A batalha de Minas para resgatar a 'certid�o de nascimento' de Tiradentes

Os brasileiros lembram hoje os 230 anos da morte de Joaquim Jos� da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792), m�rtir da Inconfid�ncia Mineira (1789), com a tradicional cerim�nia c�vica em Ouro Preto, na Regi�o Central do estado, enquanto um grupo de advogados tenta resgatar documento fundamental para valorizar ainda mais a hist�ria e fortalecer a cultura das Gerais.

“Queremos trazer de volta ao nosso estado o livro com o registro de batismo de Tiradentes. Ele foi vendido, em 1939, para a Biblioteca Nacional, com sede no Rio de Janeiro (RJ)”, diz o advogado belo-horizontino Henrique Augusto Mour�o, envolvido nessa miss�o desde 2006.

O “Livro de assento de batizados da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar da Vila de S�o Jo�o del-Rei” com o registro do batizado (batist�rio) de Tiradentes pertencia � Matriz Nossa Senhora do Pilar (atual Catedral Bas�lica), em S�o Jo�o del-Rei, na Regi�o do Campo das Vertentes.

“Em Minas, o livro poderia ficar exposto, ser pesquisado e conhecido por todos os que nos visitam. J� na Biblioteca Nacional, fica na reserva t�cnica, sob olhos de poucas pessoas. Consideramos essa situa��o absurda”, diz Mour�o, que tem a seu lado nos esfor�os os advogados Auro Aparecido Maia de Andrade, ex-juiz de Direito da comarca de S�o Jo�o del-Rei, e M�rio Werneck.

Em 16 anos de trabalho para recuperar o documento, que significa a “certid�o de nascimento” do her�i nascido na Fazenda do Pombal, munic�pio de Rit�polis, tamb�m na Regi�o do Campo das Vertentes, os advogados conseguiram apoio de institutos hist�ricos, ma�onaria, prefeituras, c�maras municipais, Igreja e defensores do patrim�nio cultural. Vale explicar que at� a Proclama��o da Rep�blica (1899), quando n�o havia a separa��o entre Igreja e Estado, os registros de nascimento  eram feitos nas par�quias.

O primeiro contato com a Biblioteca Nacional, em 2006, foi infrut�fero e demorado, lamenta Mour�o, que, com os demais advogados, se manteve no firme no prop�sito de recuperar o documento, o qual considera parte da mem�ria de Minas. “Vamos continuar nessa luta at� conseguir o objetivo: 'repatriar' o documento”, afirma o advogado.

Mour�o conta que somente dois anos depois da correspond�ncia, portanto em 2008, houve uma carta do ent�o presidente da biblioteca Muniz Sodr� ao presidente da Academia de Letras de S�o Jo�o del-Rei, Ant�nio Guilherme de Paiva. A resposta era negativa, e o dirigente explicava n�o ter autoriza��o para “alienar patrim�nio p�blico”, embora louvando a iniciativa dos mineiros. “O texto dizia que, fisicamente, o livro n�o poderia vir para Minas. Se houvesse interesse de nossa parte em ter uma c�pia em papel ou digitalizada, estaria tudo bem”, diz o advogado.

No entanto, o que parecia ser um balde de �gua fria nas inten��es dos mineiros serviu para regar o terreno e tornar as ideias mais f�rteis. “Tiradentes � patrim�nio c�vico da na��o brasileira, e seu registro de batismo n�o pode ficar escondido numa reserva t�cnica, longe das aten��es do p�blico. Preferimos n�o ajuizar a��o para tentar traz�-lo de volta no di�logo.”

Mesmo sem defini��o por parte da Biblioteca Nacional – vinculada � Secretaria Especial de Cultura/Minist�rio do Turismo e a maior da Am�rica Latina, al�m de uma das 10 maiores bibliotecas nacionais do mundo –, os advogados j� imaginam o espa�o de exposi��o do documento, e est�o em entendimentos para que o “Livro de assento de batizados da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar da Vila de S�o Jo�o del-Rei”, que pertencia � Catedral Nossa Senhora do Pilar, fique no Museu de Arte Sacra de S�o Jo�o del-Rei, no Centro Hist�rico da cidade.

Para receber o documento, ser�o necess�rias obras de adequa��o, incluindo climatiza��o do ambiente, para evitar danos �s p�ginas. “Vamos buscar recursos para a interven��o, mas, primeiramente, queremos ter o documento de volta. N�o se trata de uma ‘aventura jur�dica’, mas de uma campanha por um direito”, destaca Mour�o.

Vig�rio geral da Diocese de S�o Jo�o del-Rei e p�roco da Catedral Bas�lica Nossa Senhora do Pilar, o monsenhor Geraldo Magela da Silva se diz partid�rio da volta do livro. “Um bem deve ficar no seu territ�rio, trata-se de um direito da comunidade. Temos o lugar adequado para abrigar o documento, no Museu de Arte Sacra, onde se encontram pe�as, a exemplo do sino da capela (demolida) onde Tiradentes foi batizado. Al�m disso, o museu tem um arquivo, o que significa todo o cuidado exigido para mant�-lo em exposi��o”, afirma o vig�rio geral da diocese, que tem, no arquivo, uma c�pia do registro disponibilizada pela Biblioteca Nacional.

Em S�o Jo�o del-Rei, corre uma vers�o sobre a venda do livro que recheia o caso de ingredientes inesperados e bem misteriosos. Segundo ela, no in�cio do s�culo passado, com as mudan�as impostas pela Rep�blica, os livros foram retirados da Matriz do Pilar, atual catedral, e levados para a casa de um ex-funcion�rio encarregado dos registros civis (nascimentos, �bitos, casamentos etc.) na par�quia.

