
Ouro Preto – “Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.” Os versos de “O infante”, do poeta portugu�s Fernando Pessoa (1888-1935), d�o as boas-vindas a quem chega ao Museu Boulieu – Caminhos da F�, inaugurado hoje, �s 14h, em Ouro Preto, na Regi�o Central de Minas, e de portas abertas ao p�blico a partir de amanh�. Enquanto o poema ganha corpo e alma na voz da cantora Maria Beth�nia, um painel com o vaiv�m das ondas do mar, singrado por uma caravela, indica a rota de encantamento, hist�ria e beleza a seguir. Nesse ambiente divino, com o sopro suave da arte, a criatividade humana se amplia diante dos olhos e se traduz em emo��o na medida certa.
Localizado no principal acesso ao Centro Hist�rico de Ouro Preto, o novo equipamento cultural ocupa as instala��es do antigo Asilo S�o Vicente de Paulo, a poucos metros da Pra�a Tiradentes, principal espa�o p�blico da primeira cidade brasileira reconhecida (1980) como patrim�nio mundial. Em foco, a cole��o com mais de mil pe�as doada pelo casal franco-brasileiro Maria Helena e Jacques Boulieu. � preciso calma, tempo, aten��o para ver os objetos em seus m�nimos detalhes e fazer a viagem pelo mundo barroco, com escalas na �sia e na Am�rica Latina, passando, claro, por Minas Gerais.

Nos quase 400 metros quadrados para exposi��o no pavimento superior (seis salas), o visitante ter� a oportunidade �nica de ver pinturas, esculturas, objetos e mobili�rio de origens e s�culos diversos. H� imagens de santos com olhos puxadinhos, em marfim, provenientes da �sia, e de uma Nossa Senhora do Mar (�ndia, s�culo 17), e Imaculada Concei��o, da mesma proced�ncia e �poca, mas com os cabelos ondulados, colunas de altar emoldurando S�o Miguel Arcanjo, obra de Francisco Vieira Servas (1720-1811), artista portugu�s que trabalhou em Minas, e a primeira pe�a da cole��o do casal – a imagem da Imaculada Concei��o, adquirida na lua de mel, na Bahia. Essa fica no sagu�o, no t�rreo, ao lado de retrato do casal Boulieu e de um v�deo com depoimento dos dois.
VIAGEM PELOS SENTIDOS
Ao percorrer os ambientes, o visitante poder� conhecer desdobramentos do barroco pelo trajeto hist�rico-po�tico proposto pelo curador da exposi��o, o prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo. Basta, ent�o, seguir os temas: A f� e o imp�rio conquistam o mar; O mundo encantado das �ndias; Americanos de norte a sul sob o sinal da cruz; O brilho dos metais e a luz da religi�o; A Am�rica hisp�nica e o esplendor do culto; Os engenhos da arte no Brasil a�ucareiro; A palma barroca na m�o do povo; O eldorado no cora��o da grande floresta; Esfera da opul�ncia e teatro da religi�o.
Causam impactos quadros como “A defesa da eucaristia”, �leo sobre tela dos s�culos 18 e 19, do Peru, que mostra o rei Carlos II (1661-1700), da Espanha, ainda crian�a (ele foi coroado aos quatro anos de idade) empunhando a espada com a m�o direita e segurando, com a esquerda, o ostens�rio com a h�stia sagrada. Ainda a imagem de S�o Miguel Arcanjo (s�culos 18 e 19), da Am�rica Central, e uma vitrine inteira com objetos de prata das minas de Cerro Potos�, na Bol�via, da �poca da coloniza��o espanhola.
Das Filipinas, h� uma cabe�a de S�o Francisco Xavier, do s�culo 18, e, da Guatemala, imagem de Nossa Senhora da Piedade, dos s�culos 18 e 19, em madeira com douramento. Na Col�mbia, o casal Boulieu adquiriu o S�o Jos� articulado, em madeira e ferro, chamado de “imagem de vestir”, pois sobre a pe�a vai a roupa para apresenta��o no altar.
Na salas dedicadas ao Brasil, chamam a aten��o, como todos os demais objetos de f�, a imagem de Santa Luzia (s�culos 18 e 19), do Maranh�o; o S�o Miguel Arcanjo esculpido por Servas; e os frutos do trabalho de santeiros do Nordeste, a exemplo de 13 crucifixos. A cada passo, um momento emocionante reservado � sensibilidade, como a Sala dos Povos Ind�genas da Am�rica Latina. Importante destacar que a maioria das pe�as est� exposta com material informativo e QR Code, facilitando, assim, a compreens�o do acervo.
Com patroc�nio integral do Instituto Cultural Vale, via Lei Federal de Incentivo � Cultura, e projeto de restaura��o e expografia assinados pelo Instituto Pedra, o novo equipamento cultural, segundo os organizadores, contribui para reafirmar Ouro Preto como o epicentro da arte barroca brasileira, sugerindo novas perspectivas e novos contextos ao movimento art�stico.
