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Estado de Minas A VIOL�NCIA EM N�MEROS

Onze pessoas s�o estupradas por dia em Minas

Viol�ncia sexual cresce 10% no estado. Casos deixam profundas marcas nas v�timas


15/08/2022 04:00 - atualizado 15/08/2022 09:22

protestos contra violência em minas
Vizinhos e parentes de B�rbara fazem manifesta��o no enterro da menina de 10 anos, estuprada e enforcada, em crime que comomoveu o pa�s (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press - 3/8/22)

“A minha vida era um filme de terror”, resume Maria (nome fict�cio para proteger a identidade da v�tima), hoje aos 39 anos. A mulher foi estuprada durante toda a inf�ncia at� os 13 anos, por pessoas da pr�pria fam�lia e conhecidos. “S� parou quando eu j� tinha um pouco mais de condi��es de falar, contar para algu�m ou me defender.” Os abusos aconteciam dentro de casa e em um outro local onde a m�e dela e de mais quatro filhos a deixava para poder trabalhar. O pai, alco�latra, � descrito como violento.

Ela nunca contou para ningu�m das viol�ncias sofridas e lembra que convive com o medo desde muito pequena. O caso de Maria retrata a realidade de muitas mulheres e crian�as que diariamente s�o v�timas de um crime envolto em medo, culpa, sofrimento e sil�ncio. Em Minas Gerais, por exemplo, 11 pessoas s�o estupradas por dia. 
 
De acordo com dados da Secretaria de Estado de Justi�a e Seguran�a P�blica (Sejusp), de janeiro a maio deste ano, foram registrados 1.723 casos. A ocorr�ncia deste tipo de crime aumentou 10% em rela��o ao mesmo per�odo do ano passado, quando foram contabilizados 1.568 casos. J� entre 2020 e 2021, a alta foi de 8% no n�mero de casos (3.668 contra 3.945).  

infografia sobre estupros em MG em 2022
(foto: Soraia Piva/EM/D.A Press)
infografia sobre estupros em bh em 2022


Em BH, entre janeiro e maio, 201 pessoas foram v�timas desse tipo de viol�ncia, o que representa um caso por dia. Em 2021, foram 217 ocorr�ncias no per�odo, 7% mais que neste ano. Por�m, entre 2020 e 2021, a capital registrou um aumento de 6% no n�mero de casos (491 contra 519).
 
Mesmo ap�s tantos anos, Maria ainda lida com as consequ�ncias da viol�ncia sexual. “As pessoas que fizeram isso tinham a obriga��o de me defender, eram pessoas que eu amava. At� hoje isso pra mim � confuso, perturbador. Fiquei dos 13 aos 29 anos negando a viol�ncia. Aos 12, tentei suic�dio”, lembra �s l�grimas.
 
Ela diz que se sentia culpada e que, certa vez, tentou contar para a m�e o que acontecia. “Mas ela era uma pessoa muito nervosa, com cinco filhos, tinha que trabalhar muito porque meu pai n�o ajudava em nada. Faltava comida.” A m�e tamb�m batia nela. “O que me traz mais m�goa � que eu tive que conviver com isso sozinha.”
 
Maria tamb�m relata o medo constante de sofrer novos estupros, que durou at� seus 25 anos. “Tinha muito medo da viol�ncia em si, fui muito machucada. Sentia muito medo dessa situa��o de dor, machucaram o meu corpo mesmo. Tinha medo de dormir e ser violentada. N�o fugia porque tinha medo de sofrer essa viol�ncia tamb�m na rua. Vivi a vida inteira com culpa e medo. Sinto vergonha at� hoje.” E completa: “Aos 29 anos, quando consegui dizer pra mim mesma que fui estuprada a inf�ncia inteira, minha vida ficou sombria. Mas  tamb�m foi libertador.”

CASOS CHOCANTES

Nos �ltimos meses, surgiram casos de repercuss�o envolvendo meninas e mulheres v�timas de estupro. No fim de junho, uma menina de 11 anos, gr�vida ap�s sofrer viol�ncia sexual, foi impedida por uma ju�za de Santa Catarina de fazer um aborto legal e enviada a um abrigo para dar � luz, decis�o que acabou sendo revogada, seguida de interrup��o da gravidez.
 
