Drama das fam�lias de desaparecidos em Brumadinho completa 3 anos
Parentes e amigos vivem ang�stia de n�o poder prestar �ltima homenagem e encerrar ciclo de 6 pessoas buscadas na �rea soterrada pela lama de min�rio da Vale
Ato realizado em novembro de 2021 por parentes dos mortos na mina C�rrego do Feij�o mostrou a amargura de quem aguarda pela conclus�o do trabalho dos bombeiros
(foto: T�lio Santos/EM/D.A Press - 2/11/21)
Diamante, esmeralda ou ouro branco. As joias mais valiosas perdem seu poder de sedu��o para quem chega a Brumadinho, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, cidade arrasada pelo rompimento da barragem de rejeitos de ferro da mineradora Vale h� exatos tr�s anos. L�, as joias raras s�o outras e t�m seis nomes conhecidos e saudosos: Cristiane, Lu�s Felipe, Maria de Lurdes, Nathalia, Ol�mpio e Tiago. V�timas do estouro do reservat�rio, eles n�o foram encontrados em meio � avalanche de lama dos rejeitos de min�rio que escorreram da mina C�rrego do Feij�o em 25 de janeiro de 2019. Para as fam�lias, ficaram o vazio e a saudade. Para os bombeiros, que ainda trabalham nas buscas, permanecem esperan�a e alento di�rio.
Passa de 1 mil dias o tempo transcorrido desde o dram�tico rompimento da barragem, que ceifou as vidas de 270 pessoas. O governo do estado assumiu o compromisso junto ao Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) de prosseguir nas buscas da Opera��o Brumadinho, dando �s fam�lias das v�timas a chance de encerrar essa fase de vida delas de forma mais humanizada. “Para que todas as fam�lias que perderam seus familiares possam ter esse alento de sepultar os seus com dignidade, ter um local onde possam fazer uma ora��o, levar uma flor em todos os momentos que desejarem”, explica Josiana Resende, representante da Comiss�o dos N�o Encontrados.
O corpo da irm� de Josiana s� foi encontrado e identificado em agosto do ano passado, ap�s 2 anos e 7 meses de busca. “Passamos por isso, sabemos o que � esperar mais de 900 dias sentindo ang�stia, turbilh�o de sentimentos te invadindo, lutando mesmo presos ao dia do rompimento. � a not�cia mais triste que algu�m que ama pode receber, mas � a que as fam�lias que perderam suas joias t�m esperado”, afirma Josiana.
+Buscas em Brumadinho, que somam mais de 1 mil dias, tiveram de ser interrompidas por causa dos temporais deste m�s, mas grupo de militares mat�m procedimentos (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press - 18/10/21)
Os bombeiros correspondem �s esperan�as das fam�lias. “Enquanto houver esperan�a, n�s, do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, permaneceremos incans�veis na busca pelas seis joias restantes”, afirmou o tenente Ricardo Torrezani de Oliveira, atual chefe de opera��es em Brumadinho.
Ele lembra que a opera��o avan�ou ao longo desses tr�s anos. Nos primeiros dias, houve gargalos log�sticos, passando pelo trabalho integrado de mais de 50 �rg�os do estado, a fase de georreferenciamento de dados necess�rios para as buscas das v�timas, o emprego de c�es farejadores e maquin�rio pesado. Na estrat�gia conduzida agora, os militares contam com esta��es de buscas. “Mas o principal avan�o, de fato, � termos logrado �xito na localiza��o e identifica��o de 264 v�timas, proporcionando um alento e conforto para as fam�lias afetadas”, pontua.
Comando e estrat�gia
Em alguns momentos, as buscas foram suspensas, primeiro em raz�o da pandemia de COVID-19, e, recentemente, devido �s fortes chuvas que atingiram o estado. “Mesmo assim, a opera��o nunca parou de fato, porque uma equipe sempre permaneceu no posto de comando, na Base Bravo, planejando, preparando a parte log�stica e monitorando os trabalhos de melhorias do campo de atua��o para que haja um retorno seguro e breve das buscas”, explicou.
