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Estado de Minas GEOLOGIA

Flexibiliza��o de normas agrava risco ao rico acervo de cavernas de Pains

Refer�ncia em grutas e minera��o, Capital do Calc�rio tem riqueza tur�stica e cient�fica abalada por regras permissivas, mudan�a em licen�as e falta de fiscais


24/07/2022 04:00 - atualizado 26/07/2022 20:42
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Pains - MG. Patrimonio natural de Arcos e Pains sob ameaça da mineração. Grutas (caverna) em área da Mineradora Calciolandia
Extra��o sem fiscaliza��o pr�ximo a forma��es calc�rias (no alto) � risco para o patrim�nio de 422 cavernas na cidade (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

 

 Pains – Em janeiro deste ano, o presidente Jair Bolsonaro (PL) assinou o decreto 10.935, que prev� a flexibiliza��o da explora��o de �reas com cavernas, grutas e cavidades em geral. A medida altera a lei que vigorava desde 2008 e que impedia qualquer forma de interfer�ncia nas unidades consideradas de m�xima relev�ncia.

 

O decreto aponta que empresas que pretendem atuar em �reas onde h� cavidades listadas no n�vel de prote��o m�ximo tenham de justificar a necessidade de interferir na caverna, n�o extinguir esp�cies e fazer compensa��es ecol�gicas. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski suspendeu parte da medida em fevereiro, mas o processo ainda n�o entrou na pauta da aprecia��o conjunta da Corte.

 

Mesmo com a suspens�o de pontos do decreto, a iniciativa preocupa ambientalistas e, em especial em Pains, se soma a outra medida que traz impacto para a regulamenta��o da atividade miner�ria na regi�o. Em 2021, a prefeitura da cidade assinou um conv�nio com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Semad) que municipaliza o servi�o de licenciamento ambiental.

 

A justificativa era trazer agilidade ao processo de licenciamento, que passou a ser feito apenas por autoridades da cidade de pouco mais de 8 mil habitantes. Um engenheiro ambiental que j� atuou em Pains e preferiu n�o se identificar disse � reportagem que a medida j� trouxe impacto, com aumento no n�mero de licenciamentos para empreendimentos que j� atuam na regi�o. A prefeitura foi questionada sobre o n�mero de licen�as concedidas desde a assinatura do conv�nio, mas n�o respondeu.

Desequil�brio

A municipaliza��o do licenciamento preocupa pela capacidade t�cnica do munic�pio de operar a fun��o de forma eficiente. Pains abriga cerca de um quarto das cavernas e grutas do estado, de acordo com o Centro Nacional de Pesquisa e Conserva��o de Cavernas (Cecav), e, para o ex-secret�rio de Meio Ambiente da cidade, n�o tem um corpo t�cnico capaz de fiscalizar se elas sofrem dano da atividade miner�ria.

 

“N�o tem fiscal na prefeitura. Quando era fun��o do estado, tinha um corpo t�cnico com ge�logos, engenheiros de minas, bi�logos, ge�grafos... Um corpo t�cnico concursado. Fiscalizar � o grande gargalo que temos para resolver. Pode-se at� licenciar, h� normas definidas, mas n�o tem uma equipe para fiscaliza��o na prefeitura. O �nico fiscal concursado � formado em contabilidade”, aponta M�rio Oliveira. .

 
Pains - MG. Patrimonio natural de Arcos e Pains sob ameaça da mineração. Entrada da Gruta do Brega, em Pains
(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
 
 

O que diz a prefeitura

Em nota, a Prefeitura de Pains informa que o munic�pio conta com uma equipe multidisciplinar para analisar e fiscalizar os processos de licenciamento ambiental. A administra��o da cidade afirma que as atividades s�o realizadas por dois engenheiros de minas, um engenheiro ambiental, um engenheiro florestal, duas bi�logas, um advogado e um fiscal. 

A prefeitura afirmou que h� concursados nomeados, comissionados e prestadores de servi�os (profissionais/pessoa f�sica) contratados por hora t�cnica de trabalho. O munic�pio n�o informa como cada um dos profissionais listados na equipe est� vinculado � administra��o da cidade.

Sobre a municipaliza��o do licenciamento ambiental, a Prefeitura de Pains ainda aponta que a atividade realizada pelos �rg�os da cidade s�o objetos de auditoria pela Semad, conforme a resolu��o nº 2.531 de 2017.
 

Pot�ncia miner�ria e espeleol�gica

O setor de estat�stica do Cadastro Nacional de Cavernas do Brasil (CNC) aponta que Pains tem 422 cavernas. Isso significa que 5,1% das cavidades cadastradas no pa�s est�o no munic�pio, e que ele � o segundo maior no quesito em territ�rio nacional. Ao mesmo tempo, quem entra na cidade se depara com a inscri��o “Capital Mundial do Calc�rio”, em placa que se refere ao potencial minerador da regi�o.

A forma��o geol�gica da cidade � o que lhe confere destaque tanto no patrim�nio espeleol�gico quanto na disponibilidade do polivalente mineral usado em etapas da fabrica��o de v�rios produtos, como cimento, itens de metalurgia, pl�sticos, borrachas, cer�micas, fertilizantes para o solo e at� na alimenta��o de animais e na purifica��o de �gua.

