
Londres – Mais de 10 mil quil�metros separam dois atigidos pelo rompimento da Barragem do Fund�o, em Mariana, desiludidos com a Justi�a brasileira e que depositam suas esperan�as em julgamento de a��o indenizat�ria no Reino Unido.
Um areieiro de Governador Valadares e um cidad�o ingl�s que vivia na mesma cidade, no Vale do Rio Doce, quando ocorreu o desastre, aguardam para saber, ap�s uma semana de audi�ncias, se as cortes do Reino Unido permitir�o o julgamento do processo por indeniza��es que, enfim, permita uma repara��o justa aos antigidos.
Eles integram o grupo de mais 200 mil atingidos que tiveram suas vidas devastadas pelo rompimento, representados pelo escrit�rio internacional PGMBM contra a empresa anglo-australiana BHP Billiton, que, ao lado da Vale, controla a mineradora Samarco, operadora do barramento.
Ap�s o rompimento, em 5 de novembro de 2015, os dois se viram sem op��es quando o Rio Doce, que era fonte de renda para suas fam�lias, acabou tomado pelos rejeitos de min�rio de ferro. “Meu futuro era a extra��o de areia. Tinha licen�a e seria algo para a minha aposentadoria. O rejeito cobriu tudo com camadas de at� quatro metros de altura em cima da areia”, afirma o empres�rio Edertone Jos� da Silva, de 54 anos.
O ingl�s Jonathan Knowles, de 57, morou por mais de seis anos em Governador Valadares, com a mulher e o filho brasileiros, onde desenvolveu uma v�lvula para remover o ar do encanamento e permitir maior economia na conta de �gua. Com a polui��o do rio e as suspens�es de capta��es, o neg�cio dele foi a zero.
Conhecedor da realidade da Justi�a brasileira e a da Inglaterra, ele � categ�rico: "No Brasil, n�o vejo chances de um atingido receber uma indeniza��o justa. N�o recebi nada at� hoje. N�o confio na Justi�a do Brasil. Se ficasse l�, esperando, n�o ia receber nada.
As decis�es sempre passam de um juiz para o outro, as empresas (mineradoras) conseguem formas de n�o pagar, conseguem liminares e, no fim, quando fosse receber algo, eu j� estaria morto", afirma Jonathan, que vive atualmente em Yorkshire, no Norte da Inglaterra.
As decis�es sempre passam de um juiz para o outro, as empresas (mineradoras) conseguem formas de n�o pagar, conseguem liminares e, no fim, quando fosse receber algo, eu j� estaria morto", afirma Jonathan, que vive atualmente em Yorkshire, no Norte da Inglaterra.
Edertone foi at� a Inglaterra acompanhar o julgamento que terminou na �ltima sexta-feira e protestar nas ruas de Londres para tentar sensibilizar a Justi�a do Reino Unido no sentido de acatar o processo. “Sem a areia do Rio Doce, recorri a empr�stimos, me desfiz de bens, um caminh�o e uma das duas m�quinas que tinha.” Ele empregava 16 pessoas e agora paralisou as atividades. “Venho tentando outros ramos, construindo e vendendo casas, mas � muito inferior ao que era antes”, conta o areieiro.
Jonathan se mudou para Governador Valadares para morar com a mulher, Sheila, e l� ter o seu filho, Enzo. Durante o tempo em que esteve por l�, se encantou pela cidade do Leste de Minas. "Uma cidade diferente de qualquer coisa que eu j� tinha visto antes, as pessoas, o jeito de viver. Logo gostei muito e vivi l� por seis anos e 10 meses".
A aceita��o pela fam�lia da mulher foi natural e a vida transcorreu tranquila para Jonathan, que ainda tinha uma apraz�vel vis�o do Rio Doce correndo abaixo de sua casa e a abastecendo com suas �guas. "Toda sexta-feira, a gente fazia churrasco. Os amigos e familiares nos visitavam e a gente ouvia m�sicas da d�cada de 1980. A Sheila gostava muito de dan�ar e a gente desfrutava da vida. No fim de semana, visitava os pais dela. Era rotina normal", recorda, saudoso.
Hoje, Jonathan mora em um quarto alugado em uma casa e trabalha diariamente em f�brica de abastecimento de cenouras e cebolas para uma rede de supermercados. A mulher e o filho n�o puderam morar junto dele e est�o em um im�vel custeado pelo governo do Reino Unido.