As buscas foram suspensas no �ltimo dia 10 porque o material a ser revirado est� sem condi��es de vistoria, ap�s os temporais. “Quando o rejeito tem contato com a �gua, sofre aglutina��o. Quando a gente vai fazer uma vistoria, ele cai como se fosse um bloco. Ent�o, se tiver algum segmento ali, a gente n�o consegue fazer uma vistoria de qualidade porque ele n�o cai 'esfarelado', vai cair em pequenos ou grandes blocos”, explica. Para evitar que a suspens�o se prolongue, a corpora��o separou grande parte do rejeito a ser vistoriado em planos inclinados, para que haja desidrata��o do material, al�m de o cobrir com lonas, diante da possibilidade de novas precipita��es.
Aus�ncias que deixaram saudade e ang�stia para encerrar ciclo
Cristiane Antunes Campos
A supervisora de mina Cristiane Antunes Campos tinha 34 anos quando ocorreu o vazamento de rejeitos em Brumadinho
(foto: Arquivo pessoal)
Familiares e amigos se lembram de Cris, como chamavam, carinhosamente, Cristiane Antunes Campos, pelo jeito amig�vel e a caracter�stica de mulher destemida. M�e de dois filhos, ela gostava de fazer resenhas para quem amava e dan�ar forr�, esticando o fim dos bailes. O trabalho na mineradora Vale come�ou como motorista de caminh�o para mais tarde passar a t�cnica em minera��o. O reconhecimento veio mais tarde, quando Cristiane se tornou supervisora de mina em Brumadinho. Ela foi atingida pela lama de min�rio que escorreu da barragem, que ceifou sua vida aos 34 anos. Sempre fez o que podia para dar o melhor para seus filhos, e, ao mesmo tempo, era muito dedicada ao of�cio, tendo zelado pelo trabalho em equipe. Tinha acabado de conquistar o cargo de gest�o com muita energia para crescer na empresa e realizar planos pessoais. Deixou m�e, irm�, dois filhos e muita saudade.
Lu�s Felipe Alves
O engenheiro de produ��o Lu�s Felipe Alves estava h� tr�s meses trabalhando na mineradora at� desaparecer no dia do rompimento da barragem
(foto: Arquivo pessoal)
Reconhecido pelo car�ter amig�vel e benevolente, o engenheiro de produ��o Lu�s Felipe Alves havia completado apenas tr�s meses de trabalho no setor administrativo da Vale, em Brumadinho, quando ocorreu o rompimento da barragem de rejeitos de min�rio de ferro. Ele morou em Santos (SP), com o irm�o, onde iniciou o curso de engenharia qu�mica na Universidade Santa Cec�lia (Unisanta). Mudou-se, posteriormente, para o Esp�rito Santo, passando a cursar a universidade. A hist�ria de engajamento social dele foi constru�da em Jundia�, no interior paulista, onde Pivet – apelido de inf�ncia – liderava iniciativa promovida todo ano pela torcida organizada Ra�a Tricolor visando � arrecada��o e distribui��o de brinquedos e cestas b�sicas, �s v�speras do Natal. O rompimento da barragem � assunto reservado para a fam�lia dele. A m�e do engenheiro, a jornalista aposentada S�lvia Helena Ferraz Santos, de 63 anos, assumiu o legado social do filho, mas evita dar entrevistas sobre o assunto. “Inesperadamente, h� quase tr�s anos o meu filho partiu. E no ano seguinte, o amigo de inf�ncia. Eu jamais poderia encerrar a miss�o idealizada e conduzida por eles”, afirmou � Folhapress, no ano passado.
Nathalia de Oliveira Porto Ara�jo
No momento do estouro da barragem, Nathalia Ara�jo contou, por telefone, ao marido o estranho tremor sentido nas instala��es da mineradora
(foto: Arquivo pessoal)
“Na hora da trag�dia, ela ligou para o marido e falou: ‘Jorge, est� acontecendo um neg�cio esquisito, est� tremendo tudo, n�o estou sabendo o que est� acontecendo’. Ela olhou pra tr�s e viu a onda de lama vindo. Ela s� falou: ‘Deus me d� o livramento’. E acabou”, conta a prima de Nathalia Ara�jo, T�nia Efig�nia de Oliveira Queiroz, que ajudou a criar Nathalia, ent�o com 25 anos. No momento em que a barragem da mina da Vale se rompeu, Nathalia cumpriu seu est�gio de t�cnica de minera��o, jornada iniciada quatro meses antes. Estudiosa e esfor�ada, n�o havia quem n�o gostasse dela, segundo os amigos e familiares. Perdeu a vida e grandes chances de promo��o no trabalho. A trajet�ria de Nathalia foi trilhada com dificuldades, mas n�o sem persist�ncia. Desde 25 de janeiro de 2019, o marido e os dois filhos dela n�o escondem a sensa��o do vazio no cora��o.
