Um recanto “protegido de todas as vistas”, bem no meio de Belo Horizonte. Ou pelo menos foi assim que uma vila no Bairro Santa Efig�nia, Regi�o Leste da capital, p�de ser descrita por muitos anos. Mas, hoje, cada vez mais cercadas de pr�dios, as nove casinhas com jardins que resistem � verticaliza��o passaram a ser observadas de cima por muita gente espalhada por constru��es de v�rios pavimentos. E esse cerco s� faz aumentar.
Atualmente, dois grandes pr�dios de mais de 10 andares est�o sendo constru�dos bem na frente da Vila Beltr�o, em mudan�as que preocupam, mas n�o fazem com que a fam�lia de propriet�rios originais cogite vender o terreno.
Atualmente, dois grandes pr�dios de mais de 10 andares est�o sendo constru�dos bem na frente da Vila Beltr�o, em mudan�as que preocupam, mas n�o fazem com que a fam�lia de propriet�rios originais cogite vender o terreno.
Com mais de 100 anos na hist�ria, a vila � propriedade de uma fam�lia que, d�cadas atr�s, era dona de quase um quarteir�o. “Meu pai tinha muitos im�veis aqui. Ele decidiu juntar todas as economias para construir as casinhas e ter uma renda para n�s”, conta Yara Beltr�o, de 83 anos, uma das atuais propriet�rias.
Ela e a irm�, Sara Beltr�o, de 78, s�o as donas e acompanham toda a mudan�a do cen�rio no bairro. Os diversos edif�cios do entorno foram sendo erguidos gradualmente. Primeiro chegaram os sobrados, mas com o tempo, os andares foram se multiplicando na vizinhan�a. “Antes, n�o era permitido. Aqui no bairro (Santa Efig�nia), a mudan�a come�ou com um pr�dio de quatro andares, mas logo constru�ram mais”, descreve Sara.

Mudan�as na paisagem
Belo Horizonte tem 125 anos e a Vila Beltr�o � testemunha da maior parte desse hist�ria. Segundo as moradoras, ao longo dos mais de 100 anos a propriedade j� teve muitos outros metros quadrados, inclusive os da frente, onde os novos pr�dios est�o se erguendo. “Meu pai chegou a morar l� durante anos. Uma das casas funcionava como f�brica de cera. Mas ele come�ou a vender e doar alguns peda�os de terra e os donos, h� muitas d�cadas, j� eram outros”, acrescenta Yara.
Localizada dentro do tri�ngulo formado pelas avenidas do Contorno, Francisco Sales e Brasil, a vila fica na Rua Padre Marinho, que apesar do entorno agitado, ainda desfruta de momentos de calma. Tamb�m pr�ximo � Regi�o Hospitalar de BH, o lugar convive com sons inevit�veis, mas que se tornaram habituais, como as ambul�ncias e buzinas de carros, que tamb�m se acumulam nos cinco estacionamentos pr�ximos.

Mas o avan�o da constru��o civil na vizinhan�a traz algo que incomoda, mesmo naquela aparente ilha de sossego. Enquanto dona Sara tenta falar sobre a vida no lugar, o tom de voz precisa se elevar para competir com as furadeiras, marteladas e barulhos de outras origens que chegam dos lados. “� terr�vel. Eu mal consigo falar direito. Fora a poeira. N�o se pode deixar uma janela aberta que suja tudo”, queixa-se.
Dona Yara diz que n�o se importa tanto com a barulheira. “Estou ficando surda, acabo n�o me incomodando tanto”, diz, com bom humor. Ela lembra que passou, junto das irm�s, a inf�ncia, adolesc�ncia e toda a vida na vila, o que faz com que a fam�lia n�o considere trocar de lugar. “V�rias vezes tentaram comprar de n�s, ofereceram apartamentos em outros bairros, mas n�o queremos sair. Aqui tem tudo o que precisamos: � banco, loja, m�dico, at� shopping... Eu gosto muito de morar na vila”, resume.

