
Vinte anos atr�s, quando duas aeronaves atingiram os pr�dios do World Trade Center, em Nova York, os Estados Unidos juraram "ca�ar" os respons�veis pela morte de quase 3.000 cidad�os em seu pr�prio territ�rio. Naquele momento, os alvos eram o grupo extremista Al Qaeda, comandado por Osama Bin Laden, que operara os avi�es usados no epis�dio e o governo do Taleb�, no Afeganist�o, que dera guarida para os combatentes da Al Qaeda. Era o in�cio da guerra mais longa da hist�ria americana.
Em 2021, depois da retirada ca�tica das tropas americanas do pa�s e da ascens�o mete�rica do mesmo Taleb� de volta ao poder no pa�s do sul asi�tico, a hist�ria parece prestes a produzir mais uma reviravolta: EUA e Taleb� se tornariam aliados no combate a grupos extremistas como a Al Qaeda e o Estado Isl�mico.
Um cen�rio inimagin�vel h� 20 anos, quando o Ex�rcito americano lan�ava sua mais pesada artilharia para abater o governo Taleb�. Para o especialista em contra-terrorismo dos EUA Javed Ali, esse � um desfecho "muito prov�vel". Atualmente professor na Faculdade de Pol�ticas P�blicas da Universidade de Michigan, Ali tem mais de 20 anos de experi�ncia como analista de seguran�a para o governo dos EUA. Nesse per�odo, ele trabalhou na Ag�ncia de Intelig�ncia de Defesa, no Departamento de Seguran�a Dom�stica e no FBI. Passou ainda pelo Conselho de Seguran�a Nacional da Casa Branca, durante a Presid�ncia de Donald Trump.

Ali esteve entre os analistas que desaconselharam a guerra do Iraque, por exemplo. Sua posi��o foi vencida pelos interesses pol�ticos da gest�o do ent�o presidente George W. Bush. � BBC News Brasil ele deslinda uma s�rie de erros t�ticos cometidos pelos americanos nos �ltimos 20 anos que levaram ao surgimento do Estado Isl�mico e � dram�tica evacua��o dos EUA de solo afeg�o nas �ltimas semanas.
Para o analista, h� risco de que inimigos de 20 anos atr�s, como a Al Qaeda, se fortale�am novamente. E a seguran�a do territ�rio americano contra tais grupos depender� da vontade e da capacidade do Taleb� de garanti-la.
Mas a maior amea�a de ataques aos EUA hoje, na vis�o de Ali, j� est� dentro do pa�s. Nas palavras dele, os americanos vivem uma "onda de terrorismo dom�stico" intensa, na qual se inserem epis�dios como a tentativa de sequestro da a governadora democrata Gretchen Whitmer, do Michigan, em outubro de 2020, e a j� hist�rica invas�o do Capit�lio por apoiadores de Trump, em 6 de janeiro de 2021.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Javed Ali � BBC News Brasil, editada por concis�o e clareza.
BBC News Brasil - Vinte anos depois dos ataques de 11 de setembro, qual o balan�o poss�vel � chamada guerra ao terror lan�ada pelos Estados Unidos logo depois do incidente?
Javed Ali - O 11 de Setembro foi um momento t�o profundo na hist�ria que eu diria que suas implica��es v�o muito al�m dos EUA. Os ataques mudaram o curso da hist�ria do planeta, talvez de um modo sem precedentes. E duas d�cadas mais tarde, o pa�s ainda est� lutando para compreender o que deu certo e o que foi errado no per�odo. Porque se olharmos para estes �ltimos 20 anos, objetivamente, pode-se argumentar que existem coisas que est�o no lado positivo dos resultados, mas h� outras coisas que claramente n�o est�o e n�o tenho certeza se era isso o que os l�deres do pa�s esperavam que aconteceria 20 anos depois. Por isso acho que 20 anos ainda s�o pouco. Vamos levar provavelmente mais 20, 40 ou 60 nessa elabora��o.
