
Com um elegante terno risca de giz, top da moda masculina nos anos 1950, o ent�o governador de Minas e ex-prefeito de Belo Horizonte Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976) olha para o futuro com serenidade, tendo como moldura e retaguarda a Serra do Curral, s�mbolo da capital mineira. Na mesma d�cada, seria eleito presidente do Brasil e respons�vel pela constru��o de Bras�lia (DF), cujo embri�o foi a Pampulha, conforme atestou o arquiteto modernista Oscar Niemeyer (1907-2012), que trabalhou em ambos os projetos de reconhecimento internacional.
Retratos em preto e branco mostram mais tr�s momentos na vida do mineiro de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, que, se estivesse vivo, completaria 120 anos hoje. L� est� Juscelino, o JK, como era conhecido, na Pampulha, como prefeito; em Ouro Preto, na Regi�o Central de Minas, j� governador, ao lado do presidente Get�lio Vargas (1882-1954); e em Bras�lia, chefe da na��o. Se cada registro fotogr�fico serve de informa��o, traz tamb�m boas lembran�as e emo��o aos olhos dos admiradores.
“Juscelino � o homem que criou Bras�lia, trouxe a ind�stria automobil�stica para o pa�s e foi o respons�vel pela implanta��o das usinas hidrel�tricas de Furnas e Tr�s Marias. Seu plano de metas, para melhorar a infraestrutura brasileira, era ‘50 anos em cinco', mas, infelizmente, n�o � lembrado como deveria”, diz o diretor-presidente do museu e memorial Casa de Juscelino, em Diamantina, Serafim Jardim, de 87 anos, enaltecendo a imagem do grande amigo e lamentando a injusti�a do tempo. “JK foi o menino Non�, humilde, que s� colocou sapato aos 12 anos de idade.”
Com as melhores recorda��es de JK, Serafim destaca cinco pontos que o conterr�neo considerava importantes. “Em primeiro lugar, a leitura. Depois, os tr�s anos que estudou no semin�rio de Diamantina e o concurso que prestou, passando em 19º lugar, para trabalhar como telegrafista, o que lhe permitia estudar”. Na sequ�ncia, vieram o ingresso na Escola de Medicina (hoje Faculdade de Medicina da UFMG), onde se formou em 1927, e a ida para Paris, Fran�a, a fim de se especializar em urologia.
“Para viajar, Juscelino vendeu o carro que tinha e juntou mais um dinheiro que ganhou trabalhando. Foi pra Europa no in�cio de 1930 e voltou no fim daquele ano, tendo a oportunidade de conhecer v�rios pa�ses, incluindo a Rep�blica Tcheca, de onde vieram os antepassados. Teve a oportunidade de comemorar seus 28 anos em Praga. Depois, visitou o Oriente M�dio”, conta Serafim.
Em 1931, Juscelino casou-se com Sarah Kubitschek (1908-1996). O casal teve a filha M�rcia (1943-2000), adotando Maria Estela. “Estamos a� eu e Maria Estela para manter cada vez mais viva a imagem de JK”, avisa o diretor da Casa de Juscelino, que tem programa��o especial para lembrar os 120 anos de nascimento do ex- presidente do Brasil (1956-1961), ex-governador de Minas (1951-1955) e ex-prefeito de Belo Horizonte (1940-1945). Na reserva t�cnica, encontra-se um quadro de JK, pintado pelo modernista Di Cavalcanti (1897-1976) e longe dos olhos dos visitantes por estar “sub judice”.
Para falar sobre JK, s�o necess�rios “um dia e uma noite”, diz Serafim Jardim, que resume um pouco da hist�ria na frase do seu primo, o jornalista Celius Aulicus Gomes Jardim, que trabalhou no Estado de Minas: “Juscelino, o diamantinense, que venceu sem deixar vencidos. Lutou sem deixar advers�rios. Combateu sem deixar inimigos. Sofreu sem arquitetar vingan�as. E morreu sem legar �dios”.

