
Para alguns, a rara condena��o nos Estados Unidos do policial branco Derek Chauvin pelo assassinato de um negro prova que a justi�a foi feita.
Mas, para muitas pessoas, n�o � t�o simples.
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Toni, um cinegrafista de 28 anos, ouviu o veredicto de seu quarto de hotel ap�s um longo dia de filmagens para o trabalho.
"N�o consigo descrever o sentimento, mas certamente n�o foi uma celebra��o", diz ele. "� ir�nico que tenha parecido mais com um grande suspiro de al�vio, uma respira��o profunda. Isso me deu mais f� no sistema de justi�a? Na verdade, n�o."
Em seus momentos finais, George Floyd gritou mais de 20 vezes, alertando que n�o conseguia respirar ao ser contido por policiais em uma rua de Minneapolis.
Em abril, um j�ri considerou Chauvin culpado condenado por tr�s crimes previstos na Justi�a americana e sem paralelos exatos com o ordenamento brasileiro.
Em uma tradu��o aproximada, seriam eles: homic�dio doloso de segundo grau (a mais grave de todas, com pena de at� 40 anos de pris�o, demonstrando uma rela��o de causa e efeito entre conduta do acusado e morte); homic�dio doloso de terceiro grau (demonstra��o de neglig�ncia com a vida humana, com pena m�xima de 25 anos); e hom�cidio culposo de segundo grau (quando algu�m submete outro a um "risco irracional", colocando-o em risco de morte ou ferimentos graves, pass�vel a pena de at� 10 anos de pris�o).
O ex-policial deve receber a pena no dia 16 de junho.
Em 2020, conversei com tr�s jovens negros de diferentes partes do mundo sobre o assassinato de George Floyd.
Um ano depois, voltei a falar com Toni Adepegba, La�titia Kandolo e Nia Dumas para descobrir o que a condena��o significa para eles. E para ver se, como eu, eles tamb�m tiveram dificuldades para encontrar palavras que expressem seus sentimentos.
'Nada para comemorar'
Apesar de uma breve comemora��o, n�o demorou muito para que eu sentisse uma profunda tristeza e uma sensa��o de emo��o n�o resolvida. E eu n�o estava sozinha.
"Eu estava em casa e vi (o an�ncio) no meu Instagram e fui no Twitter para saber mais", lembra La�titia.
"N�o acho que feliz seja a palavra correta porque voc� fica feliz nos primeiros cinco minutos e ent�o percebe que isso n�o deveria ter acontecido, em primeiro lugar."
"N�o h� nada para comemorar porque voc� sabe que � apenas uma vez em toda a hist�ria [que acontece a condena��o] e esses assassinatos acontecem todos os dias e continuar�o acontecendo."
Toni tamb�m avaliou a not�cia como dif�cil.
"Voc� sente esperan�a. Quando voc� ouve que ele foi condenado por todas as acusa��es, voc� quer pensar ou acreditar que as coisas v�o mudar a partir de agora", diz ele.
"No final das contas, acho que at� que as quest�es maiores sejam resolvidas, essas coisas continuar�o acontecendo, assim como com Ma'Khia Bryant."
Ma'Khia Bryant, de 16 anos, foi morta a tiros por um policial branco do Estado americano de Ohio, nos EUA, que estava atendendo a uma ocorr�ncia de tentativa de esfaqueamento.
O policial Nicholas Reardon atirou na adolescente negra cerca de 30 minutos antes de ser proferido o veredicto no julgamento de Chauvin.
'Fica com voc�'

