflexos produzidos pela luz, ferindo as in�meras facetas destes cristais, deslumbram a vista, de modo que o homem se julga transportado a um pal�cio de fadas”, disse o naturalista.
No Centro de Lagoa Santa, a casa onde viveu Peter Lund se tornou uma escola municipal e n�o exibe mais as caracter�sticas da constru��o na qual ele viveu por 50 anos e realizou os estudos com f�sseis em um barrac�o dos fundos. Mas � no t�mulo de Lund, tamb�m no Centro, pr�ximo � rodovi�ria, que ainda se vislumbra parte da vida pessoal do cientista. O jardim ainda preserva o pequizeiro que Lund plantou e sob o qual admirava a lagoa e meditava sobre seus achados. � debaixo das sobras dessa sua �rvore que est� enterrado o corpo do naturalista, que morreu em 1880, tr�s semanas antes de completar 79 anos. Ao lado, fica tamb�m o t�mulo do parceiro insepar�vel de aventuras, Peter Andreas Brandt, que morreu em 1862. (MP)
De minas para a hist�ria
O trabalho do naturalista que revolucionou a ci�ncia ao se embrenhar por grutas incrustadas no cerrado mineiro no s�culo 19, retratado pelos tra�os do ilustrador Lelis