Poucos dias depois, a atriz Klara Castanho publicou uma carta aberta nas redes sociais contando que tamb�m foi v�tima de um estupro, ap�s ter seu nome envolvido em rumores sobre a entrega de um beb� para ado��o. Em 11 de julho, a v�tima foi uma mulher gr�vida, violentada durante o trabalho de parto, pelo anestesista Giovanni Quintella Bezerra, no Hospital da Mulher de S�o Jo�o de Meriti, no Rio de Janeiro.
 
O caso mais recente que chocou os mineiros foi o da menina B�rbara Vit�ria, de 10, que ap�s ficar dois dias desaparecida foi encontrada morta em um campo de futebol, em Ribeir�o das Neves, na Grande BH. A pol�cia confirmou que ela foi estuprada e enforcada.
 
A diretora da ONG Think Olga, Ma�ra Liguori, diz que esses abusos n�o s�o recentes, s� est�o sendo mais conversados, mapeados e entendidos. Ela lembra que at� recentemente o ass�dio sexual n�o era entendido como uma viol�ncia. “Fazia parte de ser mulher andar na rua e sofrer ass�dio. Assim como fazia parte de ser homem assediar mulheres nas ruas.”
Por�m, segundo Ma�ra, hoje essas discuss�es s�o mais acess�veis, transformando a vis�o das mulheres sobre o assunto, al�m da possibilidade de denunciar os abusos. “O que est� acontecendo � que essas viol�ncias que sempre existiram de forma mais ou menos escancarada, agora est�o sendo verbalizadas pelas mulheres”, analisa.

A Think Olga � uma ONG que trabalha a conscientiza��o das mulheres e a dissemina��o de informa��o sobre leis que protegem esse p�blico. A diretora da entidade destaca o exemplo da lei da importuna��o sexual.

“Come�amos a falar sobre isso em 2013, quando o ass�dio n�o era entendido como uma viol�ncia. A partir desse debate p�blico, um projeto de lei foi elaborado com base nas informa��es e depoimentos levantados por n�s.” A lei da importuna��o sexual foi implementada em 2018.

SEQUELAS

Maria afirma que foi com o apoio psicol�gico que conseguiu ter uma qualidade de vida melhor. Ela encontrou essa assist�ncia quando come�ou um curso em uma faculdade de BH. Depois que se formou, ainda se sentia inst�vel e resolveu procurar ajuda psicol�gica. “Aos 35 anos, foi a primeira vez em que me senti acolhida de verdade”, diz emocionada ao se lembrar do abra�o que recebeu da profissional de psicologia que a atende.

O tratamento iniciado h� quatro anos foi um divisor de �guas em sua vida. “Toda menina ou mulher que passa por isso deveria ter um apoio especializado. Toda essa viol�ncia, por todos esses anos, me trouxe marcas que s�o irrepar�veis. Tinha muitas crises de ansiedade e depress�o, que trato at� hoje. Eu n�o me sentia mulher, me sentia um objeto, suja, sentia culpa.”
 
No ano passado, ap�s mais de 20 anos do fim dos abusos, ela conseguiu contar para um irm�o mais novo. “Contei superficialmente. N�o quero me expor. Hoje, se eu falasse sobre isso ia ter uma repercuss�o muito negativa para minha fam�lia.” A m�e j� � idosa e Maria lamenta n�o ter podido contar com a ajuda dela. A mulher tamb�m relata n�o conseguir se relacionar afetivamente. “N�o confio em nenhum homem, nunca tive um namoro s�rio. Confiar pra mim � muito dif�cil.”

Preven��o, den�ncia e acolhimento

Por medo de serem julgadas, muitas v�timas de viol�ncia sexual “ n�o conseguem contar sobre o abuso de imediato nem mesmo depois de buscar ajuda, diz a psic�loga Ana Carolina Pimentel, coordenadora do Grupo de Apoio a Mulheres V�timas de Abusos (GAMVA BH).  Ela destaca que a principal caracter�stica do abuso sexual, principalmente o infantil, � a culpa. “A pessoa acredita que provocou esse abuso.” 
 