O v�deo de George Floyd foi um ponto de virada para a designer La�titia, que vive na Rep�blica Democr�tica do Congo. Ela inicialmente acreditava que compartilhar v�deos poderia ser a �nica maneira de responsabilizar os racistas. Agora, ela acha que o custo disso pode ser muito alto.
"Toda vez que h� um incidente semelhante, me d� flashbacks do v�deo do Floyd", diz ela.
"Come�o a pensar como essa pessoa foi tratada em seus momentos finais. Ela chorou pela m�e, voc� pode ver o desespero em seus olhos, voc� pode v�-los perceber que � o fim? Isso fica com voc�."
Assim como o pr�prio v�deo, as conversas sobre ra�a foram inevit�veis %u200B%u200Bno �ltimo ano para muitas pessoas.
Para Toni, a pandemia mudou essas discuss�es de uma forma que ele n�o tinha visto antes e reacendeu o �mpeto em torno do movimento Black Lives Matter, ou Vidas Negras Importam.
"Est�vamos em um per�odo em que todos estavam trancados em casa, ent�o muitas pessoas tiveram mais tempo para realmente sentar e processar algumas verdades desagrad�veis", diz ele.
O peso dessas conversas dif�ceis continua impactando a sa�de mental de muitos negros. Tenho me sentido exausto e oprimido.
Durante o julgamento, uma nova filmagem da c�mera corporal policial foi divulgada mostrando os momentos que antecederam a pris�o e morte de George Floyd.
"N�o sinto que preciso rever esse trauma, ent�o n�o assisti ao v�deo completo dos momentos finais dele mais uma vez", diz Toni.
"Estou preocupado em deixar esse peso entrar em meu organismo porque sei que isso vai me prejudicar emocionalmente, mentalmente, espiritualmente e fisicamente. Tenho que fazer o que posso para manter minha alma em paz."
Toni decidiu come�ar a fazer terapia para encontrar uma maneira de lidar com um ano t�o desafiador.
Inicialmente, ele hesitou em procurar ajuda devido � falta de diversidade na �rea de sa�de mental no Reino Unido.
"A realidade � que nenhuma dessas pessoas se parecia comigo. Todas eram brancas e eu simplesmente n�o tinha ningu�m com quem pudesse me relacionar", diz ele.
"Acho que minha inten��o ao buscar ajuda profissional de novo era mais sobre me equipar com ferramentas para ajudar outras pessoas. N�o s� por causa do Black Lives Matter, mas tamb�m porque estamos passando por um momento em que h� tantas coisas que afetaram e continuam atingindo nossa comunidade."
'Eu n�o tenho o privil�gio de existir'

At� o �ltimo momento, Nia pensou que Chauvin seria considerado inocente.
A estudante americana de 20 anos passou sua vida vendo hashtags de campanhas por justi�a que terminaram sem condena��o.
Muitas das v�timas s�o conhecidas pelas pessoas nos EUA e em todo o mundo como exemplos de v�timas de brutalidade policial e racismo, como Breonna Taylor, Eric Garner, Sandra Bland, Michael Brown, para citar apenas alguns.
"Lembro-me de assistir ao caso Trayvon Martin e depois ir para a escola e aprender sobre os tr�s poderes do governo e como ele funciona", disse Nia.
"Aos 11 anos, eu pensava: � claro que ele ser� condenado porque acabamos de saber na semana passada que se voc� violar a lei ser� punido."
Trayvon Martin era um negro desarmado de 17 anos que foi morto a tiros por um vigia de bairro na Fl�rida, que foi absolvido pelo assassinato em 2012 sob a alega��o de leg�tima defesa.
E a lista de nomes n�o parava de crescer.
"Ent�o, alguns anos depois de Trayvon, foi Michael Brown, e, em seguida, Tamir Rice, que � da minha cidade natal."
Para Nia, que cresceu no centro da cidade de Cleveland, suas melhores mem�rias de inf�ncia s�o algumas visitas ao cinema e dias intermin�veis %u200B%u200Bna pista de skate com os amigos.
"A �nica coisa que sinto falta de ser mais jovem � que eu podia ir � escola, � loja ou a qualquer lugar sem que fizessem coment�rios sobre mim relacionados � minha negritude", diz ela.
"Eu realmente n�o tenho mais o privil�gio de apenas existir. Isso me fez amadurecer rapidamente porque voc� percebe que, se voc� � uma pessoa negra na Am�rica, � isso que acontece."
George Floyd n�o � um m�rtir

Algumas pessoas dizem que George Floyd foi usado por pol�ticos como um m�rtir.
"Na verdade, ele � uma v�tima de assassinato", diz Nia. "Eles acham que os negros aceitar�o melhor a situa��o se ele morrer por uma causa supostamente maior."
"Meu problema � como o governo est� enquadrando isso. N�o � que queremos que os policiais sejam condenados depois de nos matar. A realidade � que n�o queremos que eles nos matem de forma alguma".
Cerca de mil pessoas por ano s�o mortas por policiais nos EUA, de acordo com um projeto independente que monitora a viol�ncia policial. A maioria baleada.
Apesar de os afro-americanos representarem apenas cerca de 13% da popula��o, a pesquisa mostra que a pol�cia atira mais fatalmente contra negros desarmados. A taxa � mais de tr�s vezes a de brancos.
Nia acredita que existe um racismo sist�mico no policiamento nos EUA e, at� que isso seja resolvido, nada de significativo surgir� a partir da condena��o de Chauvin.
"Acho que o motivo pelo qual eles se concentram apenas nas condena��es � porque n�o querem fazer mudan�as estruturais. Ent�o isso � como uma vit�ria alternativa para nos pacificar", diz ela.
'Um tipo diferente de liberdade'

Durante o auge dos protestos globais do Black Lives Matter, em 2020, La�titia morava em Paris quando est�tuas foram derrubadas e centenas de milhares tomaram as ruas em uma posi��o conjunta contra o racismo.
Agora, a jovem de 29 anos mora em Kinshasa, na Rep�blica Democr�tica do Congo, depois de se mudar em setembro.
"Estou morando em um lugar onde posso ser totalmente eu mesma", diz ela.
O apartamento dela tem vista para uma estrada empoeirada onde ela pode ouvir as crian�as do bairro brincando e ouvir a trilha sonora de uma rumba preenchendo o ar �mido.
"Elas t�m um tipo diferente de liberdade e est�o em um n�vel que eu nunca tive. Eu estou falando sobre o espa�o mental e f�sico para serem elas mesmos. Elas n�o s�o crian�as negras aqui. S�o simplesmente crian�as", diz ela.
"Eu realmente sinto que talvez a pandemia apenas me fez voltar para casa porque eu realmente n�o me vejo morando em Paris, o que � uma loucura dizer."
"N�o estou dizendo que todo mundo deve ou pode se mudar para a �frica porque n�o � f�cil. Mas acho que, uma vez que voc� vivenciou um pa�s onde se sentiu totalmente aceita de alguma forma, voc� n�o pode simplesmente voltar."
"N�s nascemos ou crescemos nesses lugares onde estabelecem em nossas cabe�as que as coisas s�o o que s�o. O que estou dizendo � que n�o deveria parecer Ok."
'Preto ou branco'

Muitos negros, assim como Nia, La�titia e Toni, sabem que, independentemente de onde estejam no mundo, ser negro significa que voc� n�o tem as mesmas margens de erro que os brancos.
Algumas pessoas acreditam que � essa experi�ncia da realidade que est� no cerne da compreens�o da motiva��o da morte de George Floyd.
"Quando voc� � o �nico negro, est� sempre se observando e v� como as outras pessoas olham para voc� como se voc� estivesse de alguma forma perdido ou fora de seu ambiente", diz La�titia.
"Mas tamb�m � dif�cil viver com essa press�o, ent�o voc� est� sempre pensando e trabalhando duas vezes mais. Enquanto os outros trabalham para fazer as coisas bem, voc� est� se esfor�ando para alcan�ar a perfei��o."
"Justi�a � (George Floyd) n�o passar pela morte que passou,
independentemente do que ele supostamente teria feito", diz Toni.
Um funcion�rio de uma loja denunciou Floyd � pol�cia, acreditando que a nota de 20 d�lares que ele usou para comprar um ma�o de cigarros era falsificada. Meia hora depois, George Floyd estava morto.
O julgamento e a condena��o de Derek Chauvin soam como uma exce��o, ao inv�s de ser o curso natural de um sistema de justi�a que serve a todos com imparcialidade.
Para Nia, La�titia e Toni, � simples. Se o sistema fosse realmente igual, George Floyd ainda estaria vivo.
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