O sol n�o brilha mais para todos
Para Sara Beltr�o, a mudan�a visual do local veio mesmo com as novas constru��es que est�o sendo erguidas. Enquanto molha o cercadinho em que as plantas resistem, ela relembra de outros tempos. “Eu amava meu jardim, fico muito chateada, porque precisei arrancar tudo. T�nhamos amizade com os antigos donos e eles falaram que iam vender, mas sinto bastante falta do sol que batia aqui. � como se tivessem acabado com a vila, mas infelizmente n�o tem muito o que fazer”, lamenta.
A falta de mais luz solar � reclama��o comum entre as moradoras mais antigas, e uma inquilina, Lindiomar Maria Ribeiro, tamb�m descreve essa saudade de �pocas mais iluminadas. “Sou cuidadora da moradora, dona Zil�, de 92 anos, mas passo muitos dias aqui. Fora o sol, sinto falta de olhar para frente e s� contemplar. Ela usa aparelho auditivo e tem dias que me pede at� para tirar, porque n�o aguenta ouvir tanto barulho e quer descansar”, explica.
Lindiomar aponta que, desde o in�cio das constru��es, tr�s inquilinos se mudaram das casinhas. “N�o deram conta, estava atrapalhando a rotina deles. Entraram outros no lugar, mas a rotatividade acabou ficando maior que antes”, resume.
A falta de mais luz solar � reclama��o comum entre as moradoras mais antigas, e uma inquilina, Lindiomar Maria Ribeiro, tamb�m descreve essa saudade de �pocas mais iluminadas. “Sou cuidadora da moradora, dona Zil�, de 92 anos, mas passo muitos dias aqui. Fora o sol, sinto falta de olhar para frente e s� contemplar. Ela usa aparelho auditivo e tem dias que me pede at� para tirar, porque n�o aguenta ouvir tanto barulho e quer descansar”, explica.
Lindiomar aponta que, desde o in�cio das constru��es, tr�s inquilinos se mudaram das casinhas. “N�o deram conta, estava atrapalhando a rotina deles. Entraram outros no lugar, mas a rotatividade acabou ficando maior que antes”, resume.
Altera��es na cidade
A mudan�a nos tipos de constru��o que vai alterando o perfil de Belo Horizonte est� em sua terceira fase, segundo o arquiteto e urbanista Sergio Myssior. Primeiro foram as casas originais de um pavimento, que come�aram a dar lugar a sobrados e pr�dios com at� seis andares. Agora, esses im�veis est�o sendo substitu�dos por edif�cios maiores.
“Temos a substitui��o at� dos pr�dios menores por torres com maior densidade. Essa troca de �reas ainda unifamiliares ou mesmo com edifica��es de um ou dois andares para aqueles com m�ltiplos pavimentos traz uma mudan�a significativa no espa�o”, diz.
Os impactos s�o variados, como no aumento da quantidade de pessoas entrando e saindo da regi�o, maior uso de ve�culos e aumento na demanda por abastecimento de �gua e energia. Mesmo necess�ria, a altera��o � um dilema urban�stico, como define o especialista.
“Como a cidade est� em constante transforma��o, ela faz substitui��es. Mas o que atribui valor – o patrim�nio, seja ele material ou imaterial –, precisa ter um conjunto preservado. O ideal � que o uso e ocupa��o do solo n�o comprometam a qualidade de vida nessas �reas.”
“Como a cidade est� em constante transforma��o, ela faz substitui��es. Mas o que atribui valor – o patrim�nio, seja ele material ou imaterial –, precisa ter um conjunto preservado. O ideal � que o uso e ocupa��o do solo n�o comprometam a qualidade de vida nessas �reas.”
Ele tamb�m destaca que a vida das pessoas que j� ocupam o espa�o, a hist�ria, deve ser preservada. “Elas constitu�ram um patrim�nio edificado, mas tamb�m imaterial. S�o costumes e tradi��es que fazem parte do local, e o ideal da cidade � conseguir conciliar essa din�mica com a pot�ncia transformadora. Que novos empreendimentos busquem estabelecer um di�logo entre vizinhos, adotando uma certa gentileza urbana”, diz.
