
Lucas e Jeniffer est�o longe das ruas e esperam o primeiro filho “num lar com banho quente”. Marin�s deixou no passado os infort�nios causados pelas enchentes colossais do Rio das Velhas, enquanto Jos� e Gislene, colegas em sala de aula, acenderam a luz contra o analfabetismo.. Neste Domingo de P�scoa, os cinco brasileiros, representando milh�es de pessoas que passam seus apertos em condi��es diversas e adversas, celebram novo tempo em suas vidas como uma “liberta��o”, ap�s unirem a for�a de vontade � determina��o e � oportunidade surgida.
Se a data de hoje, a maior do calend�rio crist�o, festeja a ressurei��o de Jesus, lembra tamb�m a sa�da dos judeus, escravizados no Egito, rumo � Terra Prometida. Neste 9 de abril de 2023, sem as amarras das barracas nas cal�adas, dos riscos das cheias fluviais e da falta de leitura, Lucas, Jeniffer, Marin�s, Jos� e Gislene se sentem confiantes para trilhar novos caminhos. E fazer sua travessia de esperan�a.

A longa travessia, pelas ruas, de Lucas Richard Nascimento dos Santos e Jeniffer Aparecida do Nascimento teve fim h� quatro meses, quando o casal deixou a vida em barracas nas cal�adas da Regi�o de Belo Horizonte para morar no Bairro Cai�ara, na Regi�o Noroeste. Na moradia com tr�s c�modos, Lucas e Jeniffer preparam a chegada do beb�, prevista para 13 de junho.
“Temos banho quente, algo que n�o existe na rua, n�? Isso � bom demais!”, afirma, com alegria, o futuro papai, que, para as despesas, revende bombons e pa�oca. “As pessoas nos ajudam a comprar, a� ganhamos um dinheiro.” Acariciando o ventre da mulher, ele brinca: “Quando a gente casar, nem vai precisar mexer nos documentos: n�s dois temos Nascimento no sobrenome”.
Olhando a nova moradia, com um port�o verde, na entrada, da cor da esperan�a do jovem casal, Jeniffer prefere esquecer os tempos de vida na rua. “� uma vida muito dif�cil, seria imposs�vel viver com um beb� daquela forma. Quero para meu filho o que n�o tivemos”.
Como testemunha de toda a hist�ria, est� a cadelinha Monique, enrodilhada aos p�s de Lucas e Jeniffer. “Ela nos aproximou. Era do Lucas, e ficou amiga de uma outra cachorrinha, de quem eu era ‘madrinha’. A�, nos conhecemos e estamos juntos”, conta a mulher. O aluguel e as despesas (�gua, luz, g�s) s�o pagos pelo coletivo Aluguel Solid�rio, e os dois contam ainda com ajuda da Pastoral de Rua da Arquidiocese de BH, do Instituto de Apoio e Orienta��o a Pessoas em Situa��o de Rua (Inaper) e projeto Comida que Abra�a.
Terra protegida
J� a pernambucana Marin�s de Ara�jo, de 48 anos, tem duas pontas da sua hist�ria unidas pela seca inclemente no sert�o nordestino e as enchentes tr�gicas do ver�o em Minas Gerais. Ainda crian�a, com a fam�lia, ela deixou a cidade natal, Afogados da Ingazeira, em busca de oportunidades em Bras�lia (DF). Mas o destino n�o estava na capital federal. Depois da chegada, nova partida, dessa vez em dire��o a Santa Luzia, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. “Sa�mos da falta de �gua e viemos para a beira do Rio das Velhas”, compara a m�e de Maicon de Ara�jo Santos, de 28, e Jefersson de Ara�jo Santos, de 16, e vov� de Arthur, de 4 anos.
Depois de residir em dois bairros de Santa Luzia, e sem condi��es de comprar um im�vel, Marin�s foi morar na localidade denominada Pantanal, �rea de invas�es a poucos metros do Rio das Velhas. Durante anos, sofreu os efeitos gigantescos das enchentes no afluente do S�o Francisco. “Quando vinha a chuva forte, come�ava a me desesperar, ainda mais vendo os meninos pequenos. Minha casa era boa, de dois andares, mas a for�a da �gua era t�o intensa, que pegava toda a parte de baixo do im�vel. Assim, quando o n�vel do rio abaixava, ficava dias e dias tirando, com enxada, o barro, a lama imunda que grudava em paredes e m�veis. Perdi muita mob�lia.”
Durante muito tempo, Marin�s acalentou o desejo de mudar de casa, viver em local seguro. “Queria dormir � noite sem me preocupar com o dia seguinte, se estaria viva ou debaixo d’�gua”, afirma. Mas nem tudo foi t�o f�cil: quando come�ava a aprumar e economizar, o filho ca�ula foi atropelado, na garupa de uma bicicleta, por um motoqueiro. Resultado: um dia ap�s o anivers�rio de 16 anos, em 12 de outubro, Jefersson quebrou o maxilar dos dois lados. “Felizmente, a recupera��o foi �tima, gra�as a Deus meu filho est� perfeito”, diz Marin�s, que � ministra da eucaristia e devota da Sagrada Fam�lia.
