“A minha preocupa��o � cair, desabar e matar todo mundo.” Sem dormir ap�s uma noite de fortes chuvas que encheram o terreno de sua casa de lama, dos fundos at� a entrada, Maria Geralda Nascimento Sena, de 55 anos, se diz aterrorizada. Terror este vivido ano ap�s ano em diversas regi�es de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais.
Anualmente, com a chegada dos per�odos chuvosos, bairros de BH, principalmente nas �reas informais, vilas e favelas, segundo a Prefeitura Municipal, ganham ares de cen�rios de guerra. Deslizamentos, eros�es e enchentes se tornam rotineiros e destroem bens materiais, ferem o psicol�gico e tiram vidas.

Medo de morrer
Os bairros Novo Lajedo e Novo Tupi, na Regi�o Norte da cidade, s�o duas dessas �reas de alto risco. Auxiliar de servi�os gerais, Maria Geralda mora com os tr�s filhos, de 12, 19 e 25, na divisa entre os locais e vem sofrendo com deslizamentos de encosta h� alguns anos. “Eu n�o dormi essa noite. J� entrou �gua, lama muitas vezes aqui em casa”, contou, acrescentando que n�o tem para onde ir se precisar deixar a sua casa.

Ela cobra provid�ncias do poder p�blico. “Alguma coisa tem que ser feita. Eu n�o posso morrer e nem deixar meus filhos. Se continuar do jeito que est� vamos ter que sair. Mas eu n�o sei para onde vou.” A inseguran�a se manifesta nas l�grimas de Maria Geralda, que chora ao relatar o terror vivido. “Quem n�o tem medo de morar debaixo de um ‘trem’ desses? Se desaba, mata todo mundo.”
Rio de lama
Rita Maria de Jesus, de 78, � deficiente visual e diab�tica e vive a duas casas de dist�ncia de Maria Geralda. Na noite entre 20 e 21 de dezembro, as fortes chuvas no bairro levaram um rio de lama para dentro de sua casa. Impossibilitada de limpar sua pr�pria resid�ncia, a idosa contou com a ajuda de seu vizinho Ad�o, de 66, para retirar a lama. �s 11h, o homem disse que limpava o local desde as 3h. O barro cobria praticamente todos os c�modos da moradia. “J� � a segunda vez que desce �gua do morro. � ter paci�ncia”, disse ele.
J� dona Rita aguardava deitada em seu quarto, onde afirmou que nem ela nem Ad�o dormiram essa noite. “Tenho vontade de ajudar ele. Ele n�o est� com sa�de.” Precisando de repouso, a idosa disse viver intranquila. “Tenho medo de estourar l� de cima e vir tudo para cima da gente. Est� perigoso.” Questionada se tem para onde ir em caso de necessidade de deixar a casa, dona Rita fez sinal negativo. “N�o tenho para onde ir, n�o.”
Jorge Monteiro Greg�rio, presidente da Associa��o de Moradores do Bairro Novo Lajedo e Vilas e Bairros Adjacentes, de 60, afirmou que os deslizamentos s�o recorrentes. “Nos �ltimos dois anos, moradores foram retirados das casas ap�s deslizamentos. Mas tem outros que continuam aqui e as casas n�o possuem uma estrutura em que se possa confiar.”

Sofrimento
No Beco da Penha, popularmente conhecido como Vila do Chaves, Bairro Calif�rnia, Regi�o Noroeste de Belo Horizonte, o temor � o mesmo. Barracos se amontoam numa encosta onde � poss�vel ver diversos sinais de deslizamento. A Defesa Civil de BH j� recomendou que moradores deixem suas moradias.
Eliete Batista Barbosa tem 42 e mora com o marido John Batista e seus cinco filhos, com idades entre 4 e 13 anos, na vila. Diarista, a mulher mora h� oito anos no local e relatou muito sofrimento nos per�odos chuvosos. “Falta muita coisa para a gente ter sossego. � uma dificuldade enorme. Muito sofrimento.”
Perguntada sobre a atua��o de �rg�os p�blicos no local, Eliete afirmou que a Defesa Civil municipal costuma fazer vistorias nas casas, mas quando a pergunta foi se a PBH atua no local, a mulher riu, como se tivesse ouvido uma piada. “Eu nem conhe�o a prefeitura. Nunca veio. Nunca deu apoio nenhum. A gente sofre pela gente e pelos vizinhos. Outro dia, uma casa caiu, noutro, mais uma. A gente pensa no coletivo, somos uma fam�lia. Chega o per�odo chuvoso e a gente j� n�o dorme direito”, disse Eliete.
Dayane Oliveira, de 30, catadora de materiais recicl�veis, mora h� seis anos com o filho Miguel, de 8, num barraco alguns metros acima da casa de Eliete. Apesar de ser chamada de Vila do Chaves, o local � menos uma vila e mais um barranco desmoronando com algumas constru��es que parecem estar penduradas.
Os acessos s�o prec�rios e Dayane sofre para transportar Miguel, que usa uma pr�tese no lugar de uma das pernas, que n�o tem por causa de uma m�-forma��o cong�nita. Tombos dela e do garoto, que muitas vezes � levado nas costas pelo barranco escorregadio de barro, n�o s�o incomuns. “J� ca� com ele no colo, tive que tomar inje��es na coluna, fiquei travada na cama. Ele j� caiu tamb�m, porque estava sem pr�tese. A pr�tese dele sai muito.”
Com parte de sua casa j� tendo cedido, a catadora afirma recorrer a parentes e vizinhos quando precisa deixar o local, mas que n�o tem condi��es de se mudar definitivamente. Os deslizamentos constantes t�m estragado suas poucas posses. “Estou perdendo meus ‘moveizinhos’. Sou sozinha, o pai dele (Miguel) faleceu.”
Pior a cada ano
Geni Mendes, de 50, � manicure e l�der comunit�ria do local. Ela afirmou que os problemas da ocupa��o s�o “piores do que ela imaginava” quando assumiu a lideran�a. “� muito sofrimento.” Segundo Mendes, s�o 152 fam�lias cadastradas no Cras e no per�odo de chuvas os problemas se intensificam. “Cada ano que passa � pior e a gente n�o tem ajuda do poder p�blico. Aqui � o povo que ajuda o povo.” Aos prantos, a l�der comunit�ria fala dos sentimentos de ver pessoas que “adotou” passando por situa��es dif�ceis. “Como m�e e av�, eu queria fazer mais pelo povo. D�i muito.”
Em conversas com moradores da Vila do Chaves, a palavra “sofrimento” � a que mais se repete, mas Geni, ainda chorando, termina falando de seu sonho.
“Cada ano que passa, eu espero que mude alguma coisa. Tenho f� e esperan�a. Com um ajudando o outro, a gente vai chegar l�.”
O QUE DIZ A PBH
Procurada pela reportagem do EM, a PBH afirmou que tem investido em obras e a��es permanentes de prote��o da popula��o contra os riscos de desastres. O �rg�o informou que neste per�odo chuvoso, entre setembro e 20 de dezembro, 551 vistorias e 96 remo��es foram realizadas. Segundo a administra��o municipal, a maioria das fam�lias foi acolhida no Programa Bolsa Moradia. A Prefeitura destacou tamb�m que, desde o �ltimo s�bado, equipes de diversos �rg�os municipais est�o em alerta 24 horas por dia para atua��o imediata.
Em rela��o ao Novo Lajedo, a informa��o � de que esse � um dos locais priorizados pela prefeitura, em parceria com o Banco Mundial, para a realiza��o de projetos executivos/estudos para defini��es de interven��es e obras estruturantes.