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Estado de Minas PANDEMIA

COVID-19: Menor cidade do Brasil controla 'at� os espirros' via WhatsApp

Com 776 habitantes, Serra da Saudade, no Centro-Oeste de Minas, aposta na 'fofoca do bem' contra a propaga��o do coronav�rus e das not�cias falsas


06/02/2022 04:00 - atualizado 06/02/2022 16:22


Serra da Saudade – Sem hospitais, pouca estrutura sanit�ria e or�amento modesto, Serra da Saudade, a menor cidade do Brasil, encravada entre as montanhas de Minas Gerais, surpreende com seu aprendizado sobre a morte trazida pelo novo coronav�rus e as transforma��es da vida ap�s a chegada da COVID-19.

Serra da Saudade tem apenas 14 ruas
Com liga��es estreitas num munic�pio onde quase todos se conhecem, o monitoramento da doen�a foi feito com ajuda de mensagens instant�neas por celular (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)


Num clima quase familiar, os 776 habitantes do munic�pio enfrentaram o v�rus com a firmeza de uma clausura para evitar as contamina��es, a troca on-line de informa��es sobre o avan�o da infec��o e os conterr�neos que apresentavam sintomas, al�m da cren�a imbat�vel na prote��o das vacinas.

Em quase dois anos de pandemia, os serrano-saudalenses d�o li��o ao Brasil do combate bem-sucedido � doen�a. A pequena cidade do Centro-Oeste de Minas, distante 259 quil�metros de Belo Horizonte, perdeu uma moradora devido a complica��es da doen�a, conta 84 casos confirmados de COVID-19, e duas pessoas hospitalizadas. 

Todos os maiores de 12 anos (709 pessoas) se imunizaram com a primeira dose e 94% contam com o esquema vacinal completo, de acordo com a Secretaria Municipal da Sa�de. Dentro da margem de erro, apenas tr�s moradores rejeitaram a imuniza��o. Nem por isso o alarme para a COVID-19 foi desligado, como observou o Estado de Minas em visita � cidade.

Omar Pinto Moreira
Osmar Pinto Moreira n�o se conforma com a morte da mulher, Maria da Rocha Moreira (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

Por meio de um �nico grupo no WhatsApp, que re�ne ao menos um representante de cada fam�lia, � feito o monitoramento da doen�a, relata a contadora da prefeitura, Maria Auxiliadora Menezes, respons�vel pela iniciativa de usar a ferramenta digital de forma coletiva.

“Criei o grupo logo quando os casos de COVID-19 chegaram �s cidades pr�ximas de Serra da Saudade, como Estrela do Indai� e Dores do Indai�. Adicionei, primeiro, os funcion�rios p�blicos de quem tinha o telefone e cadastrei todos como administradores. Da�, eles foram incluindo outras pessoas. Praticamente toda fam�lia tem um representante l�”, diz Auxiliadora.

No espa�o virtual, os participantes compartilham informa��es oficiais sobre a COVID-19, not�cias, al�m de praticar uma esp�cie de “fofoca do bem”. “A cidade � pequena, todo mundo d� not�cia de tudo. Espirrou, acabou, todos ficam sabendo! Agora na pandemia, literalmente! Ent�o, quando as pessoas viam vizinhos com sintomas gripais, logo comentavam no grupo e questionavam por que n�o estavam em isolamento. A mesma coisa quando eventualmente furavam a quarentena ou recebiam visitas de fora da cidade.”

 Maria Auxiliadora de Menezes
WhatsApp criado por Maria Auxiliadora de Menezes conta com a participa��o de um representante por fam�lia da cidade (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

Para refor�ar o monitoramento de visitantes, a prefeitura manteve barreiras sanit�rias nas entradas da cidade por mais de um ano. Os locais foram equipados com term�metros para aferi��o de temperatura e �lcool em gel. Ainda segundo Auxiliadora Menezes, o grupo de WhatsApp tamb�m foi uma maneira de proteger a popula��o das not�cias falsas sobre a pandemia e a vacina��o.

“Levou um tempo at� que ca�sse a ficha das pessoas de que a cidade n�o estava imune � doen�a por ser muito pequena. O grupo, nesse sentido, funcionou como canal oficial de informa��es sobre a avan�o da pandemia”, explica a servidora.

Vacinado com as tr�s doses da vacina contra a COVID-19, Osmar Pinto Moreira, de 71 anos, lamenta a decis�o dos poucos e conhecidos conterr�neos negacionistas de n�o se vacinarem. Ele � vi�vo de Maura Maria Rocha Moreira, que morreu em 28 de janeiro de 2021, em raz�o de complica��es decorrentes da doen�a respirat�ria.

