
Itabirito - N�o � todo dia que um dos ca�adores mais adaptados do planeta � emboscado com sucesso. Mas desta vez, a on�a-parda (Puma concolor), tamb�m conhecida como su�uarana, n�o teve a menor chance. Em 30 segundos, mesmo camuflado sob o manto da noite, por volta das 22h, o segundo maior felino das Am�ricas foi flagrado passo-a-passo, se esgueirando com desenvoltura ao varar a densa mata atl�ntica na boca de uma das cavernas do Parque Nacional (Parna) da Serra do Gandarela.
A apenas 40 quil�metros de Belo Horizonte, o puma desta vez n�o foi presa de ca�adores, que j� dizimaram a esp�cie nas fazendas e cercanias urbanas. Foi alvo de um estudo cient�fico que espalhou c�meras de disparo passivo e medidores para revelar os animais que orbitam e frequentam as grutas de uma das mais importantes unidades de conserva��o do Quadril�tero Ferr�fero. O objetivo � gerar conhecimento e inspirar a conserva��o ambiental.
Parece at� um contrassenso que justamente naquele local do parque, na forma��o que � chamada de Serra da Jaguara – que na l�ngua tupi significa Serra da On�a – encontrar e estudar uma su�uarana seja um fato t�o comemorado. Mas a condi��o se deve justamente � raridade do evento, ligada � redu��o das popula��es de on�as-pardas. Para os especialistas envolvidos nesses estudos, pertencentes ao Opili�o – Grupo de Estudos Espeleol�gicos (OGrEE), em menos de um m�s de trabalho, flagrar uma on�a-parda passando por uma das cavernas foi um pr�mio.
Nesses primeiros 30 dias, com instrumentos e m�todos ainda sendo ajustados para procurar rastros, condi��es clim�ticas e pistas da fauna local, al�m da on�a, as c�meras registraram uma irara, que � uma esp�cie de marta, um roedor, borboletas, p�ssaros e at� uma equipe de espele�logos a servi�o de uma mineradora.
“Isso mostra que teremos muito material para trabalhar. Muitos animais ter�o seus h�bitos conhecidos, bem como a sua rela��o com as cavernas do parque. A pr�pria unidade tem poucos estudos, por ser muito nova, de 2014, sobretudo no que se refere �s cavernas”, afirma um dos estudiosos � frente da pesquisa, o professor de qu�mica Luciano Faria, doutor em hist�ria da ci�ncia. “Boa parte dos bichos foge quando chegamos a uma caverna. E sempre quis saber quais animais frequentavam as grutas, ca�avam ou pernoitavam nelas. Da� a ideia de usar instrumentos como as c�meras com sensor de movimento escondidas em �rvores para film�-los”, afirma.
O estudo do OGrEE � denominado Projeto Monitoramento da Visita��o de Mastofauna e do Microclima em Cavidades Naturais no Parna Gandarela, e conta com formas distintas de detectar os animais e seus h�bitos nos arredores e dentro das cavernas. Atualmente, duas grutas s�o monitoradas: dos Ecos e Luna. As c�meras com disparo por sensor de movimento filmam e fotografam tanto de dia quanto � noite. Uma delas foi colocada em uma trilha em espa�o aberto, para registrar a fauna que circula pelo parque. As demais est�o voltadas para as entradas das cavernas, sendo capazes de registrar os animais que entram ou circulam nas proximidades.
Equipamentos tamb�m monitoram umidade, temperatura e press�o atmosf�rica. Placas de acr�lico com areia s�o posicionadas nos acessos das cavidades rochosas para flagrar as pegadas, mas a busca do grupo tamb�m � ativa, vasculhando no exterior das grutas por rastros e no interior por restos de alimentos deixados pelos animais e tamb�m por fezes que possam ter sido depositadas.
