Estudo mostra como degrada��o da natureza e estiagem t�m afetado rios de MG
Ber��rio de importantes bacias hidrogr�ficas, estado perdeu em tr�s d�cadas 118 mil hectares de �guas superficiais, indica estudo do MapBiomas
Um assoreado e maltratado Rio das Velhas corta a Regi�o Metropolitana de BH, onde ficam as cabeceiras do manancial que mata a sede de grande parte da popula��o, e tamb�m onde est�o os maiores problemas (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Minas Gerais enfrenta uma das piores estiagens da hist�ria, mas a crise h�drica, que afeta o pa�s como um todo, est� longe de ser apenas um fen�meno pontual. O estado que j� foi chamado de Caixa-d’�gua do Brasil est� ficando cada vez mais seco, consequ�ncia da degrada��o ambiental e das mudan�as clim�ticas. An�lise de dados de sat�lites mostra que, entre 1985 e 2020, as maiores bacias hidrogr�ficas mineiras sofreram quedas acentuadas de superf�cies de �gua.
Entre os principais rios, o �nico que aumentou em �rea no per�odo avaliado foi o Jequitinhonha. Mas n�o por recupera��o ambiental, e sim devido � a��o humana, com a constru��o da hidrel�trica de Irap�, inaugurada em 2006.
Dados que mostram uma perda de 118 mil hectares de superf�cie de �gua em tr�s d�cadas e meia em Minas – o equivalente a 605 vezes o espelho da Lagoa da Pampulha – fazem parte de estudos dos pesquisadores do MapBiomas, iniciativa que envolve organiza��es n�o governamentais, universidades e empresas de tecnologia.
O levantamento nacional aponta a perda de superf�cie de �gua em oito das 12 regi�es hidrogr�ficas brasileiras, com redu��o em 23 das 27 unidades da Federa��o e em todos os biomas.
Por�m, em Minas, as perdas de superf�cie dos principais rios que nascem no estado s�o bem superiores � m�dia de redu��o em n�vel nacional, de 15,7%. Segundo o estudo, a bacia hidrogr�fica mineiras com maior redu��o superficial no per�odo analisado foi a do Rio Urucuia, com queda de 45%.
Retratado nas obras do escritor Guimar�es Rosa, o curso des�gua no S�o Francisco, assim como o Rio Verde Grande, outro importante manancial do estado, que teve perda de superf�cie de �gua de 40%, ou o Paracatu, que encolheu em 25%.
De acordo com o MapBiomas �guas, a Bacia do Rio S�o Francisco, que nasce na Serra da Canastra, em Minas, e percorre cinco estados at� encontrar o Oceano Atl�ntico, entre Alagoas e Sergipe, tamb�m sofreu diminui��o global de 15% na �rea ocupada por suas �guas. A pesquisa aponta que o complexo teve perda de 125.369 hectares (ha) de superf�cie h�drica, saindo dos 832.115ha de 1990 para 706.746ha em 2020.
O mesmo percentual de perda de �gua superficial ocorreu no Rio Doce, que nasce em Minas Gerais e segue em dire��o ao Esp�rito Santo, onde des�gua no Oceano Atl�ntico, no munic�pio de Linhares.
Como agravante, esse manancial foi totalmente comprometido, at� sua foz, pelo desastre do rompimento da barragem da Samarco em Mariana, em 2015.
Maior impacto em Minas Gerais
Um dos pesquisadores do MapBiomas �gua, o professor Luis Fernando Guedes Pinto, diretor de Conhecimento da Funda��o SOS Mata Atl�ntica, lembra que, das 23 unidades da Federa��o que sofreram redu��o h�drica, Minas Gerais est� entre as 10 que mais tiveram perdas nas �ltimas tr�s d�cadas.
Ele salienta que o quadro gera maior apreens�o pelo fato de o estado concentrar nascentes de bacias hidrogr�ficas importantes, como as do S�o Francisco e do Doce.
O especialista aponta o desmatamento como um dos principais respons�veis pela queda na disponibilidade h�drica. “O fato de Minas Gerais ter mais nascentes significa que os efeitos (da perda de �guas superficiais) s�o mais impactantes no estado.
Com a continuidade dos desmatamentos, a tend�ncia � ter cada vez menos �gua, uma preocupa��o para o futuro. Isso acende uma luz amarela.”
Reportagens do
Estado de Minas
mostraram que no Norte do estado, dezenas de rios que fazem parte da Bacia do S�o Francisco, que h� 30 anos eram perenes, tornaram-se intermitentes e est�o completamente secos, assemelhando-se a estradas. � o caso do Rio das Pedras, no munic�pio de Glaucil�ndia.
