
A deten��o de um m�dico brasileiro no Cairo, investigado por assediar uma vendedora em loja de papiros, ganhou manchetes n�o s� no Egito como em diversos outros lugares no mundo �rabe — inclusive em na��es onde h� relatos de graves abusos aos direitos das mulheres.
No domingo (06/06), o m�dico ga�cho e influencer digital Victor Sorrentino foi solto e retornou ao Brasil, depois de passar uma semana detido no Egito, onde o Minist�rio P�blico manteve audi�ncias e investiga��es sobre o caso.
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"Voc�s gostam mesmo � do bem duro, n�? E comprido tamb�m fica legal, n�?", diz Sorrentino, em meio a risos, � vendedora, enquanto ela lhe mostrava papiros.
Ap�s a repercuss�o negativa do v�deo nas redes sociais brasileiras — e antes de o caso ganhar notoriedade no Egito e nos pa�ses �rabes — o m�dico voltou no dia seguinte � loja e gravou um novo v�deo, em que aparece pedindo desculpas � vendedora. Na segunda-feira da semana passada (31/05), Sorrentino foi detido por autoridades eg�pcias.
Depois que o v�deo foi traduzido para o �rabe com ajuda de ativistas e blogueiros brasileiros, o caso teve enorme repercuss�o no Egito e no pa�s �rabe — sendo principal t�pico de discuss�o na segunda-feira no Twitter e ganhou reportagens de capa em jornais do Egito, Ar�bia Saudita, Emirados �rabe e outros pa�ses.
O caso tamb�m foi amplamente noticiado nas televis�es em �rabe da BBC, Al-Jazeera, Al-Arabiya e Sky.
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Mas por que o epis�dio envolvendo o m�dico brasileiro recebeu tanta aten��o no Egito — um dos pa�ses com um dos piores hist�ricos de ass�dio sexual contra mulheres no mundo?
Ativistas no Egito dizem que o problema do ass�dio sexual � quase uma "epidemia" no pa�s. Um relat�rio da ONU de 2013 cita uma pesquisa em que 83% das mulheres eg�pcias relataram ter sofrido algum tipo de ass�dio sexual — entre mulheres estrangeiras, o percentual era de 98%.
A BBC News Brasil ouviu mulheres eg�pcias, brasileiras no Cairo, jornalistas e ativistas para entender porque o caso do m�dico brasileiro repercutiu t�o fortemente no Egito e outros pa�ses do mundo �rabe.
A BBC News Brasil tamb�m buscou contato com pessoas pr�ximas ao m�dico, mas n�o obteve retorno (confira no fim da reportagem).
Primeiro v�deo: obscenidade em p�blico, flagrante e religi�o
O comportamento do m�dico foi muito criticado por brasileiros que assistiram aos dois v�deos postados por ele nas redes.
No entanto, no mundo �rabe o v�deo teve repercuss�o ainda maior — em parte por causa de algumas diferen�as culturais entre Brasil e Egito que nem sempre s�o percebidas pelos brasileiros.
"A gente nota que ele provavelmente n�o estudou sobre o pa�s antes de visitar, n�o sabe nada sobre os costumes daqui", diz Patr�cia Oliveira, brasileira que mora e trabalha no Cairo h� tr�s anos.
Ela dirige, junto com outras duas brasileiras, a p�gina Vida no Egito, que traz dicas e relatos em portugu�s do cotidiano no pa�s. Foi ela quem traduziu o v�deo para o �rabe, em parceria com outros ativistas e blogueiros baseados em Nova York, Londres e Cairo.
Essa tradu��o foi importante para que os eg�pcios ficassem sabendo do caso, j� que at� ent�o o v�deo circulava apenas nas m�dias sociais brasileiras.
Acredita-se que as autoridades eg�pcias resolveram deter o m�dico brasileiro depois de verem o v�deo ter grande repercuss�o nas redes eg�pcias — com a hashtag "Responsabilize o assediador brasileiro" entre as mais tuitadas no fim de semana.

Pessoas com familiaridade com costumes no Egito em outros pa�ses �rabes que assistiram ao v�deo falaram � BBC News Brasil sobre alguns desses aspectos culturais que fizeram com que alguns eg�pcios se sentissem ainda mais ofendidos:
- Obscenidade em p�blico. O fato de Victor Sorrentino falar sobre sexo em p�blico, mesmo indiretamente atrav�s de palavras de duplo sentido, � algo pouco aceito em sociedades �rabes, disse uma jornalista s�ria do servi�o �rabe da BBC.
