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Estado de Minas LITERATURA

'Campo Alegre', um bairro de BH criado pelo ato pol�tico de se unir

Ess�ncia e impulso para cria��o de bairro na Regi�o Norte, uni�o de fam�lias de pobres e pretos em conjunto habitacional na d�cada de 1960 � tema de livro


10/12/2022 04:00 - atualizado 10/12/2022 08:17

Ricardo Aleixo é um homem negro; ele usa óculos escuros e um boné e segura o livro 'Campo Alegre'
(foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

"Gosto de repetir essa cifra, '556 fam�lias, entre pobres e miser�veis, entregues � pr�pria sorte'. O que vamos fazer? Nos juntar"

Ricardo Aleixo, escritor


H� cinco d�cadas, nascia o Conjunto Habitacional Campo Alegre, e, com ele, um sentimento experimentado por pelo menos 556 fam�lias. Tipicamente chuvoso, dezembro � um m�s das �guas “desde sempre”, para os moradores do pequeno bairro na Regi�o Norte de Belo Horizonte, que agora t�m mais um motivo para se orgulhar das origens: o Campo Alegre ganhou um livro de mem�rias. Escrito pelo poeta e artista nato Ricardo Aleixo, a obra faz parte da cole��o ‘BH. A cidade de cada um’, que preza pela escrita de recorda��es pessoais e escolhas afetivas de fontes que sejam indispens�veis na conta��o das hist�rias.

Ningu�m melhor que um morador de primeira para reunir as mem�rias de um local nem sempre prestigiado. Mineiro, Ricardo e sua fam�lia foram um dos primeiros a se instalar no ent�o conjunto habitacional. Era um 19 de dezembro chuvoso e seu pai, Am�rico, ganhou a casa pr�pria num sorteio feito pelo Minist�rio da Agricultura, onde trabalhava. Segundo relata no livro, “o lugar parece bem mais feio do que parecera no dia que viemos, meses antes, conhecer a primeira casa pr�pria da fam�lia”.

Em entrevista ao Estado de Minas, Aleixo come�a mais uma sess�o de lembran�as enquanto caminha pelo bairro. “Foi coincid�ncia lan�ar o livro em dezembro, perto do anivers�rio de mudan�a. N�o era uma delibera��o. A quest�o � que eu atrasei para entregar o texto, precisei me mudar para o Rio (de Janeiro) durante quatro meses, para conseguir escrever. O Campo Alegre n�o me permite uma rotina de escrita, porque � um lugar em que saio na rua e encontro vizinhos que trazem mais mem�rias”, diz.

Os primeiros rascunhos da hist�ria come�aram em 2009, mas foi em 2016 que a escrita tomou for�a. “Durante o golpe que dep�s a presidente Dilma � que eu entendi a import�ncia de tratar a hist�ria do bairro politicamente”, disse, referindo-se ao impeachment da petista aprovado pelo Congresso Nacional. O local n�o surgiu por acaso. Pol�tica habitacional do per�odo da ditadura militar no Brasil, a constru��o dos conjuntos se pautava na ideia de casinhas coladas umas nas outras, com ruas estreitas e inten��o de abrigar pessoas pobres e miser�veis de Minas Gerais.

Como conta nas p�ginas do livro, o Campo Alegre foi o segundo conjunto habitacional constru�do no pa�s, com a promessa de exporta��o do conceito para o Cone Sul, regi�o do tri�ngulo geogr�fico formado por Chile, Argentina, Uruguai e o Sul do Brasil. “Isso j� � a defini��o de que est�vamos entregues � pr�pria sorte. ‘Aqui t� bom para essa gente que n�o tinha nada’. Passa a ser um exerc�cio de cidadania, pois a popula��o come�ou a se juntar com objetivo de tornar esse lugar minimamente habit�vel.”

Sem �gua, luz e esgoto direito, os moradores do Campo Alegre come�aram as mobiliza��es para melhorar o local. A m�e de Ricardo, dona �ris, foi uma importante l�der na comunidade.

“Se n�o tem cal�amento, ela ia para a porta da prefeitura. A escola funciona precariamente? Vamos para a porta do jornal e reivindicar”, lembra o autor.