As guerras no Iraque e no Afeganist�o s�o claros exemplos de eventos que n�o sa�ram da maneira que as lideran�as pol�ticas em Washington e talvez em outros pa�ses do Ocidente, que participaram dessas campanhas militares, planejaram. Em uma perspectiva pol�tica, muitos erros foram cometidos por eles, e outros tantos aconteceram em solo iraquiano e afeg�o, e que tiveram impacto no mundo real e causaram enorme sofrimento humano. Daqui a 20 anos, quando os livros de hist�ria contarem sobre as campanhas militares no Iraque e no Afeganist�o, n�o acho que a hist�ria ser� gentil com as decis�es que foram tomadas.
Um agravante � que dentro do pr�prio governo, enquanto essas decis�es eram tomadas, momentos antes de o serem, j� havia muita gente alertando que elas n�o eram as melhores. Mas muitos desses conselhos foram ignorados ou marginalizados, e posso dizer isso porque vivenciei como analista momentos em que as an�lises eram simplesmente ignoradas pelos formuladores de pol�ticas.
BBC News Brasil - Voc� poderia citar algum exemplo espec�fico em que an�lises tenham sido ignoradas com maus resultados pelos pol�ticos?
Ali - N�o posso entrar em muitos detalhes, mas tive um pequeno papel no per�odo em que os EUA estavam prestes a lan�ar a guerra do Iraque. Na minha perspectiva, e na de meus colegas de equipe, tentamos alertar os congressistas, o Pent�gono e outros pol�ticos que, se segu�ssemos pelo caminho de uma campanha militar contra o Iraque, o melhor resultado ou aquele cen�rio que as pessoas desejavam poderia jamais se concretizar. E acho que nossos instintos estavam corretos. Era muito mais prov�vel que o pior cen�rio ocorresse do que o mais otimista, que justificava a guerra. Mas, novamente, n�o cabia a n�s a tomada de decis�o, �ramos apenas os analistas que traziam subs�dio � tomada de decis�o. E n�o necessariamente os pol�ticos eleitos para isso eram influenciados pelas an�lises ou, no limite, n�o importava quanta an�lise fiz�ssemos, eles seguiriam pelo mesmo caminho que tomaram.
Mas esse � o tipo de tens�o que pode existir nesses sistemas de seguran�a nacional (como o dos EUA) em que voc� elege l�deres ou tem pessoas que s�o politicamente nomeadas tomando decis�es. Mesmo que estejam recebendo conselhos profissionais s�lidos de pessoas que n�o t�m qualquer apetite pol�tico ou vis�o partid�ria, as decis�es delas ser�o pol�ticas e eu sabia disso.

BBC News Brasil - E na sua perspectiva, as a��es americanas no Iraque contribu�ram para criar um ambiente para o surgimento do Estado Isl�mico?
Ali - Parte do objetivo que motivou a guerra contra o Iraque era livrar-se de Saddam Hussein e - sem entrar no m�rito se a decis�o foi certa ou errada - isso criou um v�cuo de poder no pa�s e imediatamente na sequ�ncia come�amos a ver o crescimento de uma insurg�ncia multifacetada no Iraque que tentava resistir � campanha ocidental.
Um bra�o dessa insurg�ncia era jihadista, comandada por um indiv�duo chamado Abu Musab al-Zarqawi, que era um veterano do Afeganist�o e tinha conex�es com pessoas da Al Qaeda. No in�cio, ele operava de forma mais independente, mas entre 2004 e 2005 mudou o nome de sua rede para Al Qaeda no Iraque, e desencadeou uma escalada inacredit�vel de carnificinas dentro do pa�s para tentar refor�ar divis�es sect�rias entre sunitas e xiitas e �rabes e curdos e desintegrar o pa�s, o que obviamente faria com que fosse muito dif�cil para os Estados Unidos permanecerem em solo iraquiano.
Esse era o plano sombrio de Zarqawi e ele foi morto pela coaliz�o militar em 2006. Seu grupo tamb�m sofreu uma significativa press�o militar, tanto da coaliz�o quanto de outros grupos do Iraque que mudaram de lado para apoiar os EUA e lutar contra a ent�o Al Qaeda no Iraque. Mas o rescaldo do grupo de Zarqawi, a retirada dos EUA do Iraque no final dos anos 2000 e o estabelecimento de um novo governo iraquiano lan�aram as sementes para o que ent�o se tornou o Estado Isl�mico alguns anos depois, entre 2012 e 2013. Ent�o certamente se pode tra�ar algumas linhas, embora n�o t�o retas, entre a invas�o inicial do Iraque pelos EUA e, uma d�cada depois, o surgimento de algo muito diferente e novo, e ainda mais tem�vel do que a Al Qaeda no Iraque, porque a Al Qaeda no Iraque n�o estava tentando governar um territ�rio, como queria o Estado Isl�mico.
