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Estado de Minas entrevista/Vit�ria Ramos - gerente de advocay de MSF

Doen�as negligenciadas: descaso que mata

Atualmente, 17 patologias parasit�rias cr�nicas s�o classificadas como negligenciadas, que ainda persistem como problema de sa�de p�blica


13/12/2021 04:00 - atualizado 13/12/2021 10:17

Pessoa sendo vacinada
(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press )


Voc� j� se deparou por a� com o termo doen�as negligenciadas? Sabe o que significa? O assunto � t�o s�rio que tem at� data especial: 30 de janeiro, marcado no calend�rio como o Dia Mundial de Combate �s Doen�as Tropicais Negligenciadas (DTN).

Conforme Boletim Epidemiol�gico da Secretaria de Vigil�ncia em Sa�de, do Minist�rio da Sa�de (MS), em edi��o especial de mar�o de 2021, as doen�as tropicais negligenciadas ocorrem em 149 pa�ses, geralmente em popula��es pobres da �frica, �sia e Am�rica Latina.

Um grupo de diferentes enfermidades comp�e esse conjunto, e n�o h� um crit�rio universal para inseri-las. O termo “negligenciada” foi proposto pela Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), devido �s empresas farmac�uticas multinacionais n�o despertarem interesse e pelo investimento baixo de recursos destinados a esse grupo de doen�as.
 
De acordo com a OMS, atualmente, 17 doen�as parasit�rias cr�nicas s�o classificadas como DTNs, entre elas raiva, doen�a de Chagas, leishmaniose e esquistossomose, entre outras. No Brasil, essas doen�as persistem como problema de sa�de p�blica.

Conforme a Ag�ncia Fiocruz de Not�cias, embora as doen�as tropicais e a tuberculose sejam respons�veis por 11,4% da carga global de doen�a, apenas 21 (1,3%) dos 1.556 novos medicamentos registrados entre 1975 e 2004, foram desenvolvidos especificamente para essas doen�as.

Por que isso acontece? Qual o atual cen�rio? O que � preciso mudar? Quem responde a essas e a outras quest�es � Vit�ria Ramos, gerente de advocacy, rela��es institucionais e assuntos humanit�rios da M�dicos Sem Fronteiras (MSF), organiza��o internacional de ajuda humanit�ria com expertise na �rea.

Vitória Ramos
(foto: arquivo pessoal)
 

A COVID-19 � um exemplo claro de que, quando h� recursos, � poss�vel desenvolver muito rapidamente tecnologias m�dicas para diagnosticar, tratar ou at� prevenir, como � o caso da vacina

Vit�ria Ramos


Quais foram os impactos da pandemia no enfrentamento �s doen�as negligenciadas?

O impacto da pandemia no tratamento das doen�as negligenciadas, assim como no de v�rias doen�as cr�nicas, foi o mesmo. Com a chegada do novo coronav�rus, o sistema de sa�de redirecionou sua capacidade de atendimento para os casos de COVID-19, represando o atendimento a pacientes cr�nicos e �queles que precisavam de acompanhamento na aten��o primaria de sa�de. A pr�pria popula��o deixou de buscar assist�ncia m�dica temendo contrair o novo coronav�rus. Recentemente, estivemos no Minist�rio da Sa�de (MS) falando sobre a doen�a de Chagas e soubemos que a demanda pelo tratamento caiu. Certamente, h� muito trabalho para ser feito agora. O que vir� pela frente? Bom, o sistema de sa�de continua estressado, especialmente por conta dos profissionais que est�o muito cansados ap�s todos os esfor�os realizados durante a pandemia. Eles ainda continuam trabalhando muito na campanha de vacina��o da popula��o. Mas tamb�m temos os aprendizados deixados pela COVID-19. Por exemplo, podemos aperfei�oar v�rias estruturas do sistema de sa�de, como a parte ligada � notifica��o de algumas doen�as.

O que s�o as chamadas doen�as negligenciadas?
A Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS) trabalha com o conceito de doen�as tropicais negligenciadas em uma lista de 20 enfermidades que afetam diferentes grupos populacionais, geralmente de pa�ses com baixa e m�dia rendas localizados na �frica, na �sia e nas Am�ricas. Chagas, leishmaniose visceral, hansen�ase e escabiose s�o alguns exemplos de doen�as negligenciadas que afetam pessoas em situa��o de vulnerabilidade e que, por seu baixo poder aquisitivo, n�o despertam o interesse da ind�stria farmac�utica e dos institutos de pesquisa, que n�o desenvolvem novas formas de combat�-las, trat�-las e diagnostic�-las. Invis�veis, essas pessoas tamb�m s�o ignoradas pelas pol�ticas p�blicas de sa�de.

No Brasil, qual doen�a negligenciada tem a maior incid�ncia?
Pensando na lista da OMS, o Brasil ainda � afetado por v�rias dessas doen�as, em especial a doen�a de Chagas, a hansen�ase, a dengue e a chikungunya. Algumas delas afetam popula��es muito pequenas e isoladas, mas outras, como a de Chagas, ainda atingem milh�es de brasileiros.
 

