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Estado de Minas Onda Vermelha

50 anos do Hospital Jo�o XXIII: sistema de emerg�ncia virou refer�ncia

O m�todo desenvolvido em um dos maiores hospitais de trauma da Am�rica Latina virou refer�ncia e ajuda a garantir recupera��o surpreendentes


17/04/2023 04:00 - atualizado 18/04/2023 11:58

O cardiologista Winston Khouri, um dos idealizadores do mecanismo de urgência que virou referência para hospitais braisleiros
O cardiologista Winston Khouri, um dos idealizadores do mecanismo de urg�ncia que virou refer�ncia para hospitais braisleiros (foto: FOTOS: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS)

Um sistema de emerg�ncia criado no Hospital de Pronto-Socorro Jo�o XXIII, considerado uma das maiores unidades de atendimento a traumas da Am�rica Latina, pode salvar vidas em poucos minutos. E se mostrou t�o eficiente que virou exemplo nacional para outras unidades e ajudou a garantir � institui��o mineira taxas de sobrevida de fazer inveja a servi�os internacionais. Trata-se da “Onda Vermelha” destinada ao atendimento a pacientes em condi��es cl�nicas extremas – o que popularmente se chama de “entre a vida e a morte”.

A taxa de sobrevida dos casos de risco iminente de morte no Jo�o XXIII fica em torno de 35%, informa o cardiologista Winston Khouri, hematologista da Ag�ncia Transfusional e h� 37 anos no hospital. O percentual � bem maior do que o apresentado em grandes hospitais de trauma do mundo, com taxa de sobrevida em torno de 20% para pacientes em risco extremo. Quando algu�m nessas condi��es d� entrada, um sinal de alerta disparado ao longo de um corredor, que fica livre para o atendimento, j� deixa a equipe preparada.

Refer�ncia para outros hospitais brasileiros, a “Onda Vermelha” teve Winston Khouri entre os idealizadores. Com a voz calma e semblante tranquilo, ele diz que para trabalhar num pronto-socorro � preciso, acima de tudo, “gostar de emerg�ncia”. Ao lembrar de epis�dios hist�ricos nas �ltimas quatro d�cadas, a exemplo do desastre de Brumadinho, o m�dico afirma que, como h� um sistema de emerg�ncia em prontid�o, n�o h� atropelos.

Wanderlei Ramalho, administrador hospitalar há 32 anos no João XXIII
Wanderlei Ramalho, administrador hospitalar h� 32 anos no Jo�o XXIII: %u201DAqui existe muita dedica��o e pessoal especializado, da� ser refer�ncia em traumas, queimaduras e toxicologia%u201D


O que seria, ent�o, mais desafiador para os especialistas? Em primeiro lugar, houve per�odos como o da Aids (no in�cio da d�cada de 1980), da gripe H1N1 (2009) e da COVID-19, a partir de 2020. Outra resposta vem rapidamente e tem o sin�nimo de “autoritarismo”. Certa vez, um pol�tico ligou para a dire��o do hospital “ordenando” que a secret�ria fosse atendida imediatamente, e que passasse na frente de todos. Mesmo acostumada com a emerg�ncia, a equipe ficou aturdida diante da postura do figur�o. O triste desfecho foi que a paciente j� chegou morta ao hospital, recorda-se Khouri.

Mesmo com toda prepara��o, os m�dicos ainda enfrentam quest�es que, num momento de urg�ncia, podem causar atrasos e estresse, a exemplo de pacientes de uma religi�o que n�o aceitam transfus�o de sangue. “Al�m de m�dicos, somos detetives. Precisamos questionar o tempo todo quando n�o temos as respostas necess�rias e fundamentais para salvar uma vida.”

COLUNA DORSAL

Mostrando o corredor da “Onda Vermelha”, considerada o eixo da urg�ncia ou quase uma coluna vertebral do servi�o de emerg�ncia no pronto-socorro, o administrador hospitalar Wanderlei Ramalho, h� 35 anos na Fhemig, dos quais 32 no Jo�o XXIII, compara o complexo hospitalar a uma cidade com quase 4 mil pessoas trabalhando. “Aqui existe muita dedica��o e pessoal especializado, da� ser refer�ncia em traumas, queimaduras e toxicologia. No caso de queimaduras, h� expertise reconhecida internacionalmente”.

Ramalho recorda-se de momentos cr�ticos na hist�ria da institui��o, a exemplo do inc�ndio no Canec�o Mineiro, em Belo Horizonte, uma casa de espet�culo que pegou fogo em 24 de novembro de 2001, quando sete pessoas morreram e 197 ficaram feridas. “Temos uma estrutura montada, tudo � esquematizado, organizado, incluindo um heliponto para chegada de v�timas em helic�ptero. As equipes t�m cirurgi�es especialistas (neurologia, vascular, ortopedia) preparados o tempo todo para salvar vidas.”

