Nova pra�a na Afonso Pena? Os detalhes do plano para mudar o cora��o de BH
Moradores da capital, visitantes e arquitetos avaliam o pacote que promete mudan�as na �rea central da cidade, regi�o que h� muito tempo pede socorro
Mirante e point da �rea central, a Rua Sapuca� virou oficialmente �rea de lazer aos domingos, com o tr�nsito dando lugar a ciclistas e pedestres (foto: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS)
Uma BH em busca de ampliar horizontes, fortalecer a cena urbana, valorizar seu potencial. Um passo decisivo nesse sentido j� pode ser observado a cada domingo, quando a Rua Sapuca�, no Bairro Floresta, de onde se avista grande parte da Regi�o Centro-Sul, fica fechada ao tr�nsito de ve�culos. Ponto charmoso de bares, restaurantes e lazer da capital, a via p�blica ganhou espa�o suficiente para divers�o das fam�lias, caminhadas, papo com os amigos... E virou tamb�m ponto de partida para um projeto bem maior.
Iniciativa da Prefeitura de Belo Horizonte, o fechamento da Sapuca�, territ�rio de pr�dios hist�ricos, integra o pacote de interven��es Centro de Todo Mundo, que pretende, al�m de deixar a regi�o mais bonita, arborizada e acess�vel, melhorar op��es de mobilidade, lazer, cultura, desenvolvimento e seguran�a. “BH j� perdeu muito, n�o pode continuar desse jeito. H� muitas urg�ncias”, acredita o morador Edison Faria, de 78 anos, contador, que garante conhecer cada palmo da capital e sugere outras a��es, a exemplo da requalifica��o do entorno da rodovi�ria.
O Instituto dos Arquitetos do Brasil se��o Minas Gerais (IAB-MG) apoia a iniciativa, e a diretora de Cidades, arquiteta e urbanista Ana Maria Schmidt, com experi�ncia em outros projetos para o Centro de BH, observa que cada passo deve contemplar, antes de tudo, a popula��o. “A vida vem sempre em primeiro lugar. N�o adianta fazer interven��es se n�o houver gente para morar, circular, ir ao com�rcio, desfrutar do lazer, enfim, gerar demandas, proporcionar vida e alma � cidade.”
O presidente da Associa��o de Lojistas do Hipercentro, Fl�vio Froes, comunga dessa ideia e est� certo de que, com as novidades, os belo-horizontinos v�o descobrir muito de uma cidade que ainda n�o conhecem.
Paisagem obstru�da na Afonso Pena
O contador Edison Faria, de 78 anos, se orgulha de conhecer o Centro de Belo Horizonte como a palma da m�o. Tanto que, na maior intimidade, indica pr�dios �cones da regi�o, muitos nos quais trabalhou ao longo das �ltimas seis d�cadas. “Ali est� o Acaiaca; do outro lado da Avenida Afonso Pena, tem um pr�dio bem antigo, e aqui temos o Sulacap (Edif�cio Novo Sul Am�rica). Neste, infelizmente, n�o trabalhei, pois, na �poca, a empresa achou o pre�o das salas muito alto”, diz o morador do Bairro Fern�o Dias, na Regi�o Nordeste de BH.
Na tarde de quinta-feira, na Avenida Afonso Pena, enquanto esperava o transporte na frente do Sulacap para voltar para casa, Edison se mostrava satisfeito com o an�ncio da prefeitura de que, entre outras interven��es no Centro, pretende demolir um acr�scimo feito no im�vel na d�cada de 1970 – na verdade, um “puxadinho” execrado pelos arquitetos e considerado um corpo estranho, que nasceu � revelia das autoridades.
“A cidade tem muitas urg�ncias, entre elas a necessidade de requalifica��o do entorno da rodovi�ria (veja quadro com sugest�es), hoje uma �rea bem confusa. J� acabaram com constru��es importantes em BH, perdemos muitas refer�ncias. Nesse projeto de agora, trata-se de uma obra bem-vinda, pois recupera o patrim�nio original”, diz o contador. H� 21 anos, reportagem do Estado de Minas chamava a aten��o para a perda de identidade do Centro de BH, destacando o anexo comercial do Sulacap, considerado um dos “horrores” da regi�o.