O objetivo do grupo � acolher as v�timas e fazer com que elas entendam que n�o s�o culpadas pelos abusos sofridos. “N�o � a saia ou estar no lugar errado. Ela n�o tem culpa disso, o culpado � o agressor e n�o a v�tima. A parte mais traum�tica do abuso � a v�tima se sentir invalidada quando exp�e a viol�ncia sofrida.”
 
A psic�loga cl�nica, Cl�udia Natividade, atende mulheres v�timas de viol�ncia em seu consult�rio h� 24 anos e diz que nem sempre a v�tima procura ajuda imediatamente. “� bastante comum estarmos atendendo mulheres e, em determinado momento, ela se lembra que sofreu abuso na inf�ncia ou relata uma viol�ncia sexual que j� sofreu na fase adulta.”  Os agressores podem ser namorados, companheiros ou maridos.  “Ela n�o considera que teve aquela experi�ncia ou conscientemente esconde o fato e n�o relata para outras pessoas. Esses acontecimentos, sejam na inf�ncia ou mesmo na vida adulta, s�o experi�ncias muito amea�adoras. Desorganizam as mulheres de forma muito marcada porque s�o viola��es.”
 
E essas viola��es, segundo Cl�udia, causam danos ps�quicos que podem acarretar dificuldades de reorganizar rela��es �ntimas de forma saud�vel. 

A psic�loga afirma que o processo terap�utico � importante para a v�tima desconstruir essa ideia e passar a se conectar e entender rela��es de cuidado. “� um movimento de deixar essa quest�o no passado, mas isso depende de tempo e ele � muito espec�fico de pessoa para pessoa.” Por outro lado, a v�tima que n�o procura  suporte pode desenvolver outros transtornos. “S�o bastante comuns quadros de ansiedade, depress�o, transtornos alimentares e isolamento social.”

O CRIME

A delegada Renata Ribeiro Fagundes, da Delegacia Especializada de Prote��o � Crian�a e ao Adolescente explica que o estupro se configura com o constrangimento da v�tima a pr�tica de qualquer ato libidinoso feito sem o seu consentimento. J� o estupro de vulner�vel acontece quando a v�tima � menor de 14 anos ou n�o pode, por qualquer raz�o, oferecer resist�ncia.
 
“No caso dos menores de 14 anos, a pr�tica do crime se configura ainda que haja consentimento da v�tima para os atos. Nos demais, podem estar pessoas com defici�ncia, que ingeriram medicamentos ou estavam sedadas, por exemplo.” O caso da paciente estuprada pelo anestesista Giovanni Quintella Bezerra se encaixa nesse quesito.
 
J� o crime tentado ocorre quando o autor, por algum motivo alheio a sua vontade, n�o consegue consum�-lo. De acordo com ela, existem outros crimes com caracter�sticas semelhantes, como o de importuna��o sexual, que tamb�m se configura pela pr�tica de atos libidinosos: importuna��o, estupro ou posse sexual mediante fraude.

Intimidade

Por ser um crime que atinge a intimidade da pessoa, a v�tima do estupro tem mais dificuldade de denunciar e isso leva a uma subnotifica��o de casos. A delegada ressalta que em situa��es que envolvem procedimentos de sa�de, esse receio � ainda maior. “A v�tima tem dificuldade de saber se aquele � um procedimento normal. Al�m disso, o profissional de sa�de � uma pessoa que inspira confian�a e a v�tima n�o imagina que v� acontecer uma viola��o.”
 
No caso das crian�as e adolescentes, a delegada refor�a que � preciso que pais e respons�veis orientem os filhos sobre que tipo de conduta � aceit�vel por parte de um adulto. “� preciso ficar atento tamb�m ao deixar os filhos com outras pessoas que est�o tomando conta deles, outros familiares.”
 