Foi mais uma not�vel reviravolta dos acontecimentos que for�ou os EUA e os aliados a voltarem para o Iraque e, em seguida, entrarem na S�ria para pressionar o Estado Isl�mico, para que eles n�o pudessem realizar mais ataques dentro de ambos os pa�ses, n�o conseguissem governar sob esta forma brutal de lei isl�mica, nem lan�assem ataques contra o Ocidente.
O Estado Isl�mico foi respons�vel por ataques na Europa, e inspira��o para uma s�rie de extremistas nos Estados Unidos. Havia uma c�lula do Estado Isl�mico que foi neutralizada antes das Olimp�adas de 2016, na primeira grande opera��o de contraterrorismo envolvendo jihadistas no Brasil. Ent�o percebe-se o qu�o significativa era a influ�ncia do grupo mesmo entre pessoas que jamais pisariam no Iraque ou na S�ria. E isso come�ou da semente que os EUA plantaram anos antes com a decis�o de invadir o Iraque, quando os pol�ticos em Washington pensaram que nos livrar�amos de Saddam Hussein, ter�amos um novo governo iraquiano no poder que seria aceito pelo povo e o Iraque acabaria se tornando uma democracia ocidental.
Esse objetivo era completamente ilus�rio j� que o Iraque praticamente nunca operou como uma democracia, ou pelo menos uma democracia ocidental, e sua composi��o �tnica e religiosa era diversa, e a maioria das pessoas se filiava mais fortemente com essas divis�es do que com o Estado do Iraque em si.
E os mesmos erros foram cometidos pelos EUA com o Afeganist�o. Os EUA n�o entenderam que o Afeganist�o � um pa�s com composi��o complexa de diferentes religi�es e etnias e os elementos tribais e a forma como essas lealdades funcionam localmente, nos vilarejos, pode mudar muito rapidamente, e que a identidade nacional � quase a �ltima coisa em que essas pessoas est�o pensando. Ent�o, acho que essa � uma daquelas li��es dos �ltimos 20 anos que da pr�xima vez que algu�m no Ocidente decidir pensar em lan�ar algum desses campanha militares no Oriente M�dio ou no sul da �sia, � melhor saber melhor que estamos nos metendo nessa sociedade complexa, ou, como mostram os resultados, n�o vamos atingir os objetivos a que nos propusemos.

BBC News Brasil - � como se os EUA tivessem ignorado completamente os aspectos humanos da �rea nessa �nsia de construir na��es como se fosse construir uma estrada?
Ali - Sim, e de uma forma que mostra uma ambiguidade entre for�a e fragilidade n�o apenas pol�tica, mas da pr�pria identidade americana, de quem somos, como um pa�s que tem essa no��o de que, de alguma forma, temos mais capacidade de mudar o curso da hist�ria porque somos a pot�ncia militar mais forte do mundo ou a economia mais forte do mundo.
As pessoas parecem gostar dos valores e da cultura americana, e h� um pensamento de que se pudermos exportar isso para outros pa�ses no exterior, ao longo do tempo, eles iriam simplesmente se voltar em nossa dire��o. � claro que h� exemplos em que os EUA foram uma for�a positiva no mundo, mas existem certos pa�ses que meramente por sua hist�ria mostram que eles resistiram � ocupa��o estrangeira v�rias vezes no passado. Ou a composi��o do pa�s � t�o �nica e diferente que mesmo com as melhores inten��es e, com o melhor dos objetivos em mente, o esfor�o jamais teria valido a pena.