No caso da su�uarana registrada pelas c�meras, a passagem do felino durou pouco mais de 30 segundos e a caverna em si, pelo menos neste um m�s de projeto, ainda n�o foi usada pelo animal. O esp�cime de um pouco mais de um metro (sem considerar a cauda em forma de letra jota) surgiu com passadas f�ceis e silenciosas. Apesar de as patas com garras retr�teis sustentarem pesos que variam de 40 a 80 quilos, passaram sem deixar qualquer vest�gio.
Ao fim, o animal j� de costas para a c�mera deixou um �ltimo olhar. Como se estivesse se despedindo. Nesse relance, os olhos adaptados para refletir a m�nima luminosidade e assim auxiliar na vis�o noturna ainda refletiram os sensores das c�meras que emitem raios infravermelhos.
A bi�loga do OGrEE Cristina Machado Borges, doutora em biologia comparada, frisa que o trabalho ainda est� em fase de coleta das primeiras amostras e depende muito da sorte. “Como as armadilhas fotogr�ficas (as c�meras escondidas) est�o voltadas para a entrada das cavernas, pode ser que voltemos a ver outros comportamentos da on�a-parda e de outros animais, como uma marca��o de territ�rio. O uso da caverna como abrigo tamb�m � poss�vel nas noites mais frias, por terem temperatura mais est�vel. Pode ser um ponto de emboscada e ca�a. Se acharmos fezes com vest�gios de carne e ossadas pode ser um indicativo de ser um ponto de alimenta��o”, explica.
A on�a-parda ou puma (Puma concolor)
Tamb�m conhecida no Brasil por su�uarana e le�o-baio. � o segundo maior felino das am�ricas, menor apenas do que a on�a-pintada. Carn�voro e ca�ador, geralmente preda cerv�deos (veados), mas se adapta � ca�a dispon�vel em seu territ�rio. Pode atingir 1,55 metro de comprimento sem a cauda e 78 quilos. H� registros desses animais do Parque da Serra do Gandarela ao Cara�a. � um ca�ador solit�rio, com o pico de atividade no crep�sculo ou � noite, descansando no resto do dia. Quando n�o h� cervos, pode se alimentar de capivaras, roedores, macacos e cria��es, como gado, galinhas e porcos – o que geralmente leva a conflitos com fazendeiros. Os machos s�o extremamente territoriais e o encontro entre dois adultos pode resultar em combate at� a morte. Os territ�rios variam com a disponibilidade de ca�a, de 50 a 300 quil�metros quadrados, com sobreposi��o de indiv�duos diferentes.

Irara (Eira barbara)
Tamb�m chamado de jaguap�, papa-mel e taira, � um animal on�voro da fam�lia dos mustel�deos (Mustelidae). Tem aspecto semelhante ao das martas e doninhas, podendo atingir comprimento de at� 71 cent�metros (n�o incluindo a cauda, que pode se estender por 46 cent�metros). Pesam at� sete quilos e t�m pelagem curta, de marrom escura a preta. Seus p�s t�m dedos de comprimento desigual e suas garras s�o curtas, curvas e adaptadas para escalar e correr. S�o encontradas na maior parte da Am�rica do Sul a leste dos Andes. J� foram identificados indiv�duos entre os parques do Gandarela e do Cara�a. S�o on�voros oportunistas, ca�ando roedores e outros pequenos mam�feros, bem como p�ssaros, lagartos e invertebrados, e escalam �rvores para obter frutas e mel. S�o animais de h�bitos diurnos.
Um laborat�rio natural em �rea de minera��o
O monitoramento sistem�tico do clima, imagens de c�meras escondidas e vest�gios dos animais podem trazer para a ci�ncia brasileira mais conhecimento sobre os h�bitos e adapta��es da fauna relacionada �s cavidades do Parque Nacional da Serra do Gandarela. O monitoramento ambiental tem potencial para ajudar a relacionar certos comportamentos dos animais analisados com as chuvas, a seca, o calor e outros fatores.
