“�ltima hora: Disco voador teria ca�do em Caratinga”. Essa manchete foi estampada na edi��o de 22 de novembro de 1954 do jornal vespertino Di�rio da Tarde. Naquela manh�, o telegrafista Anor Ferreira da Silva transmitiu uma mensagem para o “Correios e Tel�grafos” de Belo Horizonte comunicando que um disco voador havia ca�do nos arredores da cidade do Vale do Rio Doce e que algumas pessoas havia visto “homens de baixa estatura” pr�ximos � espa�onave.
A not�cia se espalhou pelo r�dio e, durante algumas horas, Caratinga foi a cidade mais comentada do Brasil. A euforia cessou quando, � tarde, Anor admitiu que a suposta queda da espa�onave n�o passava de uma brincadeira. As informa��es e os relatos apresentados nesta edi��o do Sabia N�o, Uai! foram encontrados em edi��es do jornal Di�rio da Tarde e da revista O Cruzeiro, antigas publica��es dos Di�rios Associados que se encontram no arquivo do Estado de Minas.
Naquela �poca, era muito frequente not�cias sobre avistamento de objetos voadores n�o identificados, tanto que nessa mesma edi��o do Di�rio da Tarde havia outra mat�ria: “Corpos estranhos nos c�us de Minas”. O texto trazia relatos de um comandante e um co-piloto de um avi�o comercial que alegavam ter visto uma esquadrilha de discos voadores enquanto voavam sobre Juiz de Fora, na Zona da Mata.

Geopol�tica mundial influenciou ‘avistamentos’
O historiador Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos, professor do Instituto Federal de Educa��o Ci�ncia e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG) e autor do livro “A inven��o dos discos voadores: Guerra Fria, imprensa e ci�ncia no Brasil (1947-1958)”, explica que a quantidade maior de relatos de avistamentos daquela �poca em compara��o �s d�cadas seguintes e aos dias de hoje est� relacionada com o contexto geopol�tico dos anos 5 0. E isso pode explicar porque as pessoas ficaram t�o euf�ricas com a not�cia da suposta queda de um disco voador em Caratinga.“Havia tamb�m uma quest�o de fundo que era uma preocupa��o com os avan�os tecnol�gicos da Guerra Fria, com medo do fim do mundo, de uma Terceira Guerra Mundial, o que fazia com que as pessoas olhassem mais pro c�u e se preocupassem com uma poss�vel invas�o ou alguma coisa parecida”, afirma.
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O come�o da “trollagem”
Manh� de 22 de novembro de 1954, segunda-feira. Anor Ferreira da Silva era o respons�vel pela opera��o do tel�grafo de Caratinga, cidade distante 295 km de Belo Horizonte. Foi justamente para um colega telegrafista da capital mineira que Anor resolveu pregar uma pe�a e mandou uma mensagem dizendo que havia ca�do um disco voador nos arredores da cidade, mais precisamente na Pedreira do Silva.Anor tamb�m informou que saiu do aparelho “uma fuma�a e uma luz forte, que d�i nos olhos dos observadores, n�o permitindo, dada a dor que provoca na vista, aproxima��o”. A mensagem tamb�m dizia que algumas pessoas observaram, � dist�ncia, “homens de baixa estatura” dentro do “aparelho”.
Essa “not�cia” seria a comprova��o da exist�ncia dos discos voadores e, possivelmente, da exist�ncia de vida fora da Terra. Alguns anos antes, em 1947, o empres�rio e piloto de avi�o Kenneth Arnold relatou ter visto um objeto de formato desconhecido enquanto voava no estado de Washington, no oeste dos Estados Unidos. Esse acontecimento, que deu origem aos relatos modernos de OVNIS (Objetos Voadores N�o Identificados), foi noticiado via ag�ncias internacionais por jornais de todo o mundo, inclusive no Brasil.