Rio que virou estrada: leito seco do Rio das Pedras, na comunidade de �gua Boa, no Norte de Minas (foto: Luiz Ribeiro/D.A Press )
Guedes Pinto ressalta que o cen�rio desolador exposto pelo
EM
vai ao encontro dos resultados do estudo, divulgado na semana passada.
“O MapBiomas relata exatamente isto: rios que existiam n�o existem mais ou t�m cada vez menos �gua. Isso tem duas causas principais: o desmatamento e as mudan�as clim�ticas, que v�m provocando secas cada vez mais extremas, mais longas e mais intensas, que diminuem a produ��o e a oferta de �gua”, descreve o pesquisador, acrescentando que a situa��o afeta regi�es como a que abriga as nascentes do S�o Francisco.
O professor acrescenta que a devasta��o dos principais biomas do estado afeta diretamente a produ��o de �gua. “Minas Gerais j� desmatou muito a mata atl�ntica e o cerrado. Isso tem uma consequ�ncia enorme sobre as nascentes e os rios. Quanto mais florestas, mais est�vel a oferta de �gua. Quanto mais desmatamento, maior preju�zo para a produ��o de �guas”, explica.
Para conter o “esvaziamento” da caixa d’�gua do Brasil e recuperar o volume das bacias hidrogr�ficas mineiras, o professor Luis Fernando Guedes Pinto destaca a necessidade de reflorestamento, sobretudo com o replantio em torno de nascentes de rios e c�rregos.
Ele destaca que � preciso tamb�m controle sobre usos m�ltiplos da �gua, incluindo a irriga��o e a gera��o de energia el�trica, al�m de investimentos em saneamento b�sico.
Escassez nacional
Segundo o estudo do MapBiomas que avaliou dados de sat�lite de 1985 a 2020, a superf�cie coberta por �gua do Brasil em 1991 era de 19,7 milh�es de hectares. No ano passado, ela j� havia sido reduzida para 16,6 milh�es de hectares, �rea equivalente ao territ�rio do Acre ou quase quatro vezes o estado do Rio de Janeiro. A perda de 3,1 milh�es de hectares em 30 anos (15,7%) equivale a mais de uma vez e meia a superf�cie de �gua de toda a Regi�o Nordeste em 2020. No per�odo avaliado, 70% dos munic�pios brasileiros tiveram perda de �guas superficiais.
Perdas coincidem com avan�o da explora��o
Para o ambientalista Apolo Heringer Lisboa, fundador do Manuelz�o, projeto de recupera��o da Bacia do Rio das Velhas, o per�odo do estudo do MapBiomas que aponta redu��o nas �guas superficiais no Brasil coincide com o “boom” de atividades de minera��o e agroneg�cio. Ele aponta rela��o direta entre o aumento da explora��o econ�mica e a redu��o da disponibilidade h�drica.
“O per�odo avaliado pelo MapBiomas abrange o boom da nova economia brasileira, baseada na exporta��o de commodities, hoje sobretudo para atender ao mercado chin�s, a nova grande pot�ncia mundial. O quadril�tero aqu�fero (e ferr�fero-aur�fero), onde se situam as cabeceiras dos rios das Velhas, Paraopeba e Doce, est� sendo r�pida e intensamente perfurado a grandes profundidades para extra��o de min�rio de ferro de elevada qualidade, em preju�zo da boa gest�o dessas �guas, que se tornou subsidi�ria”, afirma.
O especialista salienta, que entre outros impactos, a atividade miner�ria detona rochas e drena a �gua dos len��is fre�ticos profundos, permitindo a minera��o a seco e em algumas regi�es o seu transporte por �gua em minerodutos.
“Esse vasto rebaixamento de len��is que atinge toda a regi�o das bacias do Velhas, Paraopeba e Doce impacta toda a Grande BH, que passou a ter graves problemas de abastecimento humano, e j� compromete a sobreviv�ncia dos rios enquanto ecossistemas de uso comum”, considera.
Apolo Heringer Lisboa afirma tamb�m que a explos�o da exporta��o brasileira de mat�ria-prima gerou altera��es no conceito de seca.
“As secas de h� meio s�culo eram dependentes da chuva. Hoje, pode haver seca em per�odos pr�ximos de muita chuva, pois se trata de seca subterr�nea. A demanda colossal de exporta��o dessas commodities prim�rias e a licenciosidade do controle da gest�o ambiental, que s� tem olho para a arrecada��o e os neg�cios pol�tico-empresariais, permitem o abuso da retirada de �gua dos rios e das �guas subterr�neas em po�os profundos. Ultrapassaram os n�veis recomendados para cada ano pela ci�ncia hidrol�gica”, opina.