Medicina e pol�tica
Com especializa��o em urologia, Juscelino abriu um amplo consult�rio no Edif�cio Ibat�, na Rua S�o Paulo, no Centro de Belo Horizonte, considerado o primeiro arranha-c�u da cidade. Mas, nomeado m�dico da Pol�cia Militar, seguiu para Passa Quatro, no Sul de Minas, para atuar na Revolu��o de 1932, quando conheceu Benedito Valadares (1892-1973), que seria governador de Minas de 1933 a 1945 e de quem foi chefe de gabinete.Assim, houve o aceno da pol�tica ao jovem m�dico. Em 1934, o diamantinense foi eleito deputado federal, depois nomeado prefeito da capital mineira e novamente deputado. Ap�s passar pelos pal�cios da Liberdade, em Minas, e da Alvorada, em Bras�lia, elegeu-se senador por Goi�s (de 1961 a 1964).
Com o golpe militar de 1964, JK conheceu o ex�lio na Europa e Estados Unidos. “Em 4 de outubro de 1965, retornou ao pa�s com dona Sarah e passou 36 dias no Brasil. Voltou dois anos depois dizendo que s� sairia daqui morto. Ficou, mas foi preso em 13 de dezembro de 1968, data do Ato Institucional n�mero 5, o AI-5”, recorda-se Serafim Jardim, com tristeza.
“Era um homem fant�stico e sofreu muito com a situa��o dram�tica que viveu. Um m�s antes de morrer em acidente automobil�stico na Rodovia Presidente Dutra, em Resende (RJ), em 22 de agosto de 1976, Juscelino me disse que viria a Contagem (Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte) para uma homenagem � mem�ria do seu pai, Jo�o C�sar de Oliveira, que d� nome � principal avenida do munic�pio. Infelizmente, n�o deu tempo.”

Consult�rio
Aos 93 anos e demonstrando grande paix�o pela vida, o m�dico urologista Odilon Lobato segue todo fim de semana de Belo Horizonte, onde mora, para a cidade natal, Pomp�u, na Regi�o Centro-Oeste de Minas, onde passa horas conversando com amigo e andando a cavalo. Com mem�ria de fazer inveja a muita gente, Odilon conta que conheceu Juscelino ao estudar medicina – “Quando entrei na faculdade, ele tinha sa�do h� mais tempo, explica” – e desde o in�cio admirou sua devo��o � profiss�o. “Era extremamente humano, exercia a medicina com muita compet�ncia, com o objetivo de servir. Urologista e cl�nico geral, operava bem e, na Santa Casa, onde trabalhava, dava prefer�ncia ao atendimento aos mais pobres”.Depois que Juscelino deixou o consult�rio no Edif�cio Ibat�, esse ficou com seu cunhado, J�lio Soares. Odilon Lobato foi trabalhar l� e depois adquiriu o mobili�rio. D�cadas mais tarde, as pe�as foram doadas e podem ser vistas no Centro de Mem�ria da Medicina (Cememor) da Faculdade de Medicina da UFMG, na Regi�o Hospitalar da capital mineira, e como parte do acervo do Instituto Hist�rico e Geogr�fico de Pomp�u, a 164 quil�metros de BH. Odilon, que foi deputado estadual, tem se lembrado ainda mais do m�dico e pol�tico nas p�ginas do livro “Juscelino Kubitschek, O m�dico”, escrito por Fernando Ara�jo, j� falecido.

Mem�ria
“Fico feliz com o grande n�mero de visitantes que recebemos, em torno de mil pessoas por m�s. Muitos s�o jovens e se interessam pela vida e obra de JK”, diz Serafim Jardim que dirige a Casa de Juscelino, no Centro Hist�rico de Diamantina. “JK nasceu na Rua Direita, 106, e morou na casa que hoje leva seu nome dos 3 anos aos 19. Preservar a casa � mais do que uma miss�o, pois, 13 dias antes de morrer, JK me pediu que comprasse o im�vel, ent�o em poder de uma fam�lia, e zelasse por ele”, diz o diretor-presidente.O visitante pode ver o pequeno quarto onde JK dormia na inf�ncia e uma foto de quando ele, j� adulto, a revisitou e sentou na cama. Na parede, foi instalado um quadro com uma frase pin�ada de seus escritos: “Meu quarto era acanhado. N�o comportava mais que a cama, uma min�scula mesa, feita em caixote, com a respectiva cadeira arranjada n�o sei onde. E a�, de fato, �s seis horas da manh�, eu come�ava a estudar”.
Perto dali, h� um arm�rio, sem um prego, s� com encaixes, doado pela ex-primeira dama Sarah Kubitschek, feito pelo bisav� de JK, o marceneiro Jan Nepomusky Kubitschek, conhecido como Jo�o Alem�o e natural da regi�o da Bo�mia, na Rep�blica Tcheca. Em outras partes da resid�ncia h�, nas paredes, desenhos a l�pis, do arquiteto modernista e urbanista L�cio Costa (1902-1998), datados de 1924, e outros com esbo�os de Bras�lia. Chamam a aten��o o belo retrato da m�e, a professora J�lia Kubitschek (1873-1971) e a cozinha com o fog�o a lenha e utens�lios dom�sticos.
No anexo, nos fundos, constru�do em 1994, est� o primeiro consult�rio de JK. Num canto, um aparelho de anestesia, de 1930, doado por um particular de S�o Paulo; no outro, o equipamento para eletrocardiograma, do mesmo ano; e, pendurado, um jaleco branco. Na sala ao lado, estudantes e pesquisadores t�m espa�o para estudar em obras doadas pela ex-primeira-dama.