Anexo das torres do Sulacap obstruiu a vis�o prevista no projeto original (foto: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS)
No corredor formado pelas duas torres do Sulacap, e sob o acr�scimo onde funcionou um curso pr�-vestibular, h� fotos antigas do edif�cio. No registro em preto e branco de meados do s�culo passado, v�-se perfeitamente a integra��o do pr�dio de 1946 – em estilo art d�co, projetado pelo arquiteto Roberto Capello – com o Viaduto Santa Tereza. “Comecei a trabalhar no Centro em 1963. Essas imagens ficam na mem�ria”, afirma o contador Edison que, pela simpatia e conhecimento, poderia unir a contabilidade � conta��o de hist�rias.
O prefeito Fuad Noman (PSD) est� firme no prop�sito de executar a interven��o no Edif�cio Sulacap. Segundo j� disse em reuni�o, a proposta significa “a concretiza��o de um velho sonho de muitos belo-horizontinos”. O decreto de desapropria��o para posterior demoli��o foi publicado na �ltima sexta-feira (10/03), no Di�rio Oficial do Munic�pio (DOM), destacando que o projeto “destina-se � valoriza��o do patrim�nio hist�rico e cultural e restitui��o da Pra�a da Independ�ncia, com restauro dos jardins, na Avenida Afonso Pena entre as ruas da Bahia e dos Tamoios”. Prazos para a obra ser�o definidos ap�s a conclus�o do processo de desapropria��o.
Ent�o, um pouco da hist�ria, conforme os documentos da PBH, e um spoiler do que moradores e visitantes ainda poder�o ver. Constru�do no lugar do antigo pr�dio dos Correios, o Edif�cio Sulacap reunia duas torres distribu�das simetricamente em rela��o ao terreno, mantendo entre si uma pra�a para permitir o fluxo de pedestres entre o Viaduto Santa Tereza – por meio de uma escadaria – e Avenida Afonso Pena.
Essa �rea n�o edificada, situada no plano da avenida, projetava-se no horizonte por meio de um v�o livre que permitia o perfeito enquadramento da Avenida Assis Chateaubriand, situada aos fundos, em plano inferior. Mas a constru��o do anexo comercial – o tal “puxadinho” – desfigurou completamente o projeto original. Al�m de ocupar o que antes era um espa�o p�blico, obstruiu a visada que se tinha a partir da Avenida Afonso Pena.
Aviso pr�vio
Segundo S�rgio Gontijo, diretor da Administradora Metr�pole, respons�vel por alugar tr�s das cinco lojas do anexo do Edif�cio Sulacap, a PBH sinalizou com o interesse de intervir no local desde o in�cio deste ano: “Recebemos a notifica��o da prefeitura e o decreto oficializou a desapropria��o. Agora, vamos trabalhar para viabilizar isso de uma forma tranquila”.
Os valores de indeniza��o ainda n�o foram negociados, mas a conversa est� pr�xima. “Como � uma desapropria��o, n�o h� como resistir. Agora temos que trabalhar em cima das ofertas da prefeitura e isso deve acontecer dentro de pouco tempo”, prev� o executivo.
Protestos
A iniciativa da Prefeitura de Belo Horizonte para recuperar o projeto original do Edif�cio Sulacap encontra boa receptividade no Instituto dos Arquitetos do Brasil se��o Minas Gerais (IAB-MG), entidade que se mostra disposta a colaborar nessa e outras interven��es na capital, afirma a diretora de Cidades, Ana Maria Schmidt.
Experiente em projetos e planos urbanos, um deles participando como coordenadora, a arquiteta e urbanista explica que, na �poca da constru��o do anexo no Sulacap, houve protestos, mas a obra prosseguiu. “A interven��o causou indigna��o, pois configurava descaracteriza��o do cerne de um projeto que ‘conversava’ com a cidade, gerando espa�os de conv�vio e mirante.”
