
Em julho, o Corpo de Bombeiros atendeu a 4.326 ocorr�ncias contra 3.627 no mesmo m�s de 2020, aumento de 699 casos. Os dados de agosto ainda n�o foram divulgados, mas das 22h da �ltima sexta-feira, at� �s 7h de ontem, foram registradas pelo menos 163 chamadas apenas na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte.
Ontem, a corpora��o atendeu a mais uma ocorr�ncia de fogo em vegeta��o, �s margens da BR-040, em Paracatu, na Regi�o Noroeste de Minas Gerais. Ainda de acordo com os dados, agosto e setembro s�o os meses mais cr�ticos para inc�ndios, e o aumento dos n�meros de ocorr�ncias de nesta �poca tamb�m sobrecarrega os Bombeiros, que t�m efetivo de aproximadamente 6 mil militares em Minas Gerais.
O maior agente dessas ocorr�ncias � o homem, seja direta ou indiretamente. "As ocorr�ncias est�o presentes em todo o estado. Mas podemos destacar uma grande concentra��o na Regi�o Central e na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. Isso porque essas ocorr�ncias s�o comuns em pontos de transi��o entre as �reas urbana e rural", afirma o tenente do Corpo de Bombeiros Pedro Aihara, o que ajuda a explicar os riscos �s margens de estradas.
Historicamente com a maior m�dia de focos de calor em Minas Gerais, neste ano os meses de agosto e setembro caminham para ter n�mero ainda maior de queimadas no estado. Para al�m da causa humana, a situa��o est� associada � condi��o clim�tica: um per�odo chuvoso menos intenso, com �ndices de umidade relativa do ar mais baixa e aumento de temperaturas m�dias. "Temos uma combina��o ambiental complicada. A previs�o � atingir picos maiores do que em anos anteriores", afirma Aihara. Ele acrescenta que o relevo composto por serras, comum em Minas, forma corredores de vento e facilitam a propaga��o mais r�pida dos focos.
Aprendizado com uma rotina de preocupa��o
Conviver com o risco das labaredas �s margens de estradas � algo que ficou marcado na mem�ria de integrantes de uma comunidade �s margens do km 54 da MG-010, que h� nove meses tiveram de apagar um inc�ndio de grandes propor��es com baldes e vasilhas, j� que bombeiros, empenhados em combater o fogo em trechos da Serra do Cip�, n�o chegaram a tempo. Os preju�zos materiais foram grandes, mas o resultado poderia ter sido bem mais grave, n�o fosse a ajuda de vizinhos e pessoas que passavam pelo local.Perto dali, no Km 74, h� duas semanas, houve mais um inc�ndio e mais preju�zos materiais, que outra vez s� n�o foram ainda piores gra�as � atua��o da comunidade local, que apagou as chamas.
Hoje, os envolvidos na situa��o de meses atr�s, flagrada pela equipe do Estado de Minas, se informaram melhor e tomaram medidas preventivas, como a abertura de aceiros, aquisi��o de maquin�rios para limpeza de capim seco, bem como estabelecimento de protocolos para comunica��o de emerg�ncia.
Mas, para Vera Lucia Souza Estevo, dona da floricultura no local, as imagens da chama e a lembran�a do preju�zo s�o dif�ceis de esquecer. “A gente gostaria de n�o lembrar, mas � o tipo de coisa que n�o se consegue apagar da mente. Foi horr�vel! Perdi cerca de R$ 10 mil reais em bens materiais, mas serviu de aprendizado”, afirmou. “Este ano, j� fiz o meu aceiro e procurei me informar melhor com os pr�prios bombeiros. Mas s� serviram para dar orienta��o mesmo, pois o fogo foi apagado por n�s”, frisa.
O sentimento de desamparo � compartilhado pelo morador vizinho que, no �ltimo domingo, viu suas formas de piscina serem destru�das por inc�ndio id�ntico. Godofredo Alves Diniz, laminador e morador do Km 64 da MG-010, conta que perdeu cerca de R$ 100 mil em materiais. “Acho que o fogo foi criminoso. Acionamos os bombeiros, que vieram dar apoio, mas n�o tinham �gua no caminh�o e quem apagou tudo foram umas 25 pessoas que estavam na hora, com baldes e �gua da minha caixa d´ï¿½gua, que s� estava cheia porque eu tinha comprado um caminh�o-pipa dias antes”, explica, afirmando que ficou impossibilitado de trabalhar.