O Afeganist�o, provavelmente mais do que qualquer outro pa�s, � esse caso. E isso remonta a mil�nios. Alexandre, o Grande, tentou conquistar o Afeganist�o h� quase 2.000 anos, e esse foi um projeto fracassado. O Imp�rio Brit�nico, no auge de seu poderio, em meados de 1800, tentou duas vezes, sem sucesso, e h� quem argumente que isso pode ter sido o in�cio do fim do Imp�rio Brit�nico no Sul da �sia. Em seguida, 100 anos mais tarde, a Uni�o Sovi�tica, no auge do poder e rivalidade contra os EUA, achou que poderia atingir objetivos semelhantes. E ainda assim eles partiram depois de oito anos, tendo falhado e sofrido muitas perdas econ�micas. Muitos historiadores argumentaram que esse tamb�m foi o come�o do fim da Uni�o Sovi�tica.
Ent�o, o Afeganist�o ao longo do tempo e da hist�ria levou ao fim desses imp�rios globais, e espero que isso n�o signifique o fim da hegemonia global americana, mas depois de alguns trilh�es de d�lares gastos e das terr�veis baixas que as tropas dos EUA sofreram, al�m de obviamente, o impacto para os afeg�os, os historiadores v�o olhar para tr�s a partir da perspectiva dos EUA e dizer que de alguma forma nos perdemos quando seguimos na dire��o da constru��o de uma na��o que nenhum poder estrangeiro foi capaz de fazer antes.
BBC News Brasil - O 11 de Setembro gerou essas guerras sem fim no Iraque e no Afeganist�o e a partida dos americanos do solo afeg�o era popular nos EUA. O modo como a partida aconteceu, no entanto, gerou cr�ticas. Como avalia os �ltimos momentos do pa�s no Afeganist�o, quando os EUA tiveram que negociar com o Talib�, o grupo que tiraram do poder?
Ali - Voltando aos primeiros dias ap�s o 11 de Setembro, nosso foco inicial era apenas perseguir a Al Qaeda, porque a Al Qaeda foi a respons�vel pelos ataques. Pouco depois, ampliamos o foco para o Taleb�, mas n�o apenas. Inclu�mos na sequ�ncia a ideia de constru��o de na��o. � a� que vejo erros estrat�gicos importantes, de uma perspectiva pol�tica. Mas nenhum presidente at� Trump, e agora Biden, decidiu mudar isso.
Podemos ter um debate interessante sobre se a retirada total foi a melhor decis�o, mas a forma como foi realizada pareceu precipitada, desconsiderou as complica��es dessas evacua��es, partimos da base da for�a a�rea de Bagram, onde estava a maioria dos meios a�reos e, literalmente, apenas dois meses depois colocamos quase o dobro do n�mero de tropas no solo de novo e tivemos que mover um n�mero igualmente grande de aeronaves de volta ao pa�s para tirar dezenas de milhares de pessoas do Afeganist�o em um per�odo de tempo realmente curto.
E, como consequ�ncia, isso levou � morte de afeg�os e �quelas imagens terr�veis de pessoas desesperadas agarradas em um avi�o militar, e, pior ainda, ao ataque ao aeroporto de Cabul. O governo Biden n�o previu que ao reunir tantas pessoas relativamente desprotegidas e claramente desesperadas para sair, colocando tropas dos EUA e outras tropas ocidentais de volta em perigo para acelerar a partida de todas essas pessoas, que essa seria a oportunidade ideal para o ISIS-K (bra�o paquistan�s-afeg�o do Estado Isl�mico) e, infelizmente, eles se aproveitaram disso.
Mas agora essa parte foi conclu�da e teremos que ver o que ser� do Afeganist�o sob o Taleb�, que se vende como mais gentil e aberto, mesmo que ainda queiram governar sob a lei isl�mica. � preciso ver se conseguir�o passar essa ideia e ter acesso a financiamento internacional, ou se v�o operar como um Estado p�ria do s�culo s�timo e cometer os mesmos erros de 25 anos atr�s que os levaram a perder o poder.
E depois, no lado do terrorismo, com a evacua��o dos EUA e outras for�as militares ocidentais, veremos o ressurgimento de grupos como a Al Qaeda, que foi duramente castigada por 20 anos e teve sua capacidade de ataques ao Ocidente praticamente anulada. Dado o que restou da Al Qaeda, seus recursos, equipamentos, pessoas e dinheiro, n�o acho que eles tenham abandonado o foco do ataque ao Ocidente, e dado seu hist�rico relacionamento com o Talib�, que lhes deu guarida para lan�ar o ataque de 11 de setembro, o que vai acontecer agora? O Talib� vai fazer vistas grossas ou vai reprimir a Al Qaeda? E quanto ao ISIS-K?