Na Unidade de Tratamento de Queimados, enquanto a equipe cuida de dos pacientes, a cirurgi� pl�stica Kelly Danielle de Ara�jo faz um alerta: muitas pessoas est�o se acidentando ao usar �lcool e at� gasolina para cozinhar, devido ao custo do g�s de cozinha. Tamb�m os churrascos, na hora de acender o fogo, entram na lista de riscos, devido � falta de cuidados e adequa��es no preparo.

A cirurgi� pl�stica, que � vice-presidente da Sociedade Brasileira de Queimaduras (SBQ), chama a aten��o tamb�m para os acidentes provocados pela rede el�trica. Um exemplo: ao fazer “puxadinhos” em suas moradias ou construir casas sem acompanhamento t�cnico, as pessoas esbarram na fia��o com s�rias consequ�ncias. Por isso mesmo, a SBQ vai lan�ar a campanha Junho Laranja, destacando os perigos para a popula��o.

A Unidade de Queimados do Jo�o XXIII recebeu, em 2017, v�timas do inc�ndio em uma creche em Jana�ba, no Norte de Minas, queimada pelo seguran�a do local. Na trag�dia que comoveu o pa�s, morreram oito crian�as e a professora Heley de Abreu Silva Batista, com dezenas de feridos que precisaram de tratamento. J� em 2019, os pacientes foram v�timas da explos�o em uma embarca��o no Rio Juru�, ocorrida em Cruzeiro do Sul, no Acre. As pessoas, em sua maioria, tiveram entre 60% e 80% da superf�cie corporal queimada, al�m de les�es de vias a�reas.

Maria Cláudia dos Santos, de 71 anos, técnica de enfermagem há 44 no João XXIII
Maria Cl�udia dos Santos, de 71 anos, t�cnica de enfermagem h� 44 no Jo�o XXIII: %u201DA evolu��o da ci�ncia e da tecnologia trouxe muitos benef�cios para a sa�de e o trabalho, mas nada substitui o amor%u201D

Hist�rias de quem vive para cuidar

Na pequena capela no Hospital Jo�o XXIII, a profissional de enfermagem Lourdes Aparecida Martins, do CTI, chega �s l�grimas. Perto de completar 42 anos de trabalho no HPS, ela conta que, ao chegar de S�o Domingos do Prata, na Regi�o Central do estado, conseguiu emprego na �rea de servi�os gerais. “Tinha 19 anos e pavor de ver sangue, mas, para ajudar a fam�lia, aceitei o emprego”, recorda-se.

E l� se v�o quatro d�cadas na mesma institui��o. “Tenho que agradecer a muita gente, mas, de forma especial, a Zaita Parreiras, Irani Barbosa e Maria Jos� Rinco, que me ensinaram muito. A menina assustada que eu era acabou se acostumando com a din�mica do hospital”, revela.

Ao falar sobre o grande n�mero de pessoas atendidas em meio s�culo, Lourdes n�o cont�m as l�grimas. “Acredito em milagres, e aqui j� vi muitos. Lembro de um trabalhador do meio rural que foi ‘engolido’ por um triturador de capim. Perdeu as pernas, mas acredita que ele, todos os dias, mantinha o bom humor, conversava com as pessoas, contava piadas?”, diz Lourdes, sobre a capacidade de supera��o do paciente.

Ela tamb�m se recorda de um paciente que foi hospitalizado, cujos p�s foram amputados. “E, mesmo assim, dirigia carro, viajava, levava uma vida normal”, destaca a profissional de enfermagem, que � casada, tem quatro filhos e cinco netos.

FAM�LIA

T�cnica de enfermagem do pronto-socorro Maria Cl�udia dos Santos, de 71, orgulha-se dos 44 anos no Jo�o XXIII. Natural do Serro, no Vale do Jequitinhonha, e homenageada no cinquenten�rio do hospital, ela est� certa de que, com o tempo, formou uma fam�lia – al�m do filho de 39 anos e de mais tr�s que criou, e dos netos, as g�meas de 19 anos, Emily Larissa e Evelyn Let�cia, e da ca�ula Alice, de 9.

“A base de nosso trabalho e da conviv�ncia est� no amor ao pr�ximo. Precisamos ser carinhosos com os pacientes. Se a gente se coloca no lugar deles, pode entender melhor a dor que est�o sentindo. Necessitam de conforto, de aten��o. Se fosse poss�vel, todo mundo deveria passar, pelo menos um dia, no setor de politraumatizados”, observa Maria Cl�udia.