Esse tipo de conversa, com refer�ncias a �rg�os sexuais, n�o costuma ser feito em ambientes abertos. Em alguns lugares onde h� apenas a presen�a de homens, ela at� poderia ocorrer. Mas usar esse tipo de linguagem e abordar esses temas na presen�a de uma mulher — seja ela parente ou n�o —, como fez Sorrentino, � uma ofensa grave para a maioria dos �rabes.
- Perigo para a v�tima. A brasileira que vive no Egito tamb�m ressalta outro aspecto: "Ficamos sabendo que a fam�lia da v�tima est� apoiando ela, o que � �timo. Mas qual vai ser a consequ�ncia disso tudo para ela? Poderia acontecer de, se fosse com outra pessoa, que a v�tima n�o tivesse esse suporte da fam�lia, ou que de alguma forma eles vissem ela como culpada de sofrer o ass�dio. Quem poderia afirmar antes do caso acontecer que esse seria o desfecho, de ela ter o apoio da fam�lia?"
Gehad Hamdy,, ativista fundadora do Speak Up, o site de ativistas antiass�dio que publicou primeiro a vers�o traduzida do v�deo — dando ampla repercuss�o ao caso no Egito — concorda: "Por isso foi t�o importante n�s borrarmos o rosto dela e protegermos a identidade dela no v�deo que publicamos denunciando o caso". Nos dois v�deos postados no Instagram por Victor — o que cont�m o ass�dio e o de desculpas — o rosto da ativista aparece.
- Autoflagrante. Ass�dio sexual de mulheres � hoje um tema muito debatido na sociedade eg�pcia, com diversas mudan�as em curso (leia abaixo). Pesquisas indicam que a maioria das mulheres j� sofreu algum tipo de ass�dio, mas a grande dificuldade sempre foi a de comprovar os casos.
O que chamou a aten��o para muitos ativistas � que o pr�prio m�dico produziu e publicou um v�deo. Sem esse material, teria sido dif�cil det�-lo para investiga��es.
"Fiquei surpresa que ele tenha sido preso em menos de 24 horas. A unidade de monitoramento e an�lise de dados do Minist�rio P�blico acompanha as redes sociais e monitora esses casos", disse Gehad Hamdy � BBC News Brasil.

- Uso do hijab. O uso obrigat�rio de v�u para cobrir os cabelos das mulheres mu�ulmanas � controverso em algumas partes do Ocidente e do Oriente. Mas em muitas sociedades, as mulheres usam v�us como um s�mbolo de respeito e honra.
A v�tima que aparece no v�deo cobre seu cabelo com um hijab. Um jornalista do servi�o �rabe da BBC disse que um estrangeiro filmar uma mulher com hijab e fazer brincadeiras com ela diante de milhares de pessoas na internet j� seria considerado um ato desrespeitoso — at� mesmo sem o teor sexual das palavras.
- Exposi��o da vendedora. Muitos que viram o v�deo se sentiram mal pela exposi��o da vendedora, que parece uma pessoa jovem e inocente. Eles apontaram que ela parece n�o entender o que est� sendo dito pelo m�dico, e a conota��o obscena das suas palavras. "Muitos viram no v�deo um estrangeiro se aproveitando que a menina n�o entende nada do que ele est� falando", disse um jornalista da BBC Arabic.
- Religi�o. Patr�cia Oliveira aponta uma outra quest�o que pode ser problem�tica para os eg�pcios que assistem ao v�deo quando o m�dico diz: "Voc�s gostam mesmo � do bem duro, n�? E comprido tamb�m fica legal, n�?".
Oliveira diz: "Quando ele fala isso, quem � o sujeito da frase? 'Voc�s, as mulheres', ou 'voc�s, as mu�ulmanas'? N�o fica claro se ele est� se referindo tamb�m � religi�o, e muitas pessoas poderiam entender isso como uma ofensa ao Isl�."
Segundo v�deo: nova exposi��o e toque
Para as pessoas ouvidas pela BBC News Brasil, o segundo v�deo, em que Victor Sorrentino volta ao local de trabalho da v�tima tamb�m, � problem�tico.