Sem esmorecer, a pernambucana de cora��o mineiro comprou um lote, j� com uma constru��o, na �rea regularizada do Bairro Nova Esperan�a, que fica em parte mais alta e sem risco de inunda��o. “Tenho meu emprego em casa de fam�lia, e me viro nas faxinas. Estou aliviada, realmente me libertei daquela pris�o que era o medo de perder n�o s� os m�veis, mas o bem maior: a vida que Deus me deu. “Esta primeira P�scoa, aqui na nova casa, � de liberta��o”
Vendo o entusiasmo da m�e, Maicon, que � padeiro e confeiteiro, observa: “Minha m�e � uma guerreira, corajosa, tem foco.” Ao lado, Jefersson faz coro �s palavras do irm�o e aplaude a determina��o de Marin�s.
Primeiras letras
Tamb�m em Santa Luzia, o soldador e pedreiro Jos� Alvim, de 68, revela que se libertou da “escurid�o” do analfabetismo. “Sempre me senti como um cego. Agora, estou come�ando a enxergar. E a luz � o conhecimento”, revela. Aluno da organiza��o n�o governamental (ONG) Solidariedade – Todos Juntos, Sempre!, Jos� se mostra feliz com a aprendizagem das primeiras letras. “Estou pensando at� em comprar um celular. Sem ler, n�o d� nem para entender o que est� escrito na caixa do telefone, n�?”
Nascido em S�o Domingos do Prata, na Regi�o Central de Minas, a 138 quil�metros de BH, Jos� Alvim cresceu numa fazenda onde o pai trabalhava “ro�ando o mato”. Nunca foi � escola, pois os filhos dos fazendeiros tinham prioridade. “Eu ficava de fora.” O tempo passou, e os livros, cadernos e material escolar foram ficando cada vez mais distantes das suas m�os. H� dois anos, no entanto, decidiu recome�ar, e agora se sente confiante, pretendendo tirar carteira de habilita��o. “Conhe�o seis estados brasileiros, mas nunca entendi o que diziam as placas de sinaliza��o. Na hora de pegar o �nibus, outro problema, pois n�o sabia para onde ia.”
As palavras t�m exercido verdadeiro fasc�nio em Jos� Alvim, cheio de entusiasmo ao pegar os livros e escrever o nome. “As aulas fazem a gente buscar mais conhecimento . Abrem um caminho, a cabe�a fica melhor.”
Tamb�m decidida a melhorar a escrita e a leitura, Gislene Geralda da Concei��o, de 54, faxineira, tem uma longa travessia passando ao largo das escolas. A m�e bebia muito e dificuldades surgiram a cada passo do caminho, embora alimentasse o desejo de estudar.
Nascida em Mantena, na Regi�o Leste de Minas, a 450 quil�metros de BH, Gislene chegou ainda crian�a a Santa Luzia, e, enfrentando barreiras, aprendeu a escrever o nome. Depois, entrou para um curso de educa��o de jovens e adultos, mas n�o se sentiu “� vontade”, at� que surgiu a oportunidade de ser alfabetizada do A ao Z, ou do in�cio ao fim.
Sorridente e bem-humorada, Gislene, m�e de Mateus e av� de Pietro e Guilherme, tira da mochila o caderno e mostra parte das li��es. “Gosto muito de aprender. E estou bem adiantada”, conta toda prosa, perto das professoras volunt�rias Denise de C�ssia Vieira e Alexandra Goretti Silva Eiras.
As alfabetizadores se mostram empolgadas com o progresso e esfor�o dos alunos, e informam que, pela idade, muitos enfrentam preconceitos, o chamado etarismo. “Alguns se sentem humilhados e abandonam a escola. Aqui na ONG, o grupo de pessoas acima de 50 anos tem se mostrado bem tranquilo”, diz Alexandra.
Denise acrescenta que muitos alunos ficam prejudicados pela idade, t�m problemas de vis�o e n�o conseguem acompanhar as li��es. Para ajud�-los, a Solidariedade tem, quando poss�vel, conseguido exame oftalmol�gico, gratuito, para os alunos.
Significado da P�scoa
Foi no Santu�rio Arquidiocesano de Santa Luzia, em Santa Luzia, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, que Marin�s de Ara�jo e outros fi�is ouviram, na semana santa, as palavras do p�roco e reitor padre Felipe Lemos de Queir�s: “A P�scoa � a festa maior do cristianismo, da religi�o cat�lica – a segunda � o Natal. A ressurrei��o de Jesus vem em primeiro lugar. Os judeus, no Antigo Testamento, j� celebravam a P�scoa, porque � a festa que relembra a sa�da deles do Egito, onde foram escravizados, rumo � Terra Prometida. Ent�o, essa � passagem (na p�scoa Judaica, “Pessach”) da escravid�o para a liberdade. E mais disse o padre: “N�s, crist�os, vemos a P�scoa de forma diferente: a Passagem � a Ressurrei��o de Jesus, passagem da morte para a vida, uma vida nova em Cristo, um renascer. Neste dia, celebramos a vit�ria de Jesus sobre a morte e o pecado.”
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