Maria de Lurdes Bueno
Corretora de im�veis em Brumadinho, Maria de Lurdes Bueno era admirada pela disposi��o e envolvimento no trabalho
(foto: Arquivo pessoal)
Malu, como Maria de Lurdes Bueno gostava de ser chamada, tinha 59 anos ao ser vitimada no rompimento da barragem de rejeitos de min�rio da Vale, em Brumadinho. Na atua��o profissional como corretora de im�veis, era admirada pela disposi��o e envolvimento no trabalho, um dos orgulhos dos dois filhos e um neto. Se ainda estivesse viva, teria compartilhado o amor de tr�s netos. A partida de Maria de Lurdes deixou saudades, tamb�m, na m�e e irm�os, que se recordam de como ela gostava de dedicar tempo aos amigos e � fam�lia. Carinhosa e atenciosa, Malu adorava melhorar a estrutura e o aconchego de casa, al�m de cuidado com o jardim. Tinha sempre um ou mais projetos nos quais trabalhava para o lar da fam�lia.
Tiago Tadeu Mendes da Silva
A filha de Tiago Tadeu Mendes da Silva disse � av� que 'a montanha' matou o pai e que ele foi para o 'c�u'
(foto: Arquivo pessoal)
Trabalhador dedicado, Tiago Silva trabalhou na unidade da Vale em Sarzedo, Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, antes de ser transferido para a mina de C�rrego do Feij�o 20 dias antes do rompimento da barragem de rejeitos. Ent�o rec�m-formado em engenharia, estava feliz com a nova jornada profissional. A alegria que foi soterrada pela lama faz falta aos filhos. Quando Tiago morreu, a filha estava com 4 anos e o filho era um beb� de 7 meses. “A menina � a que mais sofre porque conviveu com ele. Ela fala comigo: ‘Vov�, voc� est� triste por causa do papai, n�o precisa ficar, a montanha matou ele, mas ele foi pro c�u’. � muito dif�cil ouvir isso”, conta a m�e de Tiago, L�cia Mendes, que era muito pr�xima do filho. “O que eu mais sofro � porque eu n�o pude enterrar meu filho. Nem o corpo dele a Vale me devolveu. Qual m�e vai aceitar enterrar um filho debaixo da lama? A gente n�o aceita”, diz indignada.
Ol�mpio Gomes Pinto
Ex-auxiliar de sondagem, Ol�mpio Gomes Pinto contagiava as pessoas com sua simplicidade e amor ao meio ambiente (foto: Arquivo pessoal)
Simplicidade era o sobrenome do ex-auxiliar de sondagem Ol�mpio Gomes. Enxergar felicidade mesmo em dias dif�ceis da vida n�o � tarefa f�cil para qualquer um, mas ele costumava dar aulas sobre como as pessoas poderiam encarar o dia a dia com mais leveza. N�o importava a ocasi�o, todo momento era hora de contar uma piada – das boas ou daquelas t�o ruins que ficavam boas. Numa reuni�o � beira do fog�o, para agrad�-lo bastava oferecer torresmo, couve e carne cozida. Para beber? “Traz uma cacha�a, a�”, dizia Ol�mpio. E se pudesse ir a cavalo, considerava bem melhor. Ar livre, contato com a natureza e a liberdade de cavalgar, hobby declarado dele, eram grandes paix�es. Ol�mpio perdeu a vida no soterramento de lama aos 59 anos, deixando saudades na esposa, Geralda, e nos filhos Flanki, H�tilas e Leo Jhones.
*Os textos foram escritos a partir de pesquisa em arquivos e com ajuda de familiares e amigos para homenagear as v�timas e eternizar o legado das joias que foram levadas pelo mar de lama e ainda n�o foram encontradas