Com a morte do funcion�rio, os filhos dele decidiram dar fim �s pilhas de livros, colocando os volumes, aos poucos, na carro�a do lixeiro. Ao ver a cena, um morador das proximidades da Igreja Nossa Senhora do Carmo, Samuel Soares de Almeida, ciente da relev�ncia hist�rica dos livros, decidiu retir�-los, entregando alguns � par�quia. Quando se mudou para o Rio de Janeiro, o homem procurou a Biblioteca Nacional e vendeu o exemplar que continha o registro. Conforme a tradi��o oral, a institui��o teria ficado apenas com os referentes a Tiradentes e � Inconfid�ncia ou Conjura��o Mineira.

Alguns anos ap�s a venda, um padre de S�o Jo�o del-Rei fez um movimento na cidade para recuperar o “Livro de assento de batizados da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar”, embora sem resultado. Oito d�cadas depois, o assunto volta � tona e, certamente, despertar� debates.

A Biblioteca Nacional, de acordo com informa��es da assessoria da institui��o, registra a compra do livro em 1939, com ordem do ent�o ministro da Educa��o e Sa�de Gustavo Capanema (1900-1985). Segundo a nota, o exemplar “foi comprado do historiador Samuel Soares de Almeida em 1939. De acordo com os documentos relativos ao nome dele encontrados na hemeroteca da Biblioteca Nacional, n�o se pode dizer que o documento foi furtado. O historiador guardava em casa, segundo as not�cias dos jornais da �poca, v�rios documentos, o que era ent�o permitido”.

A documenta��o mostra que, no t�pico “outras aquisi��es dignas de men��o” est� “o lote adquirido do Sr. Samuel Soares de Almeida, por ordem do Sr. Ministro, constando de 3 c�dices e 28 folhas avulsas, contendo documentos biogr�ficos relativos � Conspira��o de Tiradentes”.

A celebra��o do Dia da Inconfid�ncia Mineira na manh� de hoje, em Ouro Preto, n�o ter� a tradicional entrega das medalhas a personalidades. A ideia � que as comendas sejam distribu�das em data posterior, na sede da Assembleia Legislativa, em Belo Horizonte.

Est�o previstos momentos tradicionais da festa, como a cerim�nia oficial de tiros, o hasteamento da bandeira e a coloca��o de flores no monumento a Joaquim Jos� da Silva Xavier, o Tiradentes, m�rtir da Inconfid�ncia Mineira.

No segundo momento da solenidade, o rito que acompanha a entrega das medalhas, com a presen�a dos Drag�es da Inconfid�ncia, vai ser cumprido, mas a condecora��o dos homenageados n�o ocorrer�. A justificativa � o curto prazo desde a confirma��o do evento, em 4 de abril. A solenidade foi oficializada j� neste m�s para aguardar a situa��o dos indicadores da pandemia.

“Diante desse cen�rio, somado � escassez de insumos tamb�m ocasionada pela pandemia, conforme explicado pelos fornecedores, a produ��o das medalhas ficou comprometida, de forma que os homenageados dever�o receb�-las a posteriori”, l�-se em comunicado do Pal�cio Tiradentes.

O presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ser� agraciado com o Grande Colar da Inconfid�ncia, honraria m�xima dos festejos de Tiradentes. Ele n�o estar� em Ouro Preto nesta quinta, devido a viagem previamente agendada a Portugal, em miss�o do Senado.

A lista de homenageados prev� a concess�o de t�tulos da Inconfid�ncia a 169 pessoas. Al�m dos 83 nomes de 2022, tamb�m s�o contemplados os 86 indicados em 2020, que n�o receberam a honraria naquele ano. N�o houve indica��o em 2021.  

O Dia da Inconfid�ncia Mineira, reverenciado hoje em feriado nacional, se refere � data da morte, por enforcamento, no Rio de Janeiro (RJ), de Joaquim Jos� da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792). J� a data comemorativa do nascimento, segundo estudiosos, � 12 de novembro, referente ao batismo na Capela S�o Sebasti�o, quando S�o Jo�o del-Rei era cabe�a da Comarca do Rio das Mortes.

Ao longo de 50 anos, perdurou uma rixa sobre a genu�na terra natal do m�rtir, fato que foi parar at� na Justi�a. Mas, em 2011, a pol�mica envolvendo S�o Jo�o del-Rei, Tiradentes e Rit�polis, na Regi�o do Campo das Vertentes, chegou ao fim. No acordo in�dito entre prefeituras e c�maras, os tr�s munic�pios decidiram celebrar conjuntamente a data de nascimento do grande her�i da Inconfid�ncia: em solenidade na Fazenda do Pombal, em Rit�polis, foi entregue, pela primeira vez, a medalha Liberdade e Cidadania, fruto da parceria entre poder p�blico e v�rias institui��es.

O Instituto Hist�rico e Geogr�fico de Minas Gerais (IHGMG) promove at� dia 27 o 6º Ciclo de Palestras sobre a Inconfid�ncia Mineira. Segundo a coordenadora de a��es culturais, M�rcia Duarte dos Santos, o objetivo � interpretar a hist�ria do movimento a partir de diferentes perspectivas. Neste s�bado (23/4), �s 10h, haver� duas palestras na sede do instituto: “O espa�o geogr�fico da Inconfid�ncia Mineira”, com M�rcia Duarte dos Santos e Le�nidas Barroso; e “Bandeira de Minas como heran�a inconfidente”, com Marcos Paulo de Souza Miranda. O IHGMG fica na Rua Guajajaras, 1.268, em Belo Horizonte.