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Estado de Minas VAGAS DE SOBRA

'Pacientes modelos' se oferecem como 'cobaias' em treinamentos de harmoniza��o a botox

Diariamente, s�o anunciadas no Instagram e no Facebook oportunidades para pessoas que queiram passar por interven��es no rosto e no corpo durante treinamentos, arcando apenas com o pre�o de custo. O Conselho Federal de Odontologia (CFO) afirmou � BBC News Brasil que pr�tica n�o � regulamentada. Enquanto advogados e m�dicos alertam sobre riscos, profissionais defendem import�ncia dos pacientes para treinamento.


27/09/2021 19:32 - atualizado 28/09/2021 09:24


Vagas para 'pacientes modelos' anunciadas nas redes sociais oferecem procedimentos estéticos mais ou menos invasivos, desde o design de sobrancelha à aplicação de toxina botulínica (foto)
Vagas para 'pacientes modelos' anunciadas nas redes sociais oferecem procedimentos est�ticos mais ou menos invasivos, desde o design de sobrancelha � aplica��o de toxina botul�nica (foto) (foto: Getty Images)

No Instagram, o an�ncio de vagas para "pacientes modelo" apresenta uma situa��o em que aparentemente todos ganham: pessoas buscando fazer procedimentos est�ticos conseguem realiz�-los a pre�o de custo e, ao se oferecerem para se submeter a estes tratamentos em cursos, contribuem para o desenvolvimento de profissionais — que por sua vez podem treinar t�cnicas e produzir fotos e v�deos para divulga��o na redes sociais.

Dezenas de vagas para pacientes modelo s�o divulgadas diariamente no Instagram por profissionais de sa�de, cl�nicas e cursos. No Facebook, milhares de pessoas participam de grupos voltados para o an�ncio destas oportunidades, onde h� ofertas para procedimentos est�ticos mais ou menos invasivos, desde o design de sobrancelha � aplica��o de toxina botul�nica, harmoniza��o facial, rinomodela��o e lipoaspira��o de papada.

Na realidade, por�m, a possibilidade de boas experi�ncias para todos os lados envolvidos divide espa�o com os riscos de um mercado informal sem qualquer regulamenta��o.

Especialistas entrevistados pela BBC News Brasil dizem que, hoje, este mercado traz inseguran�a jur�dica para profissionais e, principalmente, coloca a pessoas que se submetem �s vagas em uma posi��o vulner�vel. J� h� relatos de ex-pacientes modelos — alguns deles entrevistados pela reportagem — que denunciam complica��es de sa�de e falta de assist�ncia ap�s se submeterem a procedimentos para treinamento, chegando em alguns casos � Justi�a.

Grande parte das vagas � oferecida por dentistas, para quem as portas para realiza��o de procedimentos est�ticos foram abertas ap�s uma s�rie de altera��es na lei e em resolu��es do Conselho Federal de Odontologia (CFO) nos �ltimos anos. Em nota enviada � BBC News Brasil, o CFO foi enf�tico ao dizer que "em conformidade com o C�digo de �tica Odontol�gica, essa pr�tica (de trabalho com pacientes modelos) n�o � permitida em nenhuma hip�tese".

Questionado se pacientes modelos teriam algum direito ou recomenda��o ao se submeter aos procedimentos, o CFO disse que "nenhