
"S�o problemas j� conhecidos e v�o se ampliar com mais secas, mais �reas fr�geis a queimadas, at� menos florestas restarem"
Klemens Augustinus Laschefski, professor do Instituto de Geoci�ncias da UFMG
Os cortes rasos e lineares no amontoado de troncos denunciam o ritmo acelerado das motosserras derrubando as �rvores que um dia formaram floresta atl�ntica fechada entre Rio Acima e Nova Lima, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. Elas tombaram para servir de pasto, deixando um rombo no vale dominado por florestas.
De acordo com a ferramenta de monitoramento por sat�lites internacionais da organiza��o n�o governamental World Forest Watch (WFW), a �rea metropolitana de BH perdeu 9.167ha de cobertura arb�rea entre 2015 e o ano passado, mais que duas vezes a extens�o do Parque Estadual da Serra do Rola-Mo�a, que tem 4.006ha.
O levantamento detectou que pelo menos 435ha s�o de mata prim�ria (ainda virgem), ou seja, extens�o que supera o Parque das Mangabeiras (337ha), na Zona Sul da capital. Em 2020, �ltimo per�odo de dados consolidados, foram afetados 1.004ha (11%), quase a extens�o de tr�s parques das Mangabeiras. Desse universo, pelo menos 55,37ha eram constitu�dos de mata nativa prim�ria.
A ferramenta considera todo tipo de vegeta��o com mais de 5 metros de altura e n�o abrange apenas florestas prim�rias, considerando tamb�m �reas em recupera��o e de silvicultura, como as planta��es de eucaliptos, que precisam ser ajustadas. A perda de �reas ocorre devido a desmatamentos, inc�ndios, a��o de pragas, tempestades, desastres e colheitas, trazendo um panorama do encolhimento no local estudado.

O munic�pio de Caet� foi o que mais perdeu �rea de cobertura de �rvores entre 2015 e 2020 e tamb�m o que teve maior redu��o em 2020, chegando a 127ha. Levando-se em conta as cidades que t�m menos tradi��o na planta��es de eucaliptos, h� destaque para Nova Lima, que perdeu 235ha entre 2015 e 2020, sendo 57ha no ano passado. S� de mata prim�ria, Nova Lima perdeu 64ha em cinco anos, e Rio Acima, 86ha, sendo que Sarzedo perdeu 26ha de mata nativa dos 44ha de cobertura arb�rea, ou seja, destrui��o de 59%.
Mortalidade tem v�rias causas
A Global Forest Watch usa dados de sat�lites internacionais para calcular, entre outras medi��es, as perdas e ganhos de �reas de matas. A institui��o foi lan�ada em 2014 para “monitorar e gerenciar florestas, conter desmatamentos e inc�ndios ilegais, desafiar atividades insustent�veis, defender sua terra e recursos, commodities de origem sustent�vel e conduzir pesquisa na vanguarda da conserva��o”.
Em Minas Gerais, a ferramenta identificou cobertura territorial de 32% de florestas naturais em 2010, sendo que entre 2015 e 2020, o estado perdeu 1,6% de floresta prim�ria �mida. “Coberturas arb�reas s�o definidas como todo tipo de vegeta��o com mais de 5 metros de altura, e podem tomar a forma de florestas naturais ou planta��es. Perda indica a remo��o ou mortalidade por uma variedade de fatores, incluindo colheita mec�nica, fogo, pragas ou danos causados por tempestade.”
Na Grande BH, onde o Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) estima viverem 6 milh�es de pessoas (28% dos habitantes de Minas Gerais), as florestas e matas nativas s�o importantes tanto para evitar aquecimento do microclima da regi�o quanto para conter impactos no abastecimento. Este �ltimo fen�meno se d� com a impermeabiliza��o e a exposi��o do solo, em vez de infiltra��o da �gua das chuvas para a lenta recarga dos recursos h�dricos que abastecem suas torneiras.
Preocupa��o A acelera��o dos desmatamentos preocupa especialistas, como o doutor em geografia pela Universidade de Heidelberg (Alemanha) e professor do Instituto de Geoci�ncias da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Klemens Augustinus Laschefski. “Agrava aqueles problemas j� existentes. Precisamos refor�ar todas as pol�ticas para evitar o desmatamento e mais impermeabiliza��o de solo, pol�tica que promove a forma de infiltra��o da �gua e a recomposi��o das nascentes. S�o problemas j� conhecidos e v�o se ampliar com mais secas, mais �reas fr�geis a queimadas, at� menos florestas restarem”.