Essa � a realidade de muitos mineiros que vivem �s margens de estradas na Grande BH. “Devido � extens�o das queimadas, os danos � fauna e � flora locais s�o imensos, assim como impactos econ�micos como a destrui��o de planta��es, cria��es de gado e, muitas vezes, at� mesmo do sistema h�drico”, afirma o tenente Pedro Aihara, dos Bombeiros. Ele faz um apelo para que as pessoas se conscientizem e denunciem pelo 190 ou pelo 181 casos de queimadas criminosas.
Brasil teve fogo em quase 20% de seu �rea desde 1985
Todo ano, uma �rea maior que a Inglaterra pega fogo no Brasil. Nos �ltimos 36 anos, 150,9 mil quil�metros quadrados, em m�dia, foram consumidos pelas chamas. Se somada a �rea queimada desde 1985, o acumulado do per�odo chega a praticamente um quinto do territ�rio nacional. Foram 1.672.142 km² de vegeta��o queimada, o equivalente a 19,6% do Brasil, segundo estudo in�dito do Mapbiomas, projeto integrado de universidades, organiza��es ambientais e empresas de tecnologia.
Com recursos de intelig�ncia artificial, foram sobrepostas imagens detalhadas de queimadas em todos os tipos de uso e cobertura da terra. Ao todo, foram 108 terabytes de imagens processadas, revelando �reas, anos e meses de maior e menor incid�ncia do fogo. O resultado permite agora identificar a �rea queimada em cada m�s, durante todo o per�odo avaliado, al�m do tipo de uso e de cobertura do solo queimado.
O levantamento revela que quase dois ter�os (65%) do fogo ocorreram em �reas de vegeta��o nativa, sendo que os biomas cerrado e amaz�nia concentram 85% de toda a �rea queimada pelo menos uma vez no pa�s. No caso do cerrado, a �rea queimada por ano, desde 1985, equivale a 45 vezes o munic�pio de S�o Paulo.
Outro dado preocupante aponta que cerca de 61% das �reas afetadas pelo fogo entre 1985 e 2020 foram queimadas duas vezes ou mais, ou seja, n�o s�o eventos isolados. No caso da amaz�nia, 69% do bioma queimou mais de uma vez no per�odo, e 48% mais de tr�s.
PANTANAL A an�lise revela que o pantanal foi o bioma que mais queimou proporcionalmente nos �ltimos 36 anos: 57% do territ�rio foi incendiado pelo menos uma vez, uma �rea de 86.403 km². No cerrado, a �rea atingida chegou a 36% (733.851 km²), enquanto na Amaz�nia o fogo foi identificado em 16,4% (690.028 km²).
“A informa��o de que 20% da �rea do Brasil j� foi queimada n�o � pouca coisa. A amaz�nia, por exemplo, que � metade deste Pa�s, teoricamente n�o deveria queimar. � uma floresta �mida, o fogo n�o faz parte de seu regime natural, mas temos visto isso, puxado por fatores como o avan�o de �reas pastagem”, diz Ane Alencar, coordenadora do Mapbiomas Fogo. “Esse cen�rio mostra que o fogo tem de ser trabalhado com a��es de combate como pol�tica p�blica. � um cen�rio muito preocupante, que tem se agravado nestes �ltimos anos.”
Vera Arruda, pesquisadora da equipe do MapBiomas Fogo respons�vel pelo mapeamento do cerrado, afirma que a regi�o tem uma vegeta��o nativa em que o fogo faz parte de seu regime, mas n�o na dimens�o que tem ocorrido. “A extens�o e frequ�ncia da �rea queimada no cerrado nas �ltimas quase quatro d�cadas revela que algo est� errado com o regime de fogo no bioma”, comenta.
Os estados com maior ocorr�ncia de fogo no per�odo analisado foram Mato Grosso, Par� e Tocantins. Embora os grandes picos de �rea queimada no Brasil tenham ocorrido principalmente em anos afetados por eventos de seca extrema (1987, 1988, 1993, 1998, 1999, 2007, 2010 e 2017), altas taxas de desmatamento – principalmente aquelas ocorridas na amaz�nia depois de 2019 – tiveram alto impacto no aumento da �rea queimada. A esta��o seca, entre julho e outubro, concentra 83% da ocorr�ncia de queimadas e inc�ndios florestais.