NAVEGA��ES
Segundo a dire��o do Instituto Pedra, o museu assume a fun��o p�blica de “preservar, investigar e expor” a cole��o doada pelo casal, que re�ne principalmente obras de origem asi�tica e latino-americana, principalmente do per�odo barroco.
“O Museu Boulieu se pauta pelos encontros, desde o do casal at� aqueles acarretados pelas grandes navega��es europeias. Da� a propaga��o da f� e dos imp�rios. O sincretismo religioso e as diversas culturas nos apontam outros caminhos e olhares”, destaca o diretor-presidente do Instituto Pedra, Luiz Fernando de Almeida.
Completa a programa��o de abertura do novo espa�o a mostra tempor�ria “Aleijadinho – fotografias de Horacio Coppola”, realizada em parceria com o Instituto Moreira Salles. O conjunto de fotografias retrata as obras do escultor mineiro Ant�nio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), a partir da viagem feita por Coppola a Minas Gerais, em 1945. H� tamb�m duas obras cedidas temporariamente pela Cole��o Ivani e Jorge Yunes, inaugurando o programa Acervos em di�logo.
HIST�RIA
Equipamento cultural privado, o Museu Boulieu fica no im�vel que abrigou o Asilo S�o Vicente de Paulo e na constru��o anexa em que funcionou a antiga “casa do capel�o”. A origem do conjunto de edif�cios remonta ao final do s�culo 18, mas o pr�dio do museu foi constru�do em 1932, pelos vicentinos, para ser usado como asilo, fun��o que cumpriu at� a transfer�ncia do complexo hospitalar para o Bairro da Bauxita, no final dos anos 2000.
Para efetivar a cria��o do museu, em 2008, o Instituto Cultural Brasileiro do Divino Esp�rito Santo (Icbdes), atual Instituto Boulieu, foi criado como personalidade jur�dica respons�vel pelo Museu Boulieu. Em 2012, foi estabelecido um comodato em que o edif�cio teve o uso cedido pela Prefeitura de Ouro Preto para a cria��o do museu.
Conforme o Estado de Minas divulgou em muitas mat�rias, o casal de colecionadores Jacques e Maria Helena Boulieu (ela, paulista criada em Belo Horizonte) reuniu cerca de 2,5 mil pe�as, sendo a maior parte de arte sacra. Parte da cole��o foi doada, em 2011, � Arquidiocese de Mariana, atual donat�ria-propriet�ria do acervo. Segundo a escritura p�blica de doa��o, trata-se de “transfer�ncia de propriedade e posse, os bens doados s�o bens fora de com�rcio, e que devem ser permanentemente expostos no Museu Boulieu”.
Em 2021, o casal doou mais um lote de pe�as ao museu. Nesse novo lote foram doadas, al�m de esculturas e pinturas de tem�tica religiosa, pe�as utilit�rias, como mobili�rio, utens�lios dom�sticos de prataria inglesa e latino-americana, vasos de cer�mica, tecidos andinos, gravuras, fragmentos de entalhes e tamb�m um pequeno conjunto de pe�as arqueol�gicas pr�-colombianas. No caso dos Boulieu, a cole��o � fruto, sobretudo, de um gosto do casal pela prataria e arte sacra barroca devido � sua religiosidade.
MEM�RIA
Doa��o a arquidiocese
As pe�as doadas s�o fruto de 50 anos das viagens do casal Boulieu pelo mundo. Em 18 de dezembro de 2004, conforme registrado pelo EM, houve uma cerim�nia na Bas�lica de Nossa Senhora do Pilar, no Centro de Ouro Preto, para assinar protocolo de doa��o da cole��o � Arquidiocese de Mariana. Na �poca, Maria Helena contou um pouco da hist�ria: “Somos casados h� 55 anos e, desde nossa lua de mel, em Salvador (BA), come�amos a reunir esse conjunto, que resulta das aventuras extraordin�rias que usufru�mos juntos”. Com emo��o, Maria Helena explicou que a doa��o � arquidiocese representava uma “a��o de gra�as a Deus por uma vida plena e que deve ser compartilhada com a comunidade”. E falou do amor pela arte barroca: “Fomos adquirindo as pe�as que ach�vamos interessantes. Como n�o temos filhos, embora muitos sobrinhos, vimos que o melhor seria doar a cole��o para que os objetos n�o se dispersassem”.
Servi�o
Museu Boulieu
Abertura ao p�blico: Amanh� (14/4), �s 10h.
Endere�o: Rua Padre Rolim, 412, Ouro Preto
Hor�rio de funcionamento: segunda-feira, quinta-feira, sexta-feira, s�bado e domingo: das 10h �s 18h – valor da entrada inteira: R$10 e meia entrada: R$5
Quarta-feira: das 13h �s 22h (entrada gratuita).
Ter�a-feira: fechado
Agendamento de visitas monitoradas: [email protected]
Site: https://museuboulieu.org.br/
Instagram: @museuboulieu