Muitas das chamadas doen�as negligenciadas podem n�o ser letais e at� s�o facilmente curadas ou tratadas. Mas, como afetam pessoas com pouco acesso � sa�de, podem levar a �bito

Vit�ria Ramos

 
 
Quais doen�as negligenciadas s�o as mais letais?
A quest�o da letalidade vai depender muito do n�vel de acesso � sa�de que essas popula��es t�m. Muitas das chamadas doen�as negligenciadas podem n�o ser letais e at� s�o facilmente curadas ou tratadas. Mas, como afetam pessoas com pouco acesso � sa�de, podem levar a �bito. Esse � o caso do envenenamento causado por picada de cobra, que foi inclu�da na lista de doen�as negligenciadas da OMS. Atualmente, h� poucas empresas produzindo soro antiof�dico, pois, comparado com outras drogas, o medicamento n�o � lucrativo.

Para doen�as negligenciadas n�o h� vacinas? N�o h� inova��o nessa �rea? Com o avan�o da tecnologia, n�o seria poss�vel ter medicamentos mais eficazes para essas doen�as? Ou falta interesse?
Sim, com certeza. Esse � um dos principais problemas relacionados �s doen�as negligenciadas: a falta de interesse da ind�stria e das institui��es no desenvolvimento de pesquisas e em novos tratamentos. A COVID-19 � um exemplo claro de que, quando h� recursos, � poss�vel desenvolver muito rapidamente tecnologias m�dicas para diagnosticar, tratar ou at� prevenir, como � o caso da vacina. S� para comparar, os medicamentos usados por pacientes com Chagas foram desenvolvidos nas d�cadas de 1960 e 1970 para outra doen�a, mas acabaram sendo utilizados para a enfermidade. No entanto, podem ser altamente t�xicos, provocando muitos efeitos adversos. � �bvio que a popula��o j� deveria contar com terapias menos agressivas, mas essa n�o � a realidade. Como eu disse, doen�as que afetam popula��es em situa��o de vulnerabilidade n�o geram o retorno financeiro desejado pelas empresas.

Quais s�o os tratamentos dispon�veis para as pessoas infectadas por essas doen�as?
Os tratamentos v�o variar muito, porque estamos falando de doen�as muito diferentes entre si, causadas por bact�rias, v�rus e diversos pat�genos. Na verdade, quando estamos falando de tratamento para doen�as negligenciadas, simplesmente n�o temos tratamentos adequados. Ou faltam investimentos para melhorar tecnologias de diagn�stico, terapia e preven��o ou n�o h� pol�ticas p�blicas que tragam benef�cios para as popula��es afetadas.

Em rela��o �s doen�as negligenciadas, o governo brasileiro n�o age em preven��o, pesquisa e investimento em novos tratamentos? O SUS n�o tem apoio para atender essa popula��o? E a iniciativa privada n�o age porque n�o d� dinheiro ou interesse?
Dependendo da doen�a negligenciada, o Minist�rio da Sa�de (MS), por meio do Sistema �nico de Sa�de (SUS), desenvolve programas em diferentes formatos e com diversos n�veis de investimentos. Por exemplo, voltando � doen�a de Chagas, o governo investiu durante as d�cadas de 1980, 1990 e 2000 no controle do vetor de transmiss�o da doen�a, que � o inseto conhecido como barbeiro. Focando na preven��o, voc� come�a a diminuir a incid�ncia de novos casos. Por�m, as pessoas que j� foram infectadas, continuam recebendo tratamento inadequado e muitas nem sequer recebem o diagn�stico, porque ningu�m se lembra mais de que essa doen�a existe. Nem mesmo os profissionais de sa�de estudam nas faculdades muitas dessas enfermidades. O ideal, e o que a gente esperaria, � que os m�dicos do Programa Sa�de da Fam�lia, do SUS, fossem capacitados para diagnosticar e prescrever o tratamento para os seus pacientes. Sobre a iniciativa privada, os investimentos s�o sempre focados nos projetos mais rent�veis, o que n�o � o caso das terapias para as doen�as negligenciadas.

Como a MSF atua neste cen�rio? O que mais � preciso ser feito para dar visibilidade �s doen�as negligenciadas?
O MSF costuma ser uma das �nicas organiza��es que oferecem atendimento direto a pacientes afetados por doen�as negligenciadas. Nos �ltimos 30 anos, nossas equipes trataram centenas de milhares de pacientes com doen�a de Chagas (tripanossom�ase americana), doen�a do sono (tripanossom�ase humana africana) e leishmaniose visceral (LV ou calazar), entre outras enfermidades que afetam as popula��es em �reas muito remotas e sem acesso � sa�de. E � exatamente essa experi�ncia que nos d� legitimidade para falar e buscar solu��es para realidades que n�o podem permanecer negligenciadas. A quest�o do envenenamento por picada de cobra, por exemplo, foi reconhecida como uma doen�a negligenciada pela OMS ap�s uma campanha da MSF e de outros atores. Tamb�m apoiamos os esfor�os do governo brasileiro para a cria��o do Dia Mundial da Doen�a de Chagas pela OMS, que agora � em 14 de abril. Desde 2019, a data d� visibilidade para a quest�o e ajuda a trazer para a discuss�o temas como quais s�o os compromissos assumidos pelos governos, o que est� sendo feito e quais s�o as pol�ticas p�blicas que podem ser desenvolvidas para o enfrentamento da doen�a.


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