
A homenagem foi um dos momentos da Expedi��o "Largo do Ros�rio: uma expedi��o pelo territ�rio negro em Belo Horizonte" realizada neste s�bado (28/05). Durante o evento, foi anunciada que a pr�xima etapa de resgate hist�rico do Largo do Ros�rio ser� a realiza��o de uma sondagem arqueol�gica para buscar evid�ncias da presen�a da Igreja Nossa Senhora do Ros�rio dos Homens Pretos e do cemit�rio da irmandade negra.
A rainha Belinha, como � conhecida, conduziu uma ora��o de b�n��o e entoou toadas da tradi��o dos festejos de Nossa Senhora do Ros�rio. Depois, cerca de 100 pessoas deram um abra�o simb�lico demarcando o territ�rio negro na capital. A expedi��o teve in�cio na Pra�a Afonso Arinos e seguiu pela rua da Bahia at� a altura do n�mero 1.360, local onde os pesquisadores acreditam que ficava a capela e o cemit�rio.
Vice-presidente da Guarda de Mo�ambique e Congo Treze de Maio de Nossa Senhora do Ros�rio, a rainha Belinha acompanhou o padre Mauro Luiz da Silva, um dos respons�veis pela pesquisa hist�rica e trabalho de reconhecimento do Largo do Ros�rio. A a��o destaca que as irmandades tiveram papel fundamental para a popula��o negra que vivia no Curral Del Rei antes da transfer�ncia da capital de Minas de Ouro Preto para Belo Horizonte.
"Ali podem estar irm�os e irm�s do ros�rio. n�o tem documento que faz a traslado para o Cemit�rio do Bonfim", afirma o sacerdote, que realizou pesquisa de doutorado resgatando a hist�ria de comunidades negras que foram retiradas de onde viviam para a constru��o da capital de Minas.
Padre Mauro integra o grupo de pesquisadores, com o arquiteto Thiago Fialho e com o arque�logo Fernando Costa, que prop�e a sondagem arqueol�gica em busca de artefatos do s�culos XVIII e XIX. O sacerdote explica que, no primeiro momento, ser� feita uma sondagem sem que haja perfura��o, "uma esp�cie de ultrassom" do solo, e, de acordo com os achados, o grupo poder� solicitar ao Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan) autoriza��o para perfurar o solo para dar sequ�ncia � pesquisa arqueol�gica.
Nessa sondagem, os pesquisadores esperam encontrar o alicerce da capela, a muralha que cercava o espa�o cemiterial e at� mesmo identificar as sepulturas. "A expectativa � pequena. Mas o que sabemos � que, no local, foi colocada terra e n�o retirada", diz, aspecto que refor�a a esperan�a de encontrar algo. Ele destaca que o Largo do Ros�rio recebeu a popula��o negra por cerca de 90 anos at� a demoli��o.
Lei do Padroado

A Lei do Padroado (que organizava a rela��o entre a Santa S� e o Reino de Portugal no per�odo colonial) previa que o sepultamento, nas col�nias, era uma prerrogativa da Igreja Cat�lica. Mas, em muitos locais, os negros estavam vinculados �s estruturas cat�licas por meio das irmandades. Portanto, para que os negros pudessem ser sepultados com dignidade, as irmandades erguiam as igrejas pr�prias. Como h� ind�cios da constru��o da igreja no local, muito provavelmente havia um cemit�rio onde os negros eram enterrados.
A rela��o entre igreja e Estado, representado pelo rei de Portugal, s� foi superada com a Proclama��o da Rep�blica. O primeiro cemit�rio laico em Belo Horizonte, o Cemit�rio do Bonfim, foi planejado pela comiss�o construtora da capital e inaugurado em 1897. No entanto, n�o h� documentos que apontem que os corpos do cemit�rio do Largo do Ros�rio tenham sido levados para o Cemit�rio do Bonfim.
"As irmandades queriam ter um templo, porque queriam ter um cemit�rio que pudessem administrar", diz Padre Mauro. Somente assim, poderiam fazer enterros dignos de pessoas negras, com os ritos que eram enterradas pessoas brancas. A igreja cat�lica tinha direito aos sepultamentos, fora da jurisdi��o dos templos, os sepultamentos eram considerados informais.