Edi��es extras de ‘O Rep�rter Esso’
De volta a Minas Gerais, a informa��o de que um disco havia ca�do em Caratinga dada por um profissional que teria, a princ�pio, muita responsabilidade e muita credibilidade - Anor era funcion�rios do Correios e Tel�grafo h� quatro anos - sanava a euforia das pessoas.Assim que a mensagem chegou em BH, �s 9h, n�o demorou muito para que as reda��es de jornais e r�dios ficassem sabendo da novidade. Esta��es de r�dio de BH davam a not�cia e “O Rep�rter Esso”, jornal�stico radiof�nico de maior sucesso da �poca, levou o ocorrido para todo o Brasil em edi��es extras.
Os ve�culos relataram que o disco teria ca�do em Caratinga, mas que a dire��o do Tel�grafo Nacional ainda n�o tinha confirmado a informa��o. A linha entre Belo Horizonte e Caratinga funcionava somente a cada duas horas. Ent�o, somente �s 11h � que puderam novamente conversar com o telegrafista no interior. Anor, sem prever as consequ�ncias, confirmou tudo o que havia dito anteriormente, palavra por palavra.
Ap�s a confirma��o da segunda mensagem, de acordo com mat�ria de O Cruzeiro, “a dire��o do tel�grafo ainda, desta vez, nada declarou � reportagem de positivo, mas deixava transparecer que n�o havia mais d�vida s�bre o fato, uma vez que de Caratinga vinham duas comunica��es, em hor�rios diferentes, dando conta do fato”.
� essa hora, j� havia avi�es levantando voo em BH com jornalistas, cinegrafistas e fot�grafos indo cobrir o evento in�dito da queda de um disco voador. Teve at� quem se aventurou a viajar centenas de quil�metros de jipe s� para ver os supostos destro�os do tal disco voador.
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A casa caiu, Anor
�s 13h, quatro horas depois da primeira comunica��o, a linha entre os tel�grafos das duas cidades voltou a funcionar. Desta vez, a dire��o da Delegacia Regional dos Correios e Tel�grafos pedia a confirma��o do telegrama, mas com a presen�a do chefe do servi�o de Caratinga para autentic�-lo. Anor n�o conseguiu mais sustentar sua “trollagem” e negou tudo que havia dito anteriormente.Ao sair para o almo�o, Anor encontrou a cidade cheia de jornalistas e curiosos. Disse que tudo n�o passava de uma brincadeira. “Eu queria pregar uma pe�a no meu colega de Belo Horizonte. Nunca pensei que da� resultasse tanta confus�o”, se justificou.
No dia seguinte, os jornais davam o desenrolar do caso. O Di�rio da Tarde publicou a mat�ria “A brincadeira custar� um inqu�rito ao telegrafista”, na qual o diretor dos Correios e Tel�grafos, Venero Caetano da Fonseca, dizia que “o Tel�grafo Nacional n�o � brincadeira de ningu�m” e que a empresa iria apurar todos os detalhes do caso para tomar as devidas provid�ncias.
Anor passou por um processo administrativo, mas n�o sofreu nenhuma penalidade. Segundo v�deo do Super Canal, p�gina baseada em Caratinga, Anor trabalhou por 40 anos na empresa at� se aposentar.

A euforia pelos discos voadores
No livro “A inven��o dos discos voadores”, o historiador Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos analisou relatos de discos voadores no Brasil publicados nos jornais entre 1947 e 1958. A percep��o geral, e difundida pela cultura pop, � de que os discos voadores seriam objetos alien�genas, pilotados por seres de outros planetas. Contudo, na d�cada de 50, uma parcela da popula��o acreditava na hip�tese que os objetos desconhecidos avistados nos c�us poderiam ser armas de alguma superpot�ncia da �poca.“Havia um comportamento um pouco de sugest�o e pouca gente pensava que na verdade podia tamb�m n�o ser nada. Podia ser simplesmente o interesse de todo mundo olhando pro c�u querendo ver e as pessoas acabavam vendo e confundindo com outras coisas”, comenta. Em outubro de 1954, m�s anterior ao ocorrido em Caratinga, a Base A�rea de Porto Alegre, sede da For�a A�rea Brasileira em Gravata�, publicou nota oficial informando que no dia 24 daquele m�s militares e civis avistaram “corpos estranhos” sobrevoando a base.
“Isso dava para o assunto uma credibilidade gigantesca, porque eram militares que em diversos pontos tinham visto aquilo. Mas eles n�o sabiam exatamente o que era, n�o tentavam na nota explicar o que aconteceu”.