“A ideia era dar algo para o povo e lan�ar numa situa��o minimamente melhor do que antes. N�o apontava para o futuro, mas garantia a ades�o das pessoas aos projetos totalit�rios, dando entendimento de que ter algo � melhor que n�o ter nada”. Para escrever essa hist�ria, Ricardo reconhece que n�o teria sido poss�vel tornar-se um estudioso se os pais n�o tivessem adquirido a casa no bairro e, com isso, parar de pagar aluguel, investindo o dinheiro na sua educa��o e de sua irm�, Fatima.
Vista do bairro Campo Alegre, conjunto habitacional com prédios baixos em meio a árvores
Vista do bairro Campo Alegre, criado na d�cada de 1960 e onde vivem cerca de 550 fam�lias (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)

Estruturalmente falando, o bairro permanece igual. Da escola estadual, passando pela academia, at� a igreja, todos os elementos sobreviveram, conta Ricardo. A �nica mudan�a foi numa regi�o conhecida por Ch�cara, onde o mato se transformou no bairro vizinho, o Vila Cl�ris. Al�m disso, antes sem nome, as ruas do Campo Alegre eram divididas pelo alfabeto e alguns n�meros. Somente em 1981 o ent�o prefeito de Belo Horizonte, Maur�cio de Freitas Teixeira, atribuiu nomes aos 42 endere�os.

Ess�ncia permanece ao lono dos anos 

Para Ricardo, a ess�ncia do bairro n�o s� � a mesma, mas foi constru�da pelos pr�prios moradores. “Penso que n�s inventamos a ess�ncia, isso n�o nos foi dado como algo natural. Gosto de repetir essa cifra, ‘556 fam�lias, entre pobres e miser�veis de Minas Gerais inteira, entregues � pr�pria sorte’. O que vamos fazer? Nos juntar. Isso � estudado, por exemplo, pelo ge�grafo Milton Santos, quando ele fala que a escassez material � o motor da vida do pobre. Se eu n�o tenho e voc� n�o tem, vamos para o movimento. Esse movimento cria solidariedade. Se um consegue alimentar os filhos e o outro toma conta das crian�as para que este v� trabalhar, ao retornar, ele compartilha o que ganhou. Esta � a hist�ria do Campo Alegre e de muitos lugares pobres do mundo inteiro. No final das contas, o bairro se tornou bom a despeito de todas as expectativas. N�o foi feito para ser bom, s�o ruas estreitas e casas coladas. Mas foi exatamente isso que gerou um conhecimento m�tuo e vontade de crescer juntos”, define.

A cada quarteir�o percorrido com a reportagem, uma pessoa parava Ricardo e o cumprimentava. “Que saudades” e “soube do seu livro do bairro”, dizem. No meio do caminho, parada para mais uma foto. O lugar preferido? “Aqui”, responde Ricardo apontando para o bar ao lado direito da rua. “Al�m do excelente atendimento, ainda tem cerveja boa”, brinca.

De repente, Deni, gar�om e amigo de Ricardo, sai dos fundos  do bar com um grande sorriso. “Eu nem acredito que estou te vendo aqui. � muita saudade, s� de chegar perto de voc�, j� estou feliz”, diz Maicon, o Deni. “Tem pelo menos 30 anos que eu conhe�o o Ricardo. Aqui ele sempre come torresmo com lim�o e a pinguinha do bar. Senta ali no fundo, quietinho, ningu�m incomoda”, lembra.

A cena reitera as mem�rias do escritor. A “ess�ncia” estabelecida pelos moradores � o elo da hist�ria, que n�o diz respeito s� � cria��o de um espa�o geogr�fico, mas da ascens�o de debates historicamente silenciados, como a luta do movimento negro. A maioria dos primeiros moradores eram, al�m de pobres, pessoas pretas, que entre outras quest�es sofridas, tamb�m enfrentavam o racismo. Manter a uni�o no bairro foi um ato pol�tico.

“Na minha adolesc�ncia n�o fal�vamos ‘moro no Campo Alegre’. Diz�amos que era no Planalto, porque todos tinham vergonha, era um lugar muito feio. Hoje n�o. Sempre aparece algu�m dizendo que mora aqui. O Campo Alegre recuado, l� do passado, n�o existe mais. Quando meu trabalho passou a ter reconhecimento fora de Minas, entendi que eu n�o gostava de BH porque � um local que valoriza CEPs e sobrenomes. Minha estrat�gia � mostrar que os bairros da periferia n�o devem nada aos da zona sul em termos de criatividade. Fazer um livro como o “Campo Alegre” � pol�tico. N�o precisa comparar o bairro com as regi�es mais ricas, n�s temos tudo aqui”, finaliza o poeta Ricardo Aleixo.

Servi�o

.“Campo Alegre”, de Ricardo Aleixo, ser� lan�ado neste s�bado (10/12), na livraria Outlet do Livro
.Hor�rio: das 11h �s 14h
.Endere�o:  Rua Para�ba, 1.419





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