Uma boa solu��o, para o professor da UFMG, seria a cria��o de florestas conservadas em unidades. “Precisamos de mais sistemas municipais de �reas protegidas, com o turismo para amenizar �reas ambientais. As �reas verdes amenizam as temperaturas e contribuem para nos adaptar melhor �s mudan�as clim�ticas. � preciso de pol�ticas de agricultura agroecol�gica que ajudem para que o ecossistema se regenere, e tamb�m de fiscaliza��o ambiental”, afirma Laschefski.
Conhecedor das din�micas ambientais sobretudo do cerrado, que � o bioma predominante em Minas Gerais e na Grande BH, o ambientalista Ant�nio Eust�quio Vieira, presidente do Movimento Verde de Paracatu (Mover), afirma que as repercuss�es dos desmatamentos no abastecimento h�drico s�o graves e precisam ser mitigadas. “Onde temos florestas, a �gua das chuvas se infiltra a uma raz�o de cerca de 30% do volume (de chuvas) no solo. Essa infiltra��o � o que forma as nascentes que abastecem os rios. Onde n�o tem floresta e o solo est� exposto, esse �ndice n�o chega a 10%”, estima.

Remo��o de �reas afronta legisla��o
Os desmatamentos ocorrem de forma acelerada e aguardam a chegada da esta��o seca, pr�ximo a junho, para destocar as florestas e assim creditar a destrui��o aos inc�ndios dessa �poca, muitos deles criminosos, apenas para encobrir rastros ou auxiliar na "limpeza" do terreno. Isso � muito vis�vel nas �reas de desflorestamento encontradas pelo EM entre Nova Lima e Rio Acima, dois dos munic�pios com maior perda de mata prim�ria da Grande BH.
Depois de desmatar 18,5 hectares, um propriet�rio do terreno entre os dois munic�pios, bem no alto do vale de margem esquerda do Rio das Velhas, simplesmente ateou fogo � vegeta��o, abrindo um aceiro para que as estruturas abaixo, casa e curral, n�o fossem atingidas. O objetivo � criar pastagem, com as chamas terminando o trabalho de limpeza para introduzir capim e gado. A remo��o sistem�tica das matas nessa regi�o aos poucos abre rombos no antes extenso tapete verde.
Com a orienta��o de sat�lites, a reportagem chegou a 11 �reas desmatadas na Grande BH que somam 190 hectares, que, de acordo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustent�vel (Semad), n�o dispunham de autoriza��o para remo��o de �rvores. A Semad agora disp�e dessas localiza��es e promete tomar provid�ncias que podem incluir de fiscaliza��es a aplica��o de advert�ncias e multas.
Uma das �reas que apresentaram a maior perda vegetal, de acordo com o monitoramento dos sat�lites, fica nas terras altas entre os c�rregos do Amianto e da Volta, tamb�m afluentes do Rio das Velhas, e abaixo do Rio do Peixe, que � um dos mais importantes contribuintes em volume e quantidade de �gua injetada no curso alto do Velhas, o manancial respons�vel por abastecer cerca de 60% da Grande BH. As terras altas com vegeta��o mais rasteira, neste ponto, contrastavam com as florestas nas encostas, margens e corredor ciliar do Rio do Peixe, mas de 2006 a 2010, essa �rea se apresentava intacta, at� que um grande inc�ndio transformou boa parte da vegeta��o em cinzas, em 2011, dando in�cio a v�rios pontos de eros�o. Locais verdes, ainda que �ngremes, deram vez a um terreno arenoso e est�ril.
O surgimento de trilhas e caminhos ampliava esse processo, at� que em 2013 essa extens�o de matas e serras entre importantes mananciais iniciou uma recupera��o e o verde voltou a aflorar, se revezando com a paisagem ocre que a seca trazia na estiagem. Novo inc�ndio florestal em 2017 desequilibrou essa regenera��o, seguido por mais fogo em 2019, tendo desde ent�o essa grande �rea perdido praticamente toda a cobertura de �rvores que um dia exibiu.