Sorrentino volta � loja no dia seguinte e liga a c�mera imediatamente, novamente expondo a vendedora na internet.
"Eu acabei de chegar aqui e falei com ela que n�o quero nem conversar antes contigo (diz ele � vendedora) para a gente ser espont�neo, que eu quero te ouvir mesmo. Ontem deu uma confus�o aquele neg�cio", diz o m�dico no novo v�deo, que foi postado na sua conta de Instagram. Posteriormente a conta dele foi fechada apenas para seus seguidores.
"E dentro das brincadeiras… eu posso te encostar (diz ele, tocando no bra�o dela, ap�s o consentimento da vendedora)? Eu fiz uma brincadeira que � uma brincadeira de mau gosto com mulheres e que eu fa�o com minhas amigas e meus familiares no Brasil."
Victor diz que n�o tinha o direito de brincar com a vendedora, mas logo em seguida ele repete o teor do que havia sido dito no primeiro v�deo.
"Apesar de que eu acho que tu n�o entendeu (sic) o que se passou l�. Eu vou te explicar o que que �. Quando voc� falou do papiro ... n�o precisa ficar vermelha, t� ... voc� falou 'ah, tem que ser duro', a� eu brinquei 'ah, ent�o � duro'. 'E tem que ser grande'. Grande e duro. Grande e duro � uma analogia… uma brincadeira… tu sabes, n�?", diz ele, em meio a risos de ambos.
A vendedora responde: "T�, entendi."
"T�, ficou vermelha. Mas isso � uma brincadeira brasileira que pode ser vista como uma brincadeira de mau gosto, e eu acho que �. Uma brincadeira assim 'bah, n�o precisava fazer isso'. Mas sabe, eu sou assim. Voc� viu ontem, eu sou um cara muito brincalh�o que sai brincando n�? E filmei isso. E as pessoas ficaram ofendidas por voc�. Por que 'poxa, como o Victor fala isso para uma mulher?' Ela � mu�ulmana, ela n�o pode falar esse tipo de coisa, n�o pode ouvir isso e tal e ficou chateada."
"Ent�o eu primeiro de tudo, eu vim aqui porque quero saber como � que tu est�s e pra te pedir desculpas. Se eu te chateei de qualquer forma. Mas eu quero saber de ti, se tu te sentiu (sic) atingida por isso, ou acuada com isso e eu quero que tu sejas muito verdadeira. Eu acabei de chegar aqui, eu estou na entrada do neg�cio."
A vendedora responde ent�o em meio a risos: "Mas nada, nada, n�o se passa nada. Tudo bem. Eu ou�o como uma piada. N�o passa nada. Eu entendi isso."
Sorrentino ainda diz: "No Brasil, � assim. As pessoas n�o aceitam nem que voc� aceite uma desculpa. L� no Brasil � assim. 'N�o, mas como, ela n�o deveria ter sido assim, ela deveria enxergar [as coisas] pela maldade que eu tenho'."
No v�deo, Sorrentino toca duas vezes na vendedora. Na primeira ocasi�o, ele pede a permiss�o dela e ela consente. Na segunda, os dois seguram suas m�os juntos por cerca de 10 segundos, enquanto o m�dico pede desculpas. O m�dico parece ser alertado por um interprete de algo, e imediatamente solta as m�os da vendedora ap�s isso.
As pessoas que assistiram ao v�deo disseram � BBC News Brasil que o ato de tocar em uma mulher com quem ele n�o � casado, mesmo tendo pedido o consentimento dela, pode ser considerado ofensivo por v�rios eg�pcios. Em algumas sociedades e contextos �rabes, um gesto semelhante poderia at� ser interpretado como crime.
"Os �rabes s�o pessoas muito calorosas, como as pessoas de cultura latina", disse uma jornalista da BBC no Cairo. "Mas a quest�o do toque e do contato f�sico entre duas pessoas de sexo oposto n�o-casadas � bem diferente, e n�o � bem vista aqui."
Gehad Hamdy, do Speak Up, questiona ainda se o pedido de desculpas � realmente genu�no. "Eu n�o acho que isso possa ser chamado de desculpas. Ele estava tentando se encobrir depois que seus seguidores o atacaram. Ele n�o disse a verdade � garota", opina ela.