MUDAN�A DE RUMO
A esperan�a dele � obter uma indeniza��o justa da BHP Billiton no processo do Reino Unido, mas n�o pretende mais voltar ao Brasil. "N�o tenho mais idade para come�ar tudo de novo. Quero alguma dignidade para seguir com a vida na Inglaterra mesmo. Tenho muita pena de quem ficou no Brasil. Acho que essas pessoas v�o ter problemas de sa�de por causa da polui��o do rio, da pobreza que isso gerou, muitos v�o morrer ou sofrer muito antes de receber alguma indeniza��o no Brasil", afirma.Para ele, a necessidade de justi�a � clara e n�o h� d�vidas sobre quem s�o os culpados pelo desastre. "Claro que as mineradoras s�o culpadas. Sabiam da instabilidade (da Barragem do Fund�o) e n�o fizeram nada. N�o foi acidente, as companhias tinham conhecimento. E a prova maior � que aconteceu de novo", afirma o ingl�s.
J� para Ederton, sua mulher e as tr�s filhas, o Rio Doce nunca foi s� uma fonte de renda. “Moro na beira do rio. Tinha barco, lancha. Sempre me banhei no Doce e a minha fam�lia tamb�m. Era gostoso demais, com p� de manga, acerola, taioba, couve. Tinha macaquinhos, passarinhos e peixe para pescar. Vi tudo isso morrer”, lamenta. A a��o da Inglaterra, para ele, pode ser mais r�pida. “J� se passaram quase 7 anos e nada de justi�a. No Brasil, o tempo fala por si s�, n�o d� para dizer que ningu�m n�o foi paciente”, disse.

Processo em fase de apela��o
Iniciada em 2018, a a��o do escrit�rio PGMBM representa os atingidos contra a BHP Billiton e se encontra na fase de apela��o, pois a primeira inst�ncia havia indeferido a continuidade do processo, em 2020.
A expectativa � de que, nas pr�ximas semanas, saia um veredito sobre a continuidade ou n�o da a��o, uma decis�o que pode ser ainda contestada pelo lado perdedor na Suprema Corte.
“A decis�o leva algum tempo para ser conhecida, porque os tr�s ju�zes precisam fundamentar todos os pontos que levaram � sua decis�o”, explica um dos s�cios do escrit�rio, o advogado Tom�s Mousinho.
A expectativa � de que, nas pr�ximas semanas, saia um veredito sobre a continuidade ou n�o da a��o, uma decis�o que pode ser ainda contestada pelo lado perdedor na Suprema Corte.
“A decis�o leva algum tempo para ser conhecida, porque os tr�s ju�zes precisam fundamentar todos os pontos que levaram � sua decis�o”, explica um dos s�cios do escrit�rio, o advogado Tom�s Mousinho.
“Estamos confiantes de que vamos reverter a decis�o anterior, que havia negado a jurisdi��o inglesa, e agora o caso deve seguir para a fase de m�rito. Nesses cinco dias de audi�ncia conseguimos responder a todas as perguntas dos ju�zes do Tribunal de Apela��o ingl�s. Argumentamos que a decis�o anterior havia sido equivocada e explicamos por que as cortes inglesas devem, sim, aceitar a jurisdi��o e permitir que o caso prossiga”, disse Pedro Martins, advogado s�cio do PGMBM.
A BHP Brasil informou estar comprometida em apoiar os esfor�os de remedia��o em andamento no Brasil. “Os sistemas de repara��o e compensa��o administrados pela Funda��o Renova e supervisionados pela Justi�a brasileira s�o os meios adequados para indiv�duos e comunidades apresentarem suas reivindica��es e obter repara��o. Para 2022, a Renova anunciou um novo or�amento, de R$ 10,4 bilh�es – um aumento de mais de 20% em rela��o a 2021. No final deste ano, aproximadamente R$ 30 bilh�es ter�o sido desembolsados em repara��es e compensa��es para os impactados pelo rompimento da barragem”, informou a empresa.
“A posi��o da BHP tem sido e continua sendo de que o processo movido n�o deve prosseguir no Reino Unido, pois duplica quest�es que j� s�o cobertas pelos trabalhos de repara��o em andamento, por decis�es judiciais dos tribunais brasileiros ou s�o objeto de processos judiciais em curso no Brasil. Em novembro de 2020, a High Court inglesa concordou com os argumentos e extinguiu o caso por abuso processual”.