Professor titular do Instituto de Geoci�ncias (IGC) da UFMG, Allaoua Saadi aponta que a origem da forma��o geol�gica da cidade est� ligada � exist�ncia de um mar na regi�o, h� milh�es de anos. “H� 150 milh�es de anos, aquela regi�o era ocupada por um mar que tinha algumas centenas de metros de profundidade. Ent�o, os sedimentos que tinham origem na eros�o das serras, especialmente na Serra do Espinha�o, que estava se formando naquele momento, aportavam nesse mar”, afirma.

A decanta��o desse material resultou nas forma��es que se observam hoje. “Como o clima � sempre mutante, quando estava mais seco, os sais, principalmente o c�lcio, ficavam ali em quantidades grandes, saturando a �gua. O dep�sito ia formando o calc�rio, que tem na composi��o basicamente carbonato de c�lcio. Naquela regi�o, o magn�sio se depositava tamb�m, por isso l� tem o dolomito, o que chamamos de calc�rio magnesiano. Ao longo de milh�es de anos, houve um soerguimento do solo, o mar foi para outros locais e se formou uma �rea composta de barro e grandes massas de calc�rio dolom�tico no meio”, explica.

A concentra��o de calc�rio � o que explica tamb�m a grande quantidade de cavidades. Conforme explica o professor Saadi, a caracter�stica desse mineral faz com que as intemp�ries, ao longo de milhares de anos, deem forma a grutas e cavernas. “Quando a �rea fica emersa, a eros�o vai retirando o material barroso e o calc�rio come�a a chegar � superf�cie. Como o calc�rio � uma rocha qu�mica, formada por sais, esses sais se dissolvem, especialmente com a presen�a de �gua. A dissolu��o vai criando fraturas, que favorecem a forma��o de dutos que levam a �gua para o interior da rocha e formam as cavidades e cavernas. Essa � a origem do patrim�nio espeleol�gico”, descreve.

Reconhecidas por seu potencial tur�stico, grutas e cavernas t�m importante valor cient�fico na observa��o de forma��es geol�gicas e tamb�m para a preserva��o de esp�cies end�micas e amea�adas de extin��o da fauna e da flora. Al�m disso, a regi�o de Pains � reconhecida pelo valor arqueol�gico de suas cavidades. No fim da d�cada de 1990, ossos fossilizados de um mastodonte, hoje no Museu de Ci�ncias Naturais PUC Minas, em Belo Horizonte, foram encontrados na cidade.

A import�ncia arqueol�gica do munic�pio � evidenciada pelo Museu Arqueol�gico de Pains, situado em um parque no Centro da cidade, que re�ne artefatos, imagens de pinturas rupestres e informa��es sobre a riqueza hist�rica das cavernas da regi�o.
 
Pains - MG. Patrimonio natural de Arcos e Pains sob ameaça da mineração. Trânsito de caminhões degrada asfalto e abala casas na cidade
Tr�fego pesado de caminh�es � outra queixa da comunidade, devido a impactos sobre im�veis e no pavimento (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
 

Moradores se queixam de abalos em casas e na sa�de

Al�m do impacto no patrim�nio espeleol�gico, a intensa atividade mineradora traz tamb�m efeitos para o per�metro urbano de Pains. O tr�nsito incessante de caminh�es da cidade reflete a polival�ncia do calc�rio como mat�ria-prima, j� que h� ve�culos de empresas dos mais variados ramos tomando as ruas do Centro e dos bairros adjacentes.

“Essa poeira faz muito mal para a sa�de, tem muita doen�a respirat�ria por aqui. Este per�odo seco, por natureza j� � complexo. N�s temos um tr�fego de caminh�es pesados muito intenso, voc� nem sabe o que aquilo est� jogando para cima, porque eles passam em v�rios locais, carregam cargas diferentes”, destaca o ex-secret�rio de Meio Ambiente M�rio da Silva Oliveira.

Moradores ouvidos pelo Estado de Minas reclamam tamb�m do barulho das explos�es e dos tremores causados pelas detona��es utilizadas pelas empresas na extra��o mineral. Nenhum deles quis se identificar, mencionando o contato pr�ximo com empregados ou empres�rios do setor miner�rio.

“Tem muito tempo que desativaram a mina aqui atr�s, mas foi porque o pessoal reclamou. Quando eles estavam operando, sempre que tinha explos�o, voavam pedras at� no nosso quintal”, disse uma moradora do Centro da cidade, referindo-se a um ponto de extra��o desativado a poucos metros de sua propriedade.

Para o ex-secret�rio de Meio Ambiente, a aposta da cidade deveria ser em investir em um equil�brio entre as atividades miner�rias e o bem-estar da popula��o. “As casas t�m problema de estrutura, o munic�pio tem gastos com a manuten��o de cal�amento, tem a polui��o sonora, atmosf�rica, al�m do risco iminente da interfer�ncia na qualidade das cavidades subterr�neas.” Para ele, mais de 70% da renda da cidade vem da minera��o, mas 90% dos problemas tamb�m v�m da atividade sem o devido controle. 


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