Cidad�o precisa ter prioridade
Em qualquer tempo, a requalifica��o, organiza��o e aproveitamento dos espa�os urbanos devem contemplar, em primeiro lugar, a popula��o, ressalta Ana Schmidt do IAB-MG. “A vida vem sempre em primeiro lugar. Assim, n�o adianta fazer interven��es se n�o houver gente para morar, circular, ir ao com�rcio, desfrutar do lazer, enfim, gerar demandas e proporcionar vida e alma na cidade, respeitando o Centro Hist�rico. A��es para melhorar a regi�o central devem ter sempre esse objetivo”, destaca.
Segundo a PBH, o programa Centro de Todo Mundo, dentro dessa perspectiva, prev� aumento das oportunidades de moradia, trabalho e lazer na Regi�o Central. Na avalia��o de Ana Schmidt, as propostas podem atrair pessoas com faixas de renda diferenciadas, mas, antes de tudo, torna-se necess�rio n�o ignorar a popula��o em situa��o de rua, que saiu de suas moradias por v�rios motivos e pode ser vista em todos os cantos da cidade, ou cair no risco da “gentrifica��o”.
Transforma��o social muito comum em grandes cidades do mundo, a gentrifica��o consiste em apropria��o de �reas populares pela popula��o de classe m�dia-alta, resultando na expuls�o dos antigos moradores e eleva��o dos alugu�is. “Temos muitos im�veis ociosos, desde escrit�rios a resid�ncias, fruto ainda da sa�da de moradores e principalmente de muitas atividades que, a partir da d�cada de 1970, migraram para outras �reas – como ocorreu ao longo do tempo tamb�m com as do governo do estado e bancos, que se reestruturam com menos funcion�rios”, constata Ana Schmidt.
Ela avalia que muitos im�veis p�blicos e hot�is que fecharam as portas podem ser transformados em moradias. O momento, portanto, mostra-se oportuno para a mudan�a. “Com gente morando, com o com�rcio funcionando, servi�os, vida cultural e boemia, h� at� mais seguran�a para moradores e visitantes do Centro.”
Novos projetos
Na Avenida Afonso Pena, diante do Parque Municipal, tamb�m alvo de interven��es da PBH, a diretora de Cidades do IAB-MG volta no tempo para destacar o projeto BH Centro, alvo de um concurso nacional, em 1989, para uma s�rie de obras de restaura��o.
As interven��es iam da recupera��o das cal�adas de pedras portuguesas, remanescentes da �poca da constru��o de BH (inaugurada em 12/12/ 1897) a projetos vi�rios, elaborados em 1990 e 1991, passando pela despolui��o de edif�cios hist�ricos, exposi��o de fachadas de v�rias �pocas e foco na programa��o visual, sinaliza��o informativa para moradores e visitantes, invent�rio da arboriza��o, paisagismo, recupera��o da Pra�a Sete e interven��es nas avenidas Amazonas e no Parque Municipal.
Felizmente, complementa, a administra��o seguinte deu continuidade ao projeto, com o restauro do Viaduto Santa Tereza, “uma escultura po�tica na paisagem”, da Pra�a Raul Soares e da Pra�a da Esta��o, palco de grandes manifesta��es, e muitas outras.
“Ganhamos o concurso. Coordenei uma equipe de 10 arquitetos e profissionais de engenharia, sociologia, design e de arte, que a cidade requer. Era um grupo multidisciplinar. Mas algumas propostas foram realizadas, outras, n�o”, conta Ana Schmidt, certa de que BH ainda precisa de muitas interven��es essenciais ao seu bom funcionamento.
A curto prazo, a arquiteta acredita ser preciso repensar o entorno da rodovi�ria, considerando a readequa��o ao uso como terminal urbano e espa�os multiusos. “Em v�speras de feriados, o local fica intransit�vel, com desconforto e perda de tempo para motoristas e viajantes. Devemos pensar, sempre, no conforto das pessoas, pois ali tem conex�o com o metr�. � para fluir, e n�o para criar gargalos”, destaca.
Outro via essencial, a Avenida Afonso Pena, demanda um tratamento diferenciado, avalia a especialista. “A longo prazo, as autoridades devem elaborar projetos para desafogar o tr�nsito, deixar mais espa�o para as pessoas caminharem, os ciclistas. Gradativamente, os �nibus devem ser retirados, mas com crit�rio.”