As coordenadas que marcam locais de desastres n�o deixam d�vidas sobre os pontos exatos onde ficam curvas, trevos e outras armadilhas que mais matam nas rodovias federais brasileiras. As estat�sticas provam que s�o os mesmos, e que vitimam pessoas h� anos, com pouca ou nenhuma interfer�ncia do poder p�blico. Dos 10 piores, tr�s est�o em Minas, dois deles na BR-251, a mais mort�fera do estado por esse crit�rio, e a que tem maior concentra��o de lugares cr�ticos. Outros dois ficam em S�o Paulo, dois na Bahia, um no Paran� e um no Mato Grosso, sendo o mais letal deles no Cear�.
� o que mostra com exclusividade mapeamento feito pela reportagem do Estado de Minas a partir de processamento de dados dos acidentes georreferenciados pela Pol�cia Rodovi�ria Federal (PRF) entre janeiro de 2020 e janeiro de 2023, compilados sob orienta��o de especialistas em transporte e tr�nsito. Um levantamento que aponta – �s v�speras do recesso prolongado da Semana Santa, quando aumenta o movimento nas estradas de todo o pa�s – as armadilhas rodovi�rias mais mortais do Brasil, � espera de a��es que possam estancar uma rotina de massacres no asfalto.
S� em Minas Gerais, estado onde mais pessoas morreram em acidentes rodovi�rios no per�odo avaliado – foram 2.167 �bitos, 13% do total nacional de 16.555 – foram identificadas no mapeamento 66 coordenadas de desastres recorrentes (confira on-line cada trecho em guia feito pelo em.com.br). “Esses s�o os verdadeiros matadouros das rodovias brasileiras. E � ainda mais grave pensar nessa situa��o, porque uma vez que s�o conhecidos h� tanto tempo, pelo menos desde 2020, n�o h� outra palavra que n�o seja omiss�o para descrever a falta de a��o do poder p�blico para prevenir mortes nesses locais”, define o mestre e consultor em transportes e tr�nsito Silvestre de Andrade Puty Filho.
“Beira a neglig�ncia termos pontos exatos onde pessoas morrem aos montes e nada definitivo ser feito para interromper a sangria, pelo menos nessas verdadeiras armadilhas. As rodovias t�m trechos longos que precisam de duplica��o, de melhorias na geometria. Mas tudo sempre esbarra na desculpa de falta de verbas. Com isso, vivemos entre remendos, mortes e dor”, resume o professor aposentado da Fumec M�rcio Aguiar, engenheiro, consultor e especialista em transporte e tr�nsito.
Degrada��o
E a tend�ncia n�o tem sido de redu��o dos segmentos mais perigosos e com condi��es deterioradas, como mostram estudos como a pesquisa “Transporte rodovi�rio – Os pontos cr�ticos nas rodovias brasileiras”, da Confedera��o Nacional do Transporte (CNT). Divulgado em janeiro, o levantamento aponta que, entre 2021 e 2022, esses locais prop�cios a acidentes no Brasil aumentaram 50%, passando de 1.739 para 2.610.

A estimativa do estudo � de que seriam necess�rios R$ 5,24 bilh�es para sanar os problemas – 28% do or�amento do Minist�rio da Infraestrutura para 2023. Minas Gerais mais uma vez det�m a maior quantidade de trechos perigosos, respondendo por 15,2% dos identificados pela pesquisa.
Armadilhas
O ponto rodovi�rio que mais custou vidas entre janeiro de 2020 e janeiro de 2023 fica em Caucaia (CE), na Regi�o Metropolitana de Fortaleza, na altura do Km 406 da BR-020 (veja mapa). Na estrada, a que registrou mais mortes no Cear�, em 2023, segundo a CNT, morreram 13 pessoas e 10 ficaram feridas em 13 acidentes.
Trata-se de um segmento urbano, com com�rcio, ind�strias, servi�os privados e p�blicos, onde a imprud�ncia se encontra com a falta de estrutura. A pista duplicada e esburacada que sai de Fortaleza no sentido Bras�lia se afunila em duas simples e praticamente se acaba em uma mancha cinzenta de asfalto com areia e terra, sem faixas de sinaliza��o vis�veis.
No trecho, tr�fego em alta velocidade, transporte pesado e de passageiros se misturam entre manobras de acesso para todos os lados, sem ordenamento necess�rio.
Choque na madrugada
Foi tentando transpor esse caos que o irm�o da cabeleireira Josialine Garcia, de 44 anos, se feriu gravemente quando um carro atravessou a estrada em alta velocidade e atingiu a moto que ele pilotava, h� alguns meses. “Era madrugada, escuro ainda. Meu irm�o voou da moto. Quase morreu. Abriu at� a cabe�a, fundo mesmo. Jesus ajudou que ele estava de capacete. Foi tempo que passou no hospital e gemendo na cama de casa, sem trabalhar. Essa BR � perigosa demais”, resume.

Segundo ela, a situa��o no lugar at� chegou a melhorar com a instala��o de um sem�foro, mas n�o o bastante para desativar a armadilha. “Os motoristas n�o respeitam os retornos, nem os pedestres, a passarela. E piora, porque tem uma faculdade de um lado e uma UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) do outro”, descreve Josialine.