O ISIS-K conduziu dezenas, sen�o centenas, de ataques nos �ltimos cinco anos, desde que entrou em cena. Agora, eles s�o uma amea�a ao Taleb� e � seguran�a do Afeganist�o. Como o Taleb� reagir� ao lutar contra eles agora que os EUA n�o est�o mais l�? E isso levanta outro cen�rio realmente interessante: os EUA entrar�o em uma parceria de contraterrorismo com o Taleb� para combater amea�as como ISIS-K ou a Al Qaeda ou outros grupos que tentem amea�ar o Ocidente? � um cen�rio quase inimagin�vel 20 anos atr�s, quando est�vamos jogando bombas sobre o Taleban e conduzindo opera��es terrestres para arranc�-los do poder.

BBC News Brasil - E qu�o prov�vel � essa alian�a entre EUA e Taleb� agora?
Ali - Muito prov�vel, porque j� n�o estamos mais l�, n�o temos a infraestrutura de contraterrorismo que estava dispon�vel para colocar press�o sobre esses grupos por contra pr�pria ou em parceria com o governo afeg�o, que sequer existe mais. Agora, o �nus recai sobre o Taleb� de ser o fiador da seguran�a para o pa�s e, teoricamente, tamb�m para o Ocidente. E esses pa�ses ter�o que entrar em acordo com o Taleb�, n�o porque gostemos politicamente deles, mas apenas porque nossos interesses b�sicos de seguran�a nacional dependem disso.
Ent�o, eu realmente acho que � muito prov�vel que os EUA desenvolvam esse tipo de relacionamento, de parceria, como j� fizemos com outros grupos nos �ltimos anos, quando n�o quer�amos colocar tropas terrestres, como no Iraque, na S�ria, no Norte da �frica. Os EUA devem apoiar os Taleb� direta ou indiretamente, para que eles possam fazer o necess�rio n�o apenas para manter o Afeganist�o seguro, mas tamb�m para manter os EUA seguros.
BBC News Brasil - N�o � uma posi��o muito fr�gil para os EUA depender do Taleb� para garantir a seguran�a de seu pr�prio territ�rio?
Ali - Espero que estes riscos tenham sido pensados %u200B%u200Bpelos l�deres em Washington, em Londres e nos demais pa�ses da Otan (Organiza��o do Tratado do Atl�ntico Norte) que tomaram a decis�o de retirar as tropas e toda a infraestrutura da �rea ao mesmo tempo em que sabiam n�o ter um parceiro vi�vel, como o governo afeg�o, que foi extirpado. Esta � a realidade da situa��o. Tendo trabalhado na Casa Branca antes, eu assumo que essas quest�es foram cuidadosamente estudadas e, novamente, esses riscos foram considerados e que haja um plano de conting�ncia, como uma parceria com o Talib�.
Biden tem dito que manteremos a capacidade de conduzir opera��es de contraterrorismo remotamente, mas n�o h� muitos detalhes sobre o que isso significa. Nas �ltimas semanas, vimos demonstra��es dessa capacidade, com ataques a alvos do ISIS-K ap�s o epis�dio do aeroporto de Cabul (em um dos casos, o ataque a�reo matou civis e investiga��es apontam que n�o havia explosivos no alvo inicial americano). N�o � o mesmo que ter essa presen�a em solo, mas ao menos mostra que temos alguma capacidade de identificar alvos e atacar quando precisarmos, ainda que de modo impreciso. Ent�o o peso de garantia da seguran�a recai realmente muito mais sobre o Taleb�. Agora, se eles querem ou conseguem fazer isso, � uma outra quest�o.
BBC News Brasil - Ao partirem, os americanos deixaram para tr�s uma grande quantidade de armamento militar de ponta. Eles poderiam ter armado grupos, n�o apenas o pr�prio Taleban, mas a Al Qaeda e o ISIS-K, e ajudado assim a gerar novas amea�as ao seu pr�prio territ�rio?
Ali - Isso � algo que vimos no Iraque, quando o Estado Isl�mico avan�ou pelo leste da S�ria e o oeste do Iraque no ver�o de 2014 e capturou enormes quantidades de recursos fornecidos pelos EUA, principalmente armas, nos campos de batalha contra as for�as de seguran�a iraquianas, que naquele momento espec�fico, em sua maioria n�o resistiram e nem lutaram.
