
Em que momento se processa a ocupa��o desordenada da Amaz�nia Legal?
Do ponto de vista mais contempor�neo, � importante recuperar pelo menos a fase de uma intensifica��o grande do processo de urbaniza��o e de industrializa��o, em meados dos anos 50 no Brasil. A mortalidade brasileira j� estava diminuindo. Mas a fecundidade – o n�mero m�dio de filhos por mulher no per�odo reprodutivo –, ainda n�o. Com isso, tivemos um crescimento populacional dos mais acelerados no pa�s, em torno de 3% ao ano. Rio de Janeiro e S�o Paulo, as maiores regi�es metropolitanas, cresciam muito. Ao mesmo tempo, havia �reas de estagna��o, basicamente, �reas rurais, �reas do Nordeste, �reas de Minas Gerais, por��es do Sul do pa�s, onde houve concentra��o fundi�ria muito grande, o que tamb�m levava as pessoas a migrar em busca de oportunidades.
Quais foram os principais destinos dessa migra��o?
Especialmente S�o Paulo, ou a Amaz�nia, que integrou um projeto geopol�tico no regime militar, configurando-se como uma esp�cie de v�lvula de escape para essa popula��o que crescia. Foi no governo militar que realmente houve o in�cio do processo de intensifica��o da ocupa��o, primeiro, via projetos de coloniza��o agr�cola, p�blicos e privados. E, com isso, a Amaz�nia ficou conhecida como uma regi�o que, do ponto de vista demogr�fico, passou a crescer a um ritmo mais intenso do que as outras. Sabemos hoje que essa ocupa��o foi muito desordenada, muito complexa, muito violenta, inclusive.
A Amaz�nia � um bioma muito particular, ent�o esses recursos naturais se esgotavam, o pequeno produtor n�o tinha linhas de cr�dito suficientes, n�o tinha apoio t�cnico suficiente. A solu��o ent�o seria abrir novas frentes de terra para a planta��o. O garimpo de ouro, tamb�m, surge como uma alternativa a essas dificuldades. Come�am a� todos os problemas que conhecemos hoje, e que, infelizmente, foram desembocar nessa crise humanit�ria e sanit�ria pela qual passam os Yanomamis, j� que essas pr�ticas foram intensificadas nos �ltimos anos. Mas, depois desse processo de migra��o acelerado na d�cada de 70, at� por conta das dificuldades de viver da lavoura na Amaz�nia, houve e ainda h� um processo de urbaniza��o muito intenso: as pessoas tendem a ir para as cidades. As capitais, praticamente todas, mas tamb�m as cidades que s�o polos regionais importantes, como Santar�m, funcionam como polos de atra��o, inclusive, por causa da oferta dos servi�os que podem suprir a necessidade do entorno. As capitais das regi�es, e as metr�poles como Bel�m e Manaus, que est�o no topo da hierarquia urbana da regi�o, crescem bastante, mas tamb�m Porto Velho, Macap�, Boa Vista... O que existe � uma urbaniza��o prec�ria, um processo de incha�o das periferias desses centros urbanos, com falta de saneamento, crescimento da viol�ncia... Nesse sentido, tamb�m retrata o que j� se experimentou em outras regi�es, por exemplo, do Sudeste e do Nordeste brasileiros.
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Com a exaust�o dos recursos, qual movimento tem sido mais intenso: a busca de outras �reas da floresta ou a urbaniza��o prec�ria?
Temos de esperar os dados do censo para confirmar as tend�ncias. Mas o que sabemos ao longo da hist�ria, desses processos da Amaz�nia? H� a ocupa��o de uma localidade e explora��o dos recursos naturais, at� que se esgotam. Quando isso ocorre, a mobilidade continua. Vou dar um exemplo. Em 1994 a regi�o do norte do Mato Grosso, sul do Par� e em parte de Rond�nia era a maior �rea end�mica de mal�ria do mundo. Eu estava em pesquisa no norte do Mato Grosso e havia garimpos de ouro, em Peixoto de Azevedo, Matup�, quase na divisa do Par�. Em 1994, o ouro j� estava se esgotando, e os garimpeiros j� diziam que iam para Roraima. Ainda mais o garimpo de ouro de aluvi�o, associado a todo esse processo que temos visto hoje na terra Yanomami, ele se intensificou e se agravou. Porque hoje o maquin�rio � muito mais pesado, a pr�pria viol�ncia na Amaz�nia, n�o que n�o existisse na d�cada de 90, mas a pr�pria entrada de armas, os conflitos de terra, as amea�as, grilagem, a explora��o de madeira ilegal, tudo isso se intensificou muito nos �ltimos anos. Esse � o complexo caldo que vai gerar a ocupa��o de novos espa�os na Amaz�nia Legal. S� que os novos espa�os, atualmente, t�m sido, predominantemente, as �reas urbanas das maiores cidades.
Como est�o os saldos migrat�rios na Amaz�nia?
Do fim do s�culo passado para o in�cio deste s�culo, h� uma inflex�o tamb�m nos saldos migrat�rios da pr�pria Amaz�nia, que passam ent�o a ser, no seu conjunto, negativos. Do ponto de vista geral, n�o se espera uma grande press�o demogr�fica, via migra��es, de outras partes do pa�s. Mas h� uma mobilidade interna muito grande. Ent�o, h� �reas na Amaz�nia que perdem popula��o, como as desmatadas, que s�o de coloniza��o mais antiga: entre 1986 e 1991, essa �rea hoje desmatada teve, nos processos migrat�rios inter-regionais, o segundo maior ganho de popula��o da Amaz�nia Legal. Essa tend�ncia se inverte nos quinqu�nios seguintes. A regi�o desmatada completa d�cadas de perdas populacionais, ainda que seja uma �rea imensa e diversificada, com alguns dos polos regionais mais importantes e atrativos da Amaz�nia Legal. Tamb�m de ocupa��o mais antiga e mais populosa, a regi�o n�o florestal – que � de cerrados e de campos, onde h� maior presen�a da agropecu�ria – manteve saldos negativos nos �ltimos quinqu�nios analisados at� 2014, mas d� sinais de que as perdas populacionais podem estar em decl�nio gradativo. Com perfil oposto, a regi�o da Amaz�nia sob press�o apresentou saldos positivos nos quase tr�s dec�nios de informa��es analisadas, embora com ind�cios de que possa estar passando por uma inflex�o no ritmo de crescimento via migra��es.
Quais os efeitos percebidos da atividade agropecu�ria sobre a ocupa��o do solo e a trajet�ria demogr�fica?
A expans�o da agropecu�ria se deu em princ�pio no cerrado, mas agora j� afeta a floresta. O agroneg�cio brasileiro � muito din�mico. Ele pr�prio gera uma cadeia de produ��o e incremento de novas cidades. Nessa grande �rea da Amaz�nia Legal, que incorpora tamb�m o estado do Mato Grosso, temos �reas que se desenvolveram tremendamente. A gente sabe que a pecu�ria brasileira, extensiva, � de muito baixa produtividade e gera desmatamento muito grande, que altera todas as condi��es, inclusive clim�ticas, do ponto de vista global. Ent�o, � claro que isso vai ter um rebatimento na pr�pria economia regional.