M�todo
Foram considerados neste levantamento os pontos precisos identificados pela PRF com dois ou mais acidentes que resultaram em mortes, com registro m�nimo de tr�s �bitos. A partir da�, foram classificados como piores os locais com mais mortes em menos acidentes. Um cuidado para evitar ao m�ximo ocorr�ncias espor�dicas com muitas v�timas, que poderiam deformar a an�lise e n�o traduzir a regularidade de desastres fatais pr�prios de cada local.
Mistura explosiva de estrada e cidade
Travessias urbanas movimentadas, com diversos acessos misturando tr�fego de passagem com o da cidade resultaram em v�rios acidentes, entre janeiro de 2020 e janeiro de 2023, sobretudo nos pontos mais mortais das rodovias brasileiras, al�m do pior deles, no Km 12 da BR-020, em Caucaia, no Cear�, como mostra com exclusividade a reportagem do EM.
Foi tamb�m nesse ambiente conflituoso que ocorreram 10 acidentes com 12 mortos no segundo ponto mais letal nas estradas do Brasil: a Fern�o Dias (BR-381 ), no Bairro de Ja�an�, na Zona Norte de S�o Paulo. Muito violenta, apesar de ter separa��o de sentidos, quatro faixas de cada lado, acostamento, marginal e passarela.
O mesmo ocorre no terceiro trecho, com cinco acidentes e 11 �bitos, no Km 161 da BR-101, em Concei��o do Jacu�pe (BA), onde, al�m dos acessos urbanos, foram abertas trilhas por dentro do canteiro central para transpor a rodovia. “N�o adianta fazer como na BR-020, no Cear�, colocando sem�foro, quebra-molas, sinaliza��o. Esses estreitamentos s�o de alto risco de acidentes. E as vias passam dentro das cidades. Tr�fegos de ritmos distintos para destinos diferentes na mesma estrada entram em conflitos graves. � preciso que haja contornos fora das cidades”, alerta o engenheiro M�rcio Aguiar.
Ele chama a aten��o ainda para a necessidade de monitoramento e fiscaliza��o ap�s as interven��es. “Quando se fizerem melhorias, � preciso que n�o se permita uma explos�o de ocupa��es das �reas, como vemos na BR-116, trazendo mais acidentes”, completa.
Promessas e projetos
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) informa que monitora mensalmente sua malha, por meio de levantamento denominado �ndice de Condi��o da Manuten��o. “Com foco direto na seguran�a vi�ria, o Dnit concebeu o programa BR-Legal, para proporcionar aumento da seguran�a, com implanta��o e manuten��o da sinaliza��o horizontal, vertical e dispositivos de seguran�a”, informa.
O departamento afirma atuar de forma educativa, com o Programa Nacional de Educa��o para o Tr�nsito, desenvolvendo a��es nas escolas de todo o pa�s.
Sobre o ponto mais mortal do Brasil, no Cear�, o departamento informa que h� plano de restaura��o. “H� contrato de manuten��o e conserva��o rodovi�ria ativo e vigente, que consiste em melhorar a qualidade do estado de conserva��o da rodovia.”
A ANTT informou que uma de suas atribui��es � garantir a seguran�a nas rodovias concedidas, e que para isso faz monitoramento constante da situa��o e das ocorr�ncias nas estradas. Dados das concession�rias orientam a��es junto �s empresas para a redu��o dos acidentes, e eventuais inadequa��es s�o punidas conforme previs�o em contrato.
Minas concentra mais �reas cr�ticas
Se n�o est� nas primeiras coloca��es entre os pontos mais letais das estradas brasileiras, Minas Gerais � o estado que mais vezes aparece no levantamento do EM com base em dados da Pol�cia Rodovi�ria Federal. S�o tr�s locais cr�ticos, dois deles na BR-251, no Norte de Minas. A via tem a sexta curva mais mortal, com tr�s acidentes e nove mortes no per�odo, no Km 509, em Francisco S�, e a nona pior, no Km 476, no mesmo munic�pio, onde ocorreram sete �bitos em dois desastres.
O d�cimo ponto com mais mortes no pa�s foi o Km 528 da BR-381 (Fern�o Dias), em Brumadinho, na Grande BH, tamb�m com sete mortos, mas em cinco acidentes. “Minas tem problemas de geometria, por ser um estado muito montanhoso. As rodovias acabam s�o muito sinuosas, acompanhando antigos tra�ados perigosos, que n�o evolu�ram, mas recebem tr�fego constantemente ampliado por ser passagem para v�rios estados. Soma-se a isso o fato de que comunidades inteiras cresceram �s margens dessas vias, completando o cen�rio prop�cio para desastres”, observa M�rcio Aguiar.
PRF afirma que faz sua parte
A Pol�cia Rodovi�ria Federal informa que o policiamento � intensificado nos trechos identificados pelo alto �ndice de acidentes ou de infra��es, “garantindo aos usu�rios das rodovias federais seguran�a, conforto e fluidez do tr�nsito”. Segundo a corpora��o, a maioria dos acidentes graves s�o precedidos de irregularidades, que os policiais se esfor�am para combater.
A PRF afirma ainda que orienta suas a��es tamb�m com base nas estat�sticas usadas pela reportagem. “O refor�o no policiamento preventivo em locais e hor�rios de maior incid�ncia de acidentes graves – de acordo com as estat�sticas – tem a finalidade de conter n�meros de acidentalidade com as mais variadas causas, como velocidade incompat�vel, condutor que deixou de manter dist�ncia do ve�culo da frente, ingest�o de �lcool pelo condutor, ultrapassagem indevida etc.”