O Taleb� fez exatamente a mesma campanha agora sem encontrar praticamente nenhuma resist�ncia. E parece que com isso tomaram uma quantidade significativa de armas e equipamentos americanos. Agora, se o Taleb� vai manter a posse disso pra si ou transferir silenciosamente para outros grupos que apoia, n�o acho que algu�m saiba a resposta. Outra possibilidade � simplesmente que ao usar essas armas contra o ISIS-K e outros grupos, o Taleb� as perca. O modelo do Iraque mostra que "ao vencedor os despojos", ent�o esses grupos provavelmente assumir�o o controle dessas armas. Estamos apenas come�ando a entender a extens�o de como muitos desses recursos est�o agora nas m�os de advers�rios nossos em potencial.
BBC News Brasil - Diferentemente de 20 anos atr�s, h� hoje uma percep��o do governo e da popula��o americana de que as amea�as de ataques dom�sticos s�o muito maiores do que as estrangeiras. O que explica essa mudan�a?
Ali - Nos EUA, passamos por diferentes ondas de terrorismo dom�stico, ent�o essa amea�a tem estado no pa�s h� mais de 100 anos, mas se manifesta de forma diferente ao longo dos diferentes cap�tulos da hist�ria. Acredito que estamos no meio do que eu chamaria de quinta onda de terrorismo dom�stico, que parece diferente, mais intensa. Desde o final dos anos 2000, temos visto mais e mais pessoas aderindo diferentes cren�as no que eu batizei de espa�o amplo da extrema-direita. N�o � um bloco monol�tico, n�o h� um �nico grupo, s�o diferentes vertentes ideol�gicas, sejam elas de supremacia branca, neonazista, anti-governo, teorias da conspira��o.
Mas eu diria que esse grupo de pessoas � hoje muito grande e provavelmente maior do que at� mesmo o contingente de extremistas jihadistas com os quais est�vamos preocupados logo ap�s o 11 de Setembro.
E al�m de ataques de atiradores em grande escala, vimos coisas como uma tentativa de sequestro da governadora de Michigan, pela primeira vez na hist�ria dos EUA. Eram ao menos 13 pessoas envolvidas na conspira��o, que fizeram tudo que voc� veria num plano de terrorismo internacional e, felizmente, todos eles foram presos e est�o sendo julgados. E apenas alguns meses depois, as divis�es pol�ticas em nosso pa�s e as campanhas de desinforma��o sobre os resultados das elei��es levaram a uma insurrei��o no Capit�lio. Algo que n�o v�amos em Washington D.C. havia 200 anos, desde que os brit�nicos tomaram o Congresso, em uma outra era. Eu diria que a amea�a � alta e permanecer� alta por um longo per�odo de tempo, porque normalmente essas ondas tendem a durar entre 20 e 40 anos.
BBC News Brasil - � razo�vel imaginar que alguma dessas amea�as possa resultar em um ataque da escala do que vimos em 11 de setembro de 2001 novamente?
Ali - Acho que n�o, at� porque a invas�o do Capit�lio n�o foi um ataque organizado por uma c�lula, foi um movimento muito mais org�nico. A esmagadora maioria de quase 600 pessoas acusadas de participar do ato se enquadram em uma categoria de a��o individual, enquanto que apenas cerca de 10% ou 20% ali estavam agindo de forma mais coordenada. Ent�o, por um lado, a partir desse terrorismo dom�stico, ver um ataque como o 11 de Setembro � muito remoto, n�o digo imposs�vel, mas de probabilidade muito baixa.
J� os pequenos ataques cometidos por um �nico indiv�duo com uma arma ou um carro-bomba, esses t�m sido muito frequentes nos �ltimos quatro ou cinco anos, e alguns desses ataques podem matar dezenas de pessoas. Acho que � mais realista pensar em uma amea�a de longo prazo de ataques de menor escala. Mas esses s�o os mais dif�ceis de prever, porque indiv�duos isolados ou pequenos grupos s�o mais dif�ceis de entrar no radar das for�as de seguran�a e precisam apenas de uma oportunidade para realizar seu plano.
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