A morte dela n�o consta nos boletins epidemiol�gicos do estado como notifica��o em Serra da Saudade, pois foi registrada em Bom Despacho, a 109 quil�metros do munic�pio. � para onde os pacientes graves, especialmente, aqueles que demandam interna��es em centro de terapia intensiva, s�o encaminhados.

“Perdi minha companheira de 50 anos”, diz seu Osmar inconformado, diante do t�mulo da mulher, enterrada no cemit�rio muni- cipal. “A gente nunca acha que vai acontecer com a gente, mas essa doen�a � maligna. As pessoas n�o deveriam facilitar, porque ela mata mesmo. Se tivesse vacina quando minha mulher ficou doente, talvez ela estivesse viva”, emociona-se o ex-trabalhador rural, que vive sozinho. Pai de seis filhos e av� de seis netos, ele tem a companhia eventual de familiares.

A maneira como dona Maura foi infectada pelo v�rus ainda � um mist�rio para seu Osmar. “Ela ia s� ao supermercado, n�? Nunca foi de sair. Da� ela pegou e n�o resistiu, pois era cheia de problemas de sa�de.”

'Sangue de Jesus' 

Luiz Amaro Ricardo nega ter sido influenciado pela igreja que frequenta na decisão de não se vacinar
O artes�o Luiz Amaro Ricardo, embora com comorbidades, � um dos poucos moradores que rejeitam a vacina (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
O negacionismo, por�m, est� longe de representar amea�a �s recomenda��es da ci�ncia. O Centro de Sa�de de Serra da Saudade registra tr�s moradores que se recusam a receber a vacina contra o coronav�rus, a despeito dos esfor�os de persuas�o dos profissionais da sa�de municipal. De acordo com a enfermeira Ana Laura Andrade, s�o dois idosos e uma crian�a, cujos pais n�o permitiram que recebesse a inje��o. “Ligamos in�meras vezes, fomos � casa deles para tentar aplicar, falamos com eles semanalmente, mas n�o teve jeito. N�o tomaram nenhuma dose.”

A reportagem do EM encontrou algumas pessoas que recusam a vacina. Uma deles � o aposentado e artes�o Luiz Amaro Ricardo, de 53, que inclusive faz parte de um grupo de alto risco: ele � cadeirante, hipertenso e diab�tico.

Com simpatia, ele recebe a equipe do EM como bom anfitri�o mineiro. “Podem entrar, fiquem � vontade”, convida. Amaro Ricardo � membro da Igreja Evang�lica Congrega��o Crist� do Brasil. Questionado sobre o motivo da resist�ncia � imuniza��o, ele logo se defende. “Olha, isso n�o tem nada a ver com a minha igreja, ningu�m l� fala nada contra a vacina. Inclusive, os irm�os todos tomaram. S� eu mesmo que n�o quis. J� tive trombose, o que me fez perder as duas pernas. N�o quero mais medicamentos do que eu j� tomo. J� levei agulhadas o bastante na vida. Agora, chega”, desabafou.

O medo de adoecer n�o parece estar entre as preocupa��es dele. “Quem protege � o sangue de Jesus. � s� Deus mesmo para nos guardar.” O outro morador resistente � campanha � o l�der da igreja dele, conhecido como Amaral. Ele n�o quis falar com a reportagem. A fam�lia que optou por n�o vacinar a crian�a n�o estava em casa.

Aldeia mineira

Dormir com portas destrancadas e janelas abertas � um dos privil�gios dos moradores de Serra da Saudade, no Centro-Oeste de Minas Gerais, onde o controle da pandemia levou a n�mero muito baixo de contaminados e a um �bito provocado pela doen�a respirat�ria. O �nico posto policial do munic�pio n�o registra homic�dios e outros crimes graves h� quase cinco d�cadas.

Ruas de Serra da Saudade
Tudo se conta nos dedos em Serra da Saudade: s�o dois bairros, 14 ruas, sete bares, quatro pra�as, duas mercearias, tr�s igrejas e um centro de sa�de (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Tudo se conta nos dedos no munic�pio e os habitantes podem manter o prazer de se cumprimentar pelos nomes pr�prios. S�o dois bairros, 14 ruas, sete bares, quatro pra�as, duas mercearias, tr�s igrejas, um centro de sa�de, uma ag�ncia dos correios, um posto policial, uma academia, 55 funcion�rios p�blicos efetivos e 776 habitantes acomodados em 353 casas. Ao todo, s�o 268 fam�lias, segundo os dados da prefeitura municipal, facilmente recitados pela maioria dos habitantes.