Padre Mauro lembra que a hip�tese de que "irm�os e irm�s do Ros�rio" estejam sepultados embaixo do asfalto foi levantada durante a atividade de ocupa��o "NegriCidade", realizada em 2019, que contou com a participa��o da rainha Belinha. "Nossos ancestrais est�o plantados debaixo dos edif�cios. Por que plantados? Eles n�o foram retirados daqui. A minha surpresa, quando fiquei sabendo dessa hist�ria, � pensar quantas vezes passamos por cima dos nossos antepassados. �s vezes, sent�amos uma tristeza ou um arrepio e pergunt�vamos: 'o que est� havendo?'", afirma a rainha Belinha. Ela lembra que desde a constru��o da capital havia um movimento para expulsar a popula��o negra do per�metro da Avenida do Contorno.
As irmandades negras foram proibidas pela Igreja Cat�lica em 1923 e, desde ent�o, foram empurradas para as favelas e periferias para al�m da Avenida do Contorno. "Cerca de 53 guardas de reinado resistem e sobrevivem nas periferias e favelas, formando um ros�rio no entorno da Avenida do Contorno", pontua Padre Mauro.
Largo do Ros�rio � patrim�nio imaterial
O registro do Largo do Ros�rio como patrim�nio imaterial de Belo Horizonte,foi aprovada em 27 de abril. A primeira ocupa��o desse territ�rio depois desse reconhecimento, com atividade presencial, foi realizada no dia 13 de maio com o projeto "Caminhos do Ros�rio".
Durante a expedi��o, a segunda atividade presencial realizada, foi apresentada aos participantes a carta que a Irmandade na Nossa Senhora do Ros�rio dos Homens Pretos do Arraial do Curral Del Rei, Freguesia de Nossa Senhora da Boa Viagem, enviou para Dom Jo�o VI em 1807.
A irmandade solicitava a constru��o de um templo religioso onde "sant�ssima senhora" pudesse ser louvada. A resposta de Dom Jo�o Vl, em 23 de outubro de 1807, reconheceu que o templo estava em constru��o. De acordo com a pesquisa de Padre Mauro, a irmandade estava no Curral Del Rei desde meados do s�culo XVIII.
Padre Mauro destaca que, antes da constru��o da Igreja do Ros�rio, a irmandade se reunia na Igreja Matriz da Boa Viagem - ainda n�o havia refer�ncia � catedral. "A igreja matriz tem ali a espiritualidade do povo do Ros�rio. H� documentos de Ab�lio Barreto que apontam que, em um dos altares laterais, havia a imagem de Nossa Senhora do Ros�rio", conta. A Igreja Matriz foi erguida em homenagem � Nossa Senhora da Boa Viagem. "A imagem mais importante ficava no altar central. Nos altares laterais, t�nhamos a imagem de Nossa Senhora do Ros�rio, indicando a presen�a de devotos de Nossa Senhora do Ros�rio na Igreja Matriz".
A irmandade enviou a carta e um livro de compromisso para Dom Jo�o VI, documentos que est�o no Arquivo Hist�rico Ultramarino em Lisboa, Portugal. A capela foi inaugurada em 8 de outubro 1819 e uma foto feita pelo Departamento de Registro da Comiss�o Construtora, datada de 1895, est� guardada no Museu Hist�rico Ab�lio Barreto. Essa primeira capela do Ros�rio foi demolida em 1894 para a constru��o de uma nova capital "republicana, moderna e organizada". Tempos depois, a Capela do Ros�rio foi transferida para a Rua S�o Paulo, onde permanece at� os dias de hoje.
Igreja est� sinalizada em cadernetas da comiss�o construtora
O pesquisador Thiago Fialho pesquisa 672 cadernetas da comiss�o construtora. Em duas das cadernetas, n�mero 6 e 466, o pesquisador encontrou a localiza��o da capela. A fachada ficava virada para o Sol nascente. "A inclina��o para o Sol nascente � uma perspectiva afro-diasp�rica. Colocar o templo para o Sol nascente � uma experi�ncia pr�-crist�", diz Padre Mauro.
O arquiteto informa que na caderneta 6, datada de 1894, foi realizado pela comiss�o construtora o registro do Largo do Ros�rio antes da constru��o da capital mineira. No documento tamb�m h� a indica��o de quem morava naquela regi�o. A estimativa � que cera de 4 mil pessoas viviam no Curral Del Rei na �poca e uma centena na regi�o do largo.
A caderneta 466, datada de 1898, aponta a localiza��o da Igreja do Ros�rio entre as estacas 4 e 5. As estacas s�o usadas no trabalho topogr�fico para medir o nivelamento do terreno. As estacas est�o na Rua 26, o primeiro nome da Rua da Bahia.