Montes Claros/Francisco S� – H� precisamente um ano, a rodovia federal que concentra dois dos tr�s pontos com maior n�mero de mortes em Minas ceifava mais seis vidas em um �nico desastre – e exatamente em um dos locais de risco, o Km 476, segundo mostra levantamento do Estado de Minas com base em dados da Pol�cia Rodovi�ria Federal. Todos os ocupantes de um carro – dois homens, duas mulheres e duas crian�as – morreram quando o ve�culo com placa de Bertioga (SP) foi atingido de frente por uma carreta carregada de placas de gesso no perigoso trecho, uma das armadilhas conhecidas das estradas de Minas.
A trag�dia ilustra o motivo de a rodovia aparecer duas vezes entre os 10 locais que concentram maior n�mero de �bitos entre toda a malha rodovi�ria federal do pa�s (veja arte na p�gina ao lado). Ajuda a explicar tamb�m porque a estrada � temida pelos pr�prios moradores da regi�o. “N�o consigo mais dirigir na BR-251. Nela, s� ando de �nibus ou com algu�m de confian�a. Mesmo assim, tenho medo”, afirma a banc�ria Am�lia Terezinha Rodrigues Brito, moradora de Francisco S�, que j� se acidentou e perdeu parentes na estrada. Um sentimento que � compartilhado pelo professor Joaquim Fernandes Pena Soares, da mesma cidade.
N�o s�o exce��es. A tens�o � indesejada companheira de viagem para milhares de pessoas que precisam percorrer a BR-251, uma das rodovias mais movimentadas de Minas, com grande fluxo de caminh�es e carretas que viajam do Centro/Sul para o Norte/Nordeste do pa�s. Um tr�fego estimado em mais de 10 mil ve�culos por dia, que virou triste retrato da carnificina nas estradas brasileiras.

A estrada, que liga Montes Claros � BR 116 (Rio-Bahia) em extens�o de 300 quil�metros, passando por Salinas, tornou-se uma das mais perigosas de Minas Gerais e do pa�s. Seus registros di�rios de mortos e feridos provocam bem mais que traumas entre v�timas e familiares. A m� fama do trecho espalha uma esp�cie de p�nico entre pessoas que dependem dele para se deslocar de uma cidade a outra.

Estrada do medo
Pista simples, descidas e curvas perigosas, somadas ao intenso tr�nsito de caminh�es e carretas fazem do medo uma constante para quem precisa viajar pela BR-251. Foi que constatou a equipe de reportagem do Estado de Minas, que, na �ltima quarta-feira (22), percorreu a estrada, de Montes Claros, at� a Serra de Francisco S�, um dos trechos mais perigosos, onde os acidentes s�o constantes, apesar dos alertas da sinaliza��o e da instala��o de radares.
A equipe do EM passou pelo Km 509 da BR-251, que, segundo dados da PRF, � o ponto rodovi�rio mais mortal de Minas, tendo registrado, de janeiro de 2020 a janeiro de 2023, um total de nove mortos e 12 feridos em apenas tr�s graves acidentes. V�timas do risco elevado, representado por uma forte curva em pista simples, localizado ap�s longo trecho �ngreme.

Logo ap�s a �rea urbana de Francisco S� (distante 42 quil�metros de Montes Claros), encontra-se a Serra de Francisco S�. Embora os moradores se refiram genericamente � �rea como “curva da morte”, o trecho �, na verdade, uma sequ�ncia de curvas em regi�o �ngreme, ao longo de seis quil�metros, do Km 470 ao Km 476.
Situado logo ao fim da descida da serra, o km 476, onde h� um ano ocorreu a trag�dia com o ve�culo de S�o Paulo, tamb�m est� entre os pontos rodovi�rios mais mortais do pa�s, segundo dados da PRF. Entre 2020 e 2023 ocorreram sete mortes no local, em apenas dois acidentes.