“Instalamos um termohigr�metro (medidor de umidade e temperatura) em um abrigo meteorol�gico de PVC para o registro dessas condi��es clim�ticas e tamb�m da press�o atmosf�rica. Em breve traremos uma esta��o meteorol�gica que contribuir� com esses dados e ainda com a dire��o e velocidade dos ventos, volume e intensidade das chuvas, por exemplo”, afirma o ge�grafo Antoniel Fernandes, integrante do Opili�o - Grupo de Estudos Espeleol�gicos (OGrEE), que realiza as pesquisas.
Os dados tamb�m v�o enriquecer o conhecimento sobre o parque. “No Gandarela, n�o h� dados espec�ficos do clima, apenas do entorno. Com esse trabalho teremos leituras da unidade de conserva��o, mas ser� preciso fazer medi��es cont�nuas e por um longo per�odo. Isso � muito importante, pois � um local que atrai cada vez mais pessoas para atrativos como as cachoeiras e que est� pr�ximo de grandes cidades como BH”, observa Fernandes.
A escolha do Parna da Serra do Gandarela para o estudo da rela��o da fauna com as cavernas engloba diversos motivos, segundo professor de qu�mica Luciano Faria, doutor em hist�ria da ci�ncia. “Temos uma oportunidade muito boa no Gandarela, por ser uma �rea que re�ne os exemplos de cavernas como as ferruginosas, formadas pela canga de min�rio de ferro, as carbon�ticas, que ocorrem em calc�reo como as do Carste de Lagoa Santa, e as quartz�ticas (formadas por mais de 73% de quartzo)... Assim, a rela��o de cada um desses tipos de forma��o com a fauna poder� ser estudada”, explica.
Mas outros motivos tamb�m colaboraram para a escolha do Gandarela pelo OGrEE. Um deles � a grande diversidade do parque. De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conserva��o da Biodiversidade, o Gandarela � o “�ltimo fragmento significativo de �reas naturais em bom estado de conserva��o dentro do Quadril�tero Ferr�fero, contendo importantes remanescentes de Mata Atl�ntica semidec�dua, de vegeta��o de campo rupestres sobre canga (40% do restante mineiro) e sobre quartzito, em transi��o com forma��es do cerrado”.
O patrim�nio de cavidades rochosas do Gandarela carece de estudos e � muito rico tamb�m, de acordo com o chefe da unidade de conserva��o federal, Tarc�sio Nunes. “Hoje est�o cadastradas 270 cavernas dentro do parque. No Quadril�tero Ferr�fero, boa parte das cavernas j� foram destru�das pela minera��o. � muito importante ter esses estudos, pois se sabe muito pouco sobre as forma��es, a fauna e a flora presente nelas e os estudos podem dar origem a descobertas de esp�cies, desenvolvimento de f�rmacos, antibi�ticos e outros rem�dios”, exemplifica. “Sem falar que, ao ganhar notoriedade, isso incentiva a conserva��o do parque pelas pessoas”, destaca Nunes.
Em todo Brasil, os estudos sobre cavernas ainda est�o come�ando, segundo avalia��o da bi�loga Cristina Machado Borges, doutora em biologia comparada e integrante do OGrEE. “� preciso incentivo para que se formem mais cientistas com pesquisas voltadas para o estudo de cavernas no Brasil. Os congressos de espeleologia ainda s�o pequenos, com cerca de 500 pessoas, enquanto os de fauna levam milhares de profissionais”, afirma. Ela destaca ainda a import�ncia de conhecer melhor o Gandarela para refor�ar sua prote��o, pois a unidade est� em meio a uma press�o ambiental muito grande, devido ao recurso de min�rio de ferro. “Por isso precisamos conhecer melhor o que tem nas cavernas. Para ter equil�brio entre explora��o e conserva��o. O Gandarela � um laborat�rio perfeito para isso”, destaca.