A maioria das escolas no Brasil ficou fechada durante grande parte de 2020 e no primeiro semestre deste ano. Se favoreceu na preven��o contra a dissemina��o da COVID-19, a aus�ncia da sala de aula por tanto tempo ajudou indiretamente tamb�m a ocultar uma chaga social de dimens�es atualmente desconhecidas: a viol�ncia f�sica e sexual contra crian�as e adolescentes. O sil�ncio t�pico desse tipo de crime nunca foi t�o grande, e a estimativa � de que seus efeitos, assim como o retrocesso pedag�gico consequente da pandemia, sejam sentidos ao longo dos pr�ximos anos. Na segunda reportagem da s�rie “Invis�veis da pandemia”, sobre efeitos do fechamento prolongado dos estabelecimentos de ensino, o Estado de Minas mostra que autoridades policiais e judiciais acreditam em uma demanda reprimida que resultar� em uma explos�o de den�ncias no p�s-pandemia.
Na Vara Especializada em Crimes contra a Crian�a e o Adolescente do F�rum Lafayette, em Belo Horizonte, a redu��o de notifica��es chega a 76% na compara��o do ano passado com 2019. “Isso vai reverberar l� na frente e, da�, a necessidade de den�ncias. As viola��es sexuais desse per�odo chegar�o (� Justi�a) em 2022, 2023. S� teremos plena no��o do desenho estat�stico mais para a frente”, prev� a ju�za Marixa Fabiane Rodrigues, uma das titulares da vara.
Dados da Pol�cia Civil tamb�m mostram redu��o oficial de casos em 2020, na compara��o com o ano anterior (veja arte) Entre as meninas, a maioria das v�timas de crimes sexuais tem entre 12 e 17 anos (67,35%), enquanto entre os meninos a faixa majorit�ria � a de 0 a 11 anos (56,8%). O estupro de vulner�vel responde pela maior parte dos crimes (42,75%), seguido de outras infra��es contra a dignidade sexual e a fam�lia (27,97%) e estupro (6,19%). Belo Horizonte � a cidade com o maior n�mero de v�timas, mas a quantidade de ocorr�ncias caiu 24% em rela��o a 2018 (1.039 para 785). At� abril deste ano, foram registradas 255.
A delegada Renata Ribeiro Fagundes, da Delegacia Especializada de Prote��o � Crian�a e Adolescentes, lembra que n�o s� o fechamento das escolas dificultou o encaminhamento de den�ncias, mas tamb�m o de outros �rg�os da rede de prote��o. “Logo no in�cio da quarentena, a recomenda��o era de que as pessoas n�o fossem ao hospital. Muitas m�es deixaram de fazer consultas peri�dicas dos filhos e o pediatra � fundamental na verifica��o de les�es incomuns na crian�a e outros comportamentos”, afirma.
SUBNOTIFICA��O A Pol�cia Civil trabalha com a hip�tese de explos�o de casos nos pr�ximos meses, considerando que o isolamento social re�ne circunst�ncias favor�veis para que o gatilho da viol�ncia seja acionado. “Vimos muitos casos de maus tratos serem intensificados em raz�o da quarentena. O estresse � dif�cil para o adulto lidar, imagine a crian�a privada de tudo o que � bom para ela? Esses conflitos de ansiedade, com certeza, fizeram aumentar a viol�ncia dom�stica contra crian�as”, reitera Renana Fagundes. “E � preciso entender que viol�ncia n�o educa nem vai deixar a crian�a mais quieta ou apta a fazer a aula on-line”, completa.
Tamb�m n�o h� como mensurar em que propor��o aumentaram os crimes sexuais. “Sabemos que a maioria ocorre no �mbito familiar e, se a fam�lia toda est� dentro de casa e a crian�a n�o tem acesso aos �rg�os de prote��o, sofrer� abusos de forma mais reiterada”, ressalta a delegada. “� preciso observar o comportamento, se a crian�a est� se afastando de algum familiar, por exemplo. O adulto � o instrumento para a crian�a pedir socorro. A pessoa que sabe ou suspeita (do crime) tem a obriga��o de denunciar e isso pode ser feito de maneira an�nima”, adverte.
Renata Fagundes explica que a subnotifica��o � acentuada por outro fato: a dificuldade de falar sobre o assunto. “Mesmo para a mulher adulta � dif�cil denunciar a viol�ncia sexual, pois envolve culpa, constrangimento e medo. Para uma crian�a que sabe que sua palavra ser� desacreditada pelo fato de ser crian�a, e o abusador refor�a essa afirma��o, � ainda pior”, afirma, destacando que o acolhimento das v�timas � feito por meio de escuta especializada. “A palavra da v�tima tem, sim, relev�ncia quando investigamos esse tipo de crime que ocorre entre quatro paredes.”
Ela relata que logo no in�cio da pandemia houve redu��o grande do fluxo na delegacia, mesmo o atendimento tendo permanecido normal. Diante de qualquer demanda espont�nea, uma ocorr�ncia � registrada e s�o tomadas provid�ncias: acolhimento da crian�a, encaminhamento ao Instituto M�dico-Legal (IML) e oitiva do representante legal. “Importante os pais terem consci�ncia da import�ncia de orientar seus filhos quanto � possibilidade de serem v�timas de crimes virtuais e presenciais, o que s�o partes �ntimas, que ningu�m pode tocar nelas, o que � um carinho bom e ruim, que a crian�a tem dom�nio sobre o corpo dela e n�o deve abra�ar nem sentar no colo de familiar se n�o se sentir � vontade.”