Imprud�ncia ignora avisos
Na Serra de Francisco S�, os riscos da sequ�ncia de curvas em trecho �ngreme s�o agravados pelo asfalto liso. Al�m do perigo evidente e da sinaliza��o, cruzes �s margens da rodovia s�o alertas sobre as muitas vidas encerradas de forma violenta na regi�o.
Mesmo com esses avisos, motoristas desrespeitam o limite de velocidade e fazem ultrapassagens proibidas, o que contribui para os acidentes. A observa��o � do sargento Lyon Freitas, do Corpo de Bombeiros de Francisco S�, ouvido pela reportagem no perigoso trecho da BR-251 na serra perto da cidade.
Ao elencar os motivos de acidentes no trecho, ele salienta a geometria das pistas, o fluxo intenso e misto de ve�culos de carga e passeio, as ultrapassagens indevidas e a alta velocidade, apesar da exist�ncia de radares ao longo do trecho perigoso.
“Tamb�m ocorrem muitos acidentes devido � perda dos freios de caminh�es e carretas na descida da serra”, afirma Freitas, que, com sua guarni��o, sempre atende a ocorr�ncias no local. “Nossa demanda � muito grande. Infelizmente, sempre deparamos com acidentes graves, muitas vezes com �bitos”, lamentou.
O sargento Frederico Santos de Jesus, tamb�m da unidade dos Bombeiros de Francisco S�, observa que os acidentes aumentam no per�odo do chuvoso, por causa da pista escorregadia, e no fim de ano, fazendo muitas v�timas de S�o Paulo – normalmente, pessoas que viajam para rever parentes no Nordeste e desconhecem o perigo da rodovia que corta o Norte de Minas.
O trauma de quem viu a morte de perto
Se a simples men��o a uma viagem pela BR-251 j� causa arrepios em quem conhece a fama da estrada, para quem j� esteve envolvido em acidente e perdeu parentes na rodovia, o pavor � maior ainda. Essa � a situa��o enfrentada pela banc�ria Am�lia Terezinha Rodrigues Brito, de 34 anos, de Francisco S�. Desde dezembro, Am�lia enfrenta os traumas de um acidente de carro que sofreu na perigosa Serra de Francisco S�, onde j� havia perdido tr�s pessoas pr�ximas – um tio, uma tia e o padrinho.
�s v�speras do �ltimo Natal, em 22 de dezembro, Am�lia retornava de Salinas para sua cidade dirigindo um Fiat Uno. Quando se aproximava da descida da serra, em meio a chuva e neblina, o carro dela se chocou contra a traseira de um �nibus que estava parado na pista. “Quando percebi, estava em cima do �nibus. Tentei desviar, mas n�o consegui evitar a batida”, conta a banc�ria, que viajava com tr�s crian�as no banco de tr�s – duas sobrinhas, de 10 e 11 anos, e a filha, com 10 meses de vida.
Am�lia sofreu ferimentos na m�o direita e as crian�as praticamente sa�ram ilesas. “Mas, assim como minhas sobrinhas, fiquei um m�s com dores no corpo. O carro teve perda total”, conta. Ela afirma que hoje o maior sofrimento s�o as consequ�ncias psicol�gicas do desastre. “Sinto gratid�o por n�o ter tido nada grave, mas fico em p�nico quando me lembro (do acidente)”, diz. “Quando ou�o uma sirene de ambul�ncia, meu cora��o aperta, meu peito d�i, eu choro onde eu estiver”, completa.
A banc�ria informa que, a cada 15 dias, precisa viajar para Salinas (a 172 quil�metros de Francisco S�), passando pelo perigoso trecho da serra onde sofreu o acidente. “S� vou se for de �nibus, ou no carro com algu�m de confian�a”, afirma.
O motorista Francisco Carlos de Oliveira, de 62 anos, que faz transporte de passageiros, se desloca diariamente pelo trecho da BR-251 entre Montes Claros e Francisco S�, mas j� decidiu reduzir as viagens. “Fazia at� quatro viagens por dia. Agora, s� fa�o uma”, afirma o morador de Francisco S�.
Ele salienta que a imprud�ncia e a pressa dos condutores de ve�culos de carga aumentam o perigo na BR-251. “Uma das virtudes que os caminhoneiros n�o t�m � a paci�ncia”, diz, apontando as ultrapassagens em locais indevidos como uma das principais causas de acidentes na rodovia.
Mas o motorista cobra tamb�m melhorias na BR-251, principalmente no trecho da Serra de Francisco S�, para diminuir os desastres e evitar mortes. “Se uma carreta perder o freio na descida da serra, n�o tem pra onde escapar. Ou ela passa por cima do seu carro ou bate no barranco. Com o fluxo enorme de caminh�es, tem que alargar a estrada”, reclama.
Abaixo-assinado
Diante do aumento de acidentes na BR-251, um movimento em Francisco S� envolvendo o Rotary, a Ma�onaria e igrejas organizou abaixo-assinado a ser enviado a deputados federais e senadores, cobrando melhorias na rodovia. As lideran�as pedem recursos or�ament�rios para recupera��o dos trechos mais perigosos da BR-251, principalmente de Montes Claros a Francisco S� e da cidade at� Salinas.
Os organizadores destacam que a BR-251 � uma das rodovias mais movimentadas do pa�s, com fluxo de mais de 20 mil ve�culos por dia, e se encontra em p�ssimo estado de conserva��o, com trechos que exigem duplica��o.
Manuten��o
Atualmente, est�o sendo feitas obras de recapeamento na BR-251. Entre Montes Claros e Francisco S�, os motoristas devem redobrar aten��o diante da falta da marca��o das faixas na pista em determinados pontos, por causa dos servi�os.
O Departamento Nacional de Infraestrutura em Transportes (Dnit) informou que a BR-251 � coberta por contratos de manuten��o em todo o segmento.
Trecho perigoso
O empres�rio Eduardo Veloso, que, h� mais de 20 anos, trabalha no ramo de funer�ria no Norte de Minas, afirma que perdeu as contas dos corpos que resgatou em trag�dias na BR 251, especialmente, no perigoso trecho da Serra de Francisco S�. “Vi cenas fortes e muitas vidas ceifadas nos acidentes na estrada, incluindo adultos e crian�as”, afirma a fonte.