No caso da Bacia do S�o Francisco, afirma, o Rio Urucuia, seu principal aqu�fero, perdeu a abund�ncia existente at� a metade do s�culo 20, coincidindo com a destrui��o do cerrado para explora��o, de onde prov�m suas �guas. Apolo enfatiza a necessidade de conciliar a atividade econ�mica com a preserva��o ambiental.
“Hoje, o desenvolvimento precisa ser regenerativo, na linha da renaturaliza��o. O Brasil convive h� 521 anos com atividades econ�micas predat�rias. Sem ecologizar a economia, aprendendo com a economia natural ou ecologia, caminhamos para o colapso ambiental que levar� de rold�o o futuro nacional”, alerta.
Rio das Velhas teve redu��o ‘alarmante’
O Rio das Velhas, uma das principais fontes de abastecimento humano da Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, � dos mananciais mais castigados em tr�s d�cadas, aponta estudo do MapBiomas. A redu��o de 40% da superf�cie de �guas do leito � considerada “alarmante” pelo professor e pesquisador Luis Fernando Guedes Pinto, participante da pesquisa.
A queda na vaz�o � verificada ao longo de toda a extens�o da bacia, de 806 quil�metros, da nascente, no munic�pio de Ouro Preto, at� a foz, no Rio S�o Francisco, em V�rzea da Palma, Norte de Minas, passando pelos territ�rios de 51 munic�pios.
“A Bacia do Rio das Velhas fica em uma regi�o que sofre intenso desmatamento e isso est� relacionado com a oferta de �gua”, considera o pesquisador. Ele lembra ainda que o fato de o rio atravessar �reas urbanas e ser usado para o abastecimento da Grande BH tamb�m contribui para a retirada de �gua da bacia e redu��o do volume que chega at� a foz.
A presidente do Comit� da Bacia do Rio das Velhas, Poliana Valgas, afirma que, embora ainda n�o tenha avaliado o documento do MapBiomas, j� tinha alertado sobre a diminui��o das �guas superficiais na bacia.
“S�o v�rios fatores combinados que, principalmente nos per�odos de estiagem, ocasionam vaz�es extremamente baixas. Tudo isso demonstra desequil�brio e perda de resili�ncia”, observa.
Segundo ela, entre as causas do quadro est�o os baixos �ndices de chuva, mau uso e ocupa��o do solo, com destaque para atividades extrativas e expans�o imobili�ria em �reas de produ��o de �gua e recarga do sistema, a crescente demanda pelo uso da �gua, assim como perdas nos sistemas de abastecimento p�blicos.
A situa��o mais cr�tica est� no Alto Rio das Velhas, regi�o da cabeceira e da produ��o de �gua, “por sinal, onde ocorre a capta��o para abastecimento de metade da Regi�o Metropolitana de BH”.
Canoas de pescadores na Barra do Guaicu�: ribeirinhos viram ao longo dos anos as �guas do Velhas recuarem em 40% (foto: Alexsander Sezko/Divulga��o
)
Entre as interven��es para salvar o rio, Poliana Valgas cobra a ado��o de “medidas de m�dio e curto prazos, como a efetiva��o de um programa estruturante de revitaliza��o da bacia, a defini��o de pol�ticas p�blicas de preserva��o de �reas de produ��o de �gua e de uso e ocupa��o do solo nos munic�pios”.
Ela cita a recupera��o de �reas degradadas e prote��o de nascentes, a amplia��o e melhoria no tratamento de esgotos das cidades, o uso mais racional da �gua e investimentos em tecnologia como o re�so e a capta��o de �guas de chuva.
A degrada��o e a diminui��o ano a ano do volume do Rio das Velhas s�o testemunhadas pelos moradores de suas margens. O pedreiro Edmilson Alves da Silva Pereira, de 42 anos, da localidade de Buriti da Porta, na zona rural de V�rzea da Palma, cresceu enquanto o leito s� baixava.
“Desde quando era garoto at� hoje, o volume do rio diminuiu demais. Tinha um bra�o onde a gente atravessava com �gua pela cintura. Hoje, o n�vel n�o passa dos p�s da gente”, conta.
Vilma Martins Veloso, de 57, presidente da col�nia de pescadores do distrito de Barra do Guaicu�, perto do ponto onde o Velhas encontra o Rio S�o Francisco, se entristece com o que v� olhando para o leito. “H� 30 anos, o rio era uma fartura de �gua. Hoje, a gente fica triste de ver que est� cada vez mais vazio, assoreado e polu�do. Quando chove, o rio enche, mas rapidamente a �gua diminui”, lamenta.
A col�nia tem 125 associados, que buscam sustento no S�o Francisco (a pesca foi proibida no Rio das Velhas, considerado “ber��rio” dos peixes). Com a degrada��o, eles tamb�m sofrem com diminui��o dos cardumes.