Em uma volta ao ano de 1979, quando come�ou no Jo�o XXIII, ela diz ser do tempo das seringas eram reesterilizadas, bem diferentes do material descart�vel de hoje. “A evolu��o da ci�ncia e da tecnologia trouxe muitos benef�cios para a sa�de e o trabalho, mas nada substitui o amor. Estou saindo de um c�ncer de mama, e mantenho a disposi��o.”

Pela voz dos pacientes, vem o retorno para tanta dedica��o. O educador f�sico Paulo Jaques Soares se surpreendeu com o atendimento no hospital. “Estava sem plano de sa�de, ent�o recorri ao Jo�o XXIII para me operar de apendicite. Foi tudo r�pido, cheguei �s 11h de um s�bado e �s 14h estava na mesa de cirurgia. Fui extremamente bem atendido. Espero n�o precisar de nova interven��o, mas confesso que, se necess�rio, voltarei ao HPS. Foi realmente espetacular.”

DESASTRES

De acordo com a dire��o do Jo�o XXIII, o hospital � refer�ncia nacional para tratamento de v�timas de politraumas, queimaduras e intoxica��es. A maioria dos pacientes chega em casos de extrema gravidade e complexidade, atendidos por especialistas no tratamento de les�es habilitados para oferecer tratamento eficaz em curto espa�o de tempo. Acidentes automobil�sticos, desde a funda��o, representam os casos mais graves, mas, com a crescente seguran�a dos ve�culos, v�timas que antes morreriam sobrevivem, embora chegando ao pronto-socorro com les�es muito s�rias.

Cerca de 8 mil do total de atendidos s�o v�timas de acidentes de tr�nsito. Muitas dessas ocorr�ncias envolvem motociclistas, o segundo lugar em atendimentos no pronto-socorro – s�o mais de 4 mil casos por ano, sendo que mais de 3 mil deles s�o de homens entre 20 e 40 anos.

Em primeiro lugar nos atendimentos est�o as quedas: o Hospital Jo�o XXIII atende, em m�dia, 15 pessoas por dia devido a quedas da pr�pria altura, sendo que mulheres com idades entre 51 e 60 anos s�o a maioria nesse tipo de ocorr�ncia.

Depoimento
Lagarta na cachoeira

“Um dia, ‘fui parar’ no Jo�o XXIII, como se diz, bem � mineira, para mostrar a gravidade do assunto. Era um domingo de ver�o, estava numa cachoeira quando esbarrei no mato e fui queimado por uma lagarta, que, no interior, a gente chama de “sussuarana”. O bicho sapecou minha perna e causou uma dor medonha. � trem que doeu! – mais at� do que a picada de escorpi�o nos meus 18 anos. Chorando, pedi a um amigo que me levasse imediatamente ao Jo�o XXIII, j� imaginando a cena no fim da tarde: dia de cl�ssico Cruzeiro e Atl�tico, confus�o na rua e nos prontos-socorros. Mas transcorreu tudo de forma tranquila. Na portaria, logo fui encaminhado a um m�dico, que me fez algumas perguntas e me pediu para apontar a lagarta num livro colorido. Mostrei (eu tinha sacrificado o bicho), e ele me acalmou, dizendo que n�o era do tipo mais venenoso (um homem havia morrido dias antes em fun��o de uma queimadura). Eu me senti acolhido pela aten��o e compet�ncia do profissional e da institui��o.” (Gustavo Werneck) 

Retaguarda segura para as v�timas de trag�dias

O Hospital Jo�o XXIII teve sua pedra fundamental lan�ada em 1963, ano da morte do papa Jo�o XXIII (canonizado em 2014), de quem recebeu o nome. Ao abrir as portas, em 1973, herdou o papel de pronto-socorro do Hospital Maria Am�lia Lins, at� ent�o a �nica unidade p�blica que atendia urg�ncias em Belo Horizonte e regi�o metropolitana.

Em diversas trag�dias hist�ricas, o Jo�o XXIII abriu as portas para v�timas de inc�ndios, desabamentos e de outros desastres, como os rompimentos de barragens de minera��o em Mariana, na Regi�o Central, e Brumadinho, na Grande BH. A especializa��o no atendimento o tornou principal refer�ncia nos casos de traumas graves – queimaduras, envenenamentos, urg�ncias cl�nicas e acidentes com m�ltiplas v�timas.

Hoje, o Hospital Jo�o XXIII oferece 480 leitos, divididos em terapia intensiva e enfermarias. Em 2022, foram mais de 83 mil atendimentos, que resultaram em mais de 7 mil cirurgias, 10,5 mil interna��es, 13,3 mil consultas especializadas e 1,3 milh�o de exames realizados por cerca de 2,7 mil servidores que integram a equipe multidisciplinar da unidade.

Um time de t�cnicos, enfermeiros, m�dicos, nutricionistas, psic�logos, fisioterapeutas, assistentes sociais, fonoaudi�logos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, servidores administrativos e outros.


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