Em Belo Horizonte, as den�ncias podem ser feitas na Delegacia Especializada de Prote��o � Crian�a e ao Adolescente (Depca), localizada na Avenida Nossa Senhora de F�tima, 2.175, no Bairro Carlos Prates, Regi�o Noroeste e na Delegacia Especializada de Atendimento � Mulher, localizada na Avenida Barbacena, 288, no Barro Preto, Regi�o Centro-Sul, com atendimento 24 horas. Em outras cidades de Minas, ocorr�ncias podem ser registradas qualquer unidade da Pol�cia Civil. As den�ncias tamb�m podem ser feitas pelo Disque 100 ou 180.

ENFRENTAMENTO

A Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) afirma que adota pol�ticas de enfrentamento aos crimes sexuais e de atendimento �s em Minas. Em nota, citou o Comit� Estadual de Gest�o do Atendimento Humanizado �s V�timas de Viol�ncia Sexual (CEAHVIS) e a participa��o no F�rum de Enfrentamento � Viol�ncia Sexual contra Crian�as e Adolescentes.
 
Cita, ainda, a��es da Delegacia Especializada no Atendimento � Mulher, por meio do Grupo de Combate aos Crimes Sexuais: forma��o continuada sobre crimes de estupro para servidores da Pol�cia Civil e protocolo humanizado e atendimento multidisciplinar na delegacia no primeiro atendimentoda v�tima.
 
Al�m dessas iniciativas, completa o texto, o Estado mant�m o Centro Risoleta Neves de Atendimento � Mulher (Cerna), que acompanha mulheres que sofreram viol�ncia dom�stica ou de qualquer natureza, oferecendo apoio psicossocial na unidade.

Gravidez depois da agress�o

Um estudo feito por m�dicas do Hospital das Cl�nicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostra que mais da metade das mulheres v�timas de estupro que procuraram atendimento no local estavam gr�vidas.
 
O levantamento foi feito entre 1º de janeiro de 2019 e 31 de dezembro de 2020. Nesse per�odo, foram atendidas 53 mulheres, sendo 33 em 2019 e 20 no ano seguinte. As pesquisadoras destacam que “apesar do aumento dos casos de viol�ncia contra a mulher no Brasil, a demanda pelo atendimento a mulheres em situa��o de viol�ncia sexual no hospital foi menor do que no ano anterior � pandemia.”
 
Outra constata��o do estudo foi que, em 2020, a maioria dos casos atendidos tiveram como local dos abusos o ambiente domiciliar, a maior parte das mulheres atendidas havia sofrido viol�ncia anterior e 25% delas j� conheciam o agressor. No per�odo anterior � pandemia, a viol�ncia relatada acontecia nas ruas ou em eventos sociais. “O n�mero de atendimentos a mulheres com gesta��o decorrente de estupro e para o aborto legal se manteve est�vel.”
 
As pesquisadoras conclu�ram que a diminui��o da procura por atendimento ocorreu, possivelmente, em raz�o do isolamento social provocado pela pandemia da COVID-19. “Por�m, nos casos de gesta��o decorrente de viol�ncia sexual, as v�timas foram mais ativas em procurar o atendimento m�dico especializado para solicitar a interrup��o legal da gravidez.”
 
Dos 33 casos atendidos em 2019, 15% ocorreram em ambiente domiciliar, 24% com viol�ncia f�sica associada, em 21,2% dos eventos a v�tima j� tinha sido violentada anteriormente e em 70% dos casos n�o foi feito boletim de ocorr�ncia.
 
J� em rela��o aos 20 casos atendidos em 2020, 35% ocorreram em ambiente domiciliar, 40% com viol�ncia f�sica, 30% com epis�dios pr�vios de abuso sexual e 65% sem den�ncia em �rg�os respons�veis pela seguran�a
 
 Em rela��o �s gesta��es decorrentes da viol�ncia sexual, em 2019 foram registradas 23 (69,7%) e 20 tiveram interrup��o legal autorizada. J� em 2020, foram 11 gesta��es (55%) todas com desfecho de aborto autorizado.


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