
Dinalda foi diagnosticada com Linfoma n�o Hodgkin de grandes c�lulas B, uma esp�cie de leucemia, um c�ncer mais raro. Na �poca, morava em Ipatinga, no Vale do A�o, e mudou para Juiz de Fora, que dispunha de mais recursos hospitalares.
“Trabalhava em casa, tive que abandonar tudo para poder cuidar e seguir com o tratamento. Consegui 'encostar' no INSS, na �poca”, recorda Dinalda.
A dona de casa se recuperou do c�ncer em 2012. No entanto, dois anos depois, a doen�a voltou. Em 2017, precisou fazer um transplante de medula, procedimento que voltou a fazer em 2020.
A partir daquele ano, o cen�rio j� era totalmente diferente. Dinalda tinha dificuldade de encontrar m�dicos, marcar exames e conseguir rem�dios para tratar do c�ncer.
“Muita dificuldade com m�dico, com exames. Quando eu fui fazer a primeira [quimioterapia], consegui o tratamento original, que � o coquetel direcionado a linfomas. Em 2020, n�o consegui mais. Consegui outra quimioterapia [mais agressiva]. Tive que ficar internada”, relatou a dona de casa.
Dinalda relata que, a partir de 2020, o c�ncer se espalhou para o intestino. Com muitas dores, passou dias nas Unidades de Pronto Atendimento para conseguir atendimento. “Demorava, n�o tinha vaga para fazer exames e m�dicos. Na �poca de internar, voc� precisa passar pelas UPAs. Precisei ficar quatro dias sentada para esperar a vaga sair. �s vezes nem rem�dio para dor tinha. Demorou seis meses para ser atendida”, relatou.
E quando conversava com os m�dicos e enfermeiros sobre a demora, a resposta era sempre a mesma. “O governo n�o d� condi��es para comprar os rem�dios, essa era a justificativa que os funcion�rios davam”, relembrou Dinalda.
Sem conseguir os rem�dios pelo SUS, o filho de Dinalda, Lucas Gabriel, precisou arcar com os custos. Jornalista, o rapaz gastou cerca de R$ 20 mil durante tr�s meses apenas com rem�dios. “Peguei dinheiro emprestado para custear e paguei parcelado a maioria dos medicamentos”, relatou.
Mesmo com as dificuldades, Dinalda conseguiu fazer o tratamento. No entanto, as sequelas ficaram. Hoje, aos 53 anos, ela tem dificuldades de audi��o e de movimenta��o dos membros superiores.

Cortes
Para irrigar o Or�amento Secreto, o governo Jair Bolsonaro (PL) cortou verbas de diversos minist�rios. Pelo menos � isso que mostra o projeto de or�amento encaminhado para o Congresso Nacional.
Entre os diversos cortes, um que chama aten��o � o relacionado ao c�ncer. Para o ano que vem, est�o programados R$ 97 milh�es para “Rede de Aten��o � Pessoa com Doen�as Cr�nicas - Oncologia”. O valor � 45% menor que o aplicado em 2022, que foi de R$ 175 milh�es.
A tesourada atinge o repasse de dinheiro do Minist�rio da Sa�de para os governos estaduais, prefeituras e entidades sem fins lucrativos para implementar, aparelhar e expandir os servi�os de sa�de hospitalares e ambulatoriais.
Em Juiz de Fora, uma das refer�ncias na �rea de cirurgia oncol�gica era o Hospital Universit�rio. No entanto, em 2022, deixou de realizar o procedimento. Segundo o HU, o Hospital n�o conseguiu o credenciamento junto � Secretaria Estadual de Sa�de. Al�m disso, a institui��o n�o recebia do Minist�rio da Sa�de os valores da tabela de servi�os de oncologia.
“Sem o credenciamento e o recebimento pelo Minist�rio da Sa�de dos valores da tabela de servi�os de oncologia, a continuidade das cirurgias oncol�gicas pode comprometer a sustentabilidade da institui��o, amea�ando, inclusive, outros servi�os essenciais prestados � popula��o de Juiz de Fora e regi�o”, afirmou em nota o HU.
Mesmo antes de acabar com o servi�o, o n�mero de cirurgias oncol�gicas no HU estava em queda. Em 2016, foram 453 procedimentos. Em 2018 foram 624, o maior para a s�rie hist�rica divulgada pela assessoria da institui��o. Em 2021 foram 287 cirurgias, o menor n�mero registrado. Em 2022, at� a decis�o de suspender o servi�o, tinham sido realizados 219 procedimentos.
“Os pacientes atendidos no HU-UFJF foram encaminhados para continuidade do tratamento nos centros credenciados”, informou o �rg�o.
Cortes preocupam
Para Lourival Oliveira, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), os cortes anunciados pelo governo federal preocupam justamente por atingir uma �rea importante. Em 2020, �ltimo ano com dados dispon�veis, morreram de c�ncer 225.839 brasileiros, segundo o Instituto Nacional de C�ncer (INCA).
“A gente tem uma press�o e uma demanda acumulada enorme. O que voc� teria para os programas de sa�de n�o era ter cortes, e sim amplia��o. A gente sabe o que significa quem depende desse tratamento. Voc� precisa ter toda a atividade preventiva para tentar detectar com anteced�ncia o c�ncer. Tendo detectado, tem que ter o acompanhamento o quanto antes. As pessoas com problemas precisam ter acesso aos tratamentos. Quanto mais tempo demora, a situa��o s� piora”, lamentou o professor.
Para Lourival, quem quer que seja o presidente em 2023, precisar� encontrar solu��es or�ament�rias para a �rea. “Qualquer governo que assumir o ano que vem ter� que reverter isso, com uma dificuldade muito grande, pois o impacto que voc� tem � reduzir a quantidade e a qualidade do atendimento. Isso para uma popula��o que vem de uma pandemia, que precisa do SUS para combater sequelas e outros problemas”, destacou.
E para quem sofre na pele os problemas do c�ncer sabe que � uma doen�a que n�o d� para esperar. “[os cortes] S�o muito preocupantes, porque muitos [pacientes] podem piorar por falta de medicamentos. O c�ncer n�o espera”, finalizou Dinalda.
O Minist�rio da Sa�de foi procurado para responder sobre os cortes or�ament�rios no programa “Rede de Aten��o � Pessoa com Doen�as Cr�nicas - Oncologia”, mas at� o fechamento desta reportagem n�o se manifestou.