� reportagem do Estado de Minas, Maur�cio de Oliveira Silva, de 23 anos,  contou que a cidade tem ruas praticamente vazias a qualquer hora do dia ou da noite. “Aqui nunca foi muito movimentado, mas, depois da pandemia, as pessoas praticamente entraram em clausura.” Acostumado a se divertir nas festas t�picas da localidade, como a Festa do Pe�o e a Festa do Ros�rio, canceladas desde o in�cio da epidemia, ele assume um tom entediado.

“N�o tem muito o que fazer por aqui, n�? J� n�o tinha. Agora, temos que sair da cidade com mais frequ�ncia para encontrar alguma op��o de lazer. Mesmo assim, tomando muito cuidado e sem abusar”, afirma Maur�cio Oliveira. O isolamento levado a s�rio e o monitoramento da doen�a e de quem se infectava mostrou seus reflexos no com�rcio local, que tamb�m deixou a zona de conforto para reduzir os impactos da necess�ria quarentena para conter a contamina��o pelo coronav�rus.

Ponto mais popular entre os grisalhos da cidade, o chamado Bar do Vaca ficou pouco mais de seis meses fechado por for�a de decreto municipal, que suspendeu as atividades dos sete bares de Serra da Saudade. Reaberto recentemente, o estabelecimento comandado por Raimundo Fernando Silva, de 62, oferece bons tragos, partidas de sinuca e tradicionais tira-gostos.

“Voltei, mas agora estou devendo at� os cabelos da cabe�a, n�?”, brinca o empreendedor. “O bar complementa minha renda. S� com a aposentadoria n�o d� para viver", reclamou, enquanto cortava bambu na forma de espetinhos de madeira que usa para assar carne de churrasco. Durante o per�odo de fechamento do bar, ele adotou sistema de delivery em Serra da Saudade.

Mercearia de Serra da Saudade
Na maior mercearia de Serra da Saudade (a cidade tem apenas duas), o faturamento caiu pela metade desde o in�cio da pandemia (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
“Eles (os clientes) se sentavam na pra�a, ao ar livre, e eu levava as bebidas e o tira-gosto para eles. De tudo, eu n�o fiquei parado”, relembra. Na �nica loja de roupas, o fluxo de consumidores tamb�m causou preju�zo. A vendedora Patr�cia Soares diz que o faturamento caiu 50% nos �ltimos dois anos. “Ainda n�o vejo muitos sinais de recupera��o.”

Na maior mercearia de Serra da Saudade, a propriet�ria, Lenice Aparecida Ricardo, descreve situa��o semelhante. “Apesar de continuarmos funcionando normalmente na pandemia, o movimento caiu pela metade. Est� melhorando, mas vai bem devagar”, afirma.

Or�amento abalado 

O caixa municipal n�o poderia deixar de sentir o baque. Para este ano, a C�mara Municipal de Serra da Saudade aprovou or�amento no valor de R$ 18,72 milh�es. A redu��o, segundo a prefeitura, foi de 12% nos �ltimos dois anos. A principal fonte de receita do munic�pio � o repasse da cota do Imposto sobre Circula��o de Mercadorias e Presta��o de Servi�os (ICMS), tributo recolhido pelo estado, seguido da parcela a que tem direito do Fundo de Participa��o dos Munic�pios (FPM),  compartilhado com base no n�mero de habitantes e distribu�do pela Uni�o.

Ap�s a pandemia, a arrecada��o tamb�m diminuiu, destaca a contadora do munic�pio, Maria Auxiliadora Menezes. “Com isso, o valor repassado diminuiu. Por sorte, houve um maior aporte federal para a sa�de nos �ltimos dois anos para o combate � COVID-19. Em 2020 e 2021, recebemos R$ 300 mil extras.” � sa�de municipal, �rea a que se dedica a enfermeira Ana Laura Andrade, o or�amento de 2022 reservou verba de R$ 4.043.000,90.

Respons�vel pela cria��o do grupo de WhatsApp que re�ne moradores de todas as fam�lias de Serra da Saudade, Auxiliadora Menezes observa que, no auge da pandemia, decis�o fundamental foi evitar ao m�ximo atrair gente de fora da cidade.

“T�nhamos medo de que as pessoas viessem para c� se isolar do movimento das cidades mai- ores. Isso seria uma trag�dia para n�s. N�o temos estrutura nenhuma para lidar com superlota��o”,  justifica.


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