Obras e pol�tica de boa vizinhan�a
De acordo com Gustavo Santana, s�cio da Rocca Construtora, respons�vel por erguer um dos pr�dios na vizinhan�a da Vila Beltr�o, o residencial tem 11 andares, com 18 apartamentos de um ou dois quartos. As obras, que come�aram no in�cio de 2022, devem ser finalizadas at� mar�o de 2024 e cada unidade custar� at� R$ 770 mil.
Ele constata que os transtornos s�o comuns em obras, mas diz que a empresa oferece reparos e minimiza��o dos danos. “Quando entramos no processo construtivo, a nossa conduta � n�o ter problemas com nenhum vizinho. Antes de come�ar a constru��o, estive com o pessoal da vila e fizemos o compromisso de refazer um muro de l�, al�m de fazermos reparos quando acontece algo”, diz.
Tamb�m procurada pela reportagem, a BTC Empreendimentos, que assina o projeto do outro pr�dio, o Aquarela Residencial, informou que o edif�cio tem 10 andares, 27 apartamentos e que a obra come�ou em 2022, com entrega prevista para abril de 2024.
Felipe Cardoso, s�cio da construtora, tamb�m garante que a rela��o com os vizinhos � amistosa, e que as demandas relacionadas � obra s�o resolvidas imediatamente. “N�s nos vemos quase diariamente e os inconvenientes de obra s�o poucos, mas quando ocorrem, realizamos o reparo imediatamente, tentando impactar o menos poss�vel. Tivemos que revisar o projeto diversas vezes, para harmonizar o m�ximo com o ambiente urbano em que ele est� inserido, al�m de atender diversos pontos da prefeitura, para encontrar solu��es para o edif�cio”, diz.
Direito de construir
As altera��es do horizonte da capital tamb�m ser�o impulsionadas por novas regras na cobran�a da Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC), instrumento do Plano Diretor da cidade que permite que empresas construam acima do coeficiente b�sico.
As empreiteiras compram essa amplia��o do direito de construir diretamente da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e os valores arrecadados v�o para um fundo que deve ser utilizado para melhorias urbanas e moradias populares.
As empreiteiras compram essa amplia��o do direito de construir diretamente da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e os valores arrecadados v�o para um fundo que deve ser utilizado para melhorias urbanas e moradias populares.
Segundo Fl�via Vieira, vice-presidente da C�mara do Mercado Imobili�rio e Sindicato de Habita��o (CMI/Secovi-MG), o aquecimento na demanda para construir em BH se deve � defini��o do valor da outorga onerosa.
“Por exemplo, se um terreno tem 1.000 metros quadrados, pode-se construir 5.000 metros quadrados, respeitados os quesitos legais de afastamento, �rea perme�vel, vagas, tipo de im�vel residencial/comercial / misto”, explica.
“Por exemplo, se um terreno tem 1.000 metros quadrados, pode-se construir 5.000 metros quadrados, respeitados os quesitos legais de afastamento, �rea perme�vel, vagas, tipo de im�vel residencial/comercial / misto”, explica.
O arquiteto S�rgio Myssior afirma que o pagamento pelo direito de construir acima do coeficiente m�ximo � uma pol�tica urban�stica que precisa ser bem gerida.
“Se a capital n�o se adensar, acaba estimulando o adensamento de cidades pr�ximas. No entanto, as pessoas acabam dependendo de equipamentos de BH, como sa�de e emprego. A mudan�a � necess�ria para evitar o efeito de ‘espraiamento’, mas tamb�m precisa garantir diversidade de uso e ocupa��o, al�m de habita��o para as fam�lias de baixa renda, que s�o as mais afetadas pelos altos pre�os. Adensar, do ponto de vista conceitual, � mais sustent�vel. Por�m, depende mais de como isso ser� feito”, pontua.
“Se a capital n�o se adensar, acaba estimulando o adensamento de cidades pr�ximas. No entanto, as pessoas acabam dependendo de equipamentos de BH, como sa�de e emprego. A mudan�a � necess�ria para evitar o efeito de ‘espraiamento’, mas tamb�m precisa garantir diversidade de uso e ocupa��o, al�m de habita��o para as fam�lias de baixa renda, que s�o as mais afetadas pelos altos pre�os. Adensar, do ponto de vista conceitual, � mais sustent�vel. Por�m, depende mais de como isso ser� feito”, pontua.