Mudan�as na sociedade
O caso de Victor Sorrentino aconteceu em um momento em que o Egito vive uma esp�cie de "primavera" em rela��o aos direitos das mulheres e a luta contra ass�dios sexuais, com alguns avan�os importantes — mas tamb�m com retrocessos e decep��es.
A lei que tipifica o crime de ass�dio sexual � recente, tendo entrado em vigor apenas em 2014.
Dois epis�dios recentes provocaram intensos debates na sociedade eg�pcia, e muitos dos entrevistados disseram � BBC News Brasil que a atitude de leni�ncia das autoridades em casos assim est� mudando.
Em uma rara vit�ria dos direitos das mulheres no Egito, um estudante de 22 anos foi condenado em dezembro do ano passado a tr�s anos de pris�o por assediar sexualmente duas mulheres usando as redes sociais.
Ahmed Bassem Zaki foi preso em julho no Cairo, onde estudou na faculdade de elite American University.
As acusa��es contra ele desencadearam uma campanha no estilo do MeToo, com mulheres relatando suas experi�ncias de ass�dio sexual.
O tribunal considerou Zaki culpado de enviar fotos e textos pornogr�ficos para telefones de mulheres.
O caso come�ou em julho de 2020, quando diversas mulheres postaram den�ncias an�nimas contra Zaki em uma conta do Instagram chamada Assault Police ("Pol�cia do Ass�dio").
Outro caso de enorme repercuss�o no Egito foi o suposto estupro coletivo de uma mulher no hotel de luxo Fairmont Nile City Hotel em 2014 por um grupo de homens de fam�lias poderosas que, teriam filmado e divulgado o v�deo online.

Os promotores ordenaram a pris�o de v�rios suspeitos em agosto de 2020 — mas testemunhas e outras pessoas associadas ao caso tamb�m foram detidas e supostamente submetidas a exames invasivos. Ativistas disseram que isso deu �s mulheres a mensagem de que denunciar um estupro ou atuar como testemunha pode coloc�-las em risco de pris�o.
O incidente envolvendo o m�dico brasileiro aconteceu poucos dias depois de um an�ncio que gerou revolta entre diversos grupos que lutam pelos direitos das mulheres. No dia 12 de maio, promotores no Egito arquivaram o caso do Fairmont Nile City, dizendo que n�o h� "provas suficientes". Os quatro suspeitos do caso foram libertados, disseram os promotores.
Apesar desta decis�o, alguns ativistas no Egito dizem que as atitudes em rela��o aos direitos das mulheres e � agress�o sexual est�o come�ando a melhorar. No epis�dio relacionado a Zaki, v�rias celebridades e influenciadores se manifestaram em apoio �s mulheres que faziam acusa��es contra ele.
No ano passado, a mais alta autoridade religiosa do pa�s, a mesquita Al-Azhar, divulgou uma declara��o condenando o ass�dio sexual, declarando que as roupas de uma mulher nunca poderiam ser uma justificativa para o ass�dio.
O lado do m�dicoLeia ainda: "Eu n�o suporto injusti�a", reclama m�dico preso no Egito
O Itamaraty afirmou que, por lei, n�o se pronuncia sobre casos particulares de brasileiros no exterior.
A BBC News Brasil entrou em contato via e-mail e WhatsApp com pessoas pr�ximas do m�dico Victor Sorrentino, na tentativa de conversar com ele: o advogado Paulo Uebel, amigo do m�dico, uma irm� de Victor e um contato do consult�rio do m�dico, em Porto Alegre.
At� a publica��o desta reportagem, n�o houve resposta de nenhuma das partes.
Na quinta-feira (03/06), Uebel publicou em sua conta pessoal do Instagram uma nota em portugu�s, �rabe e ingl�s com um pedido de desculpas assinado pelos familiares do m�dico, pedindo que esse conte�do fosse divulgado por todos.
https://www.instagram.com/p/CPqF08lAOgo/?utm_medium=twitter
"Nosso sincero pedido de desculpas � v�tima, fam�lia da v�tima e a todos que possam ter se sentido ofendidos", diz a nota assinada pela esposa do m�dico, Kamila Monteiro, e outros cinco familiares — mas sem a assinatura do pr�prio Victor Sorrentino.
Em um trecho em ingl�s, os familiares prometem "reparar todos os danos morais e materiais".
Desde o retorno de Sorrentino ao Brasil, sua conta no Instagram segue fechada e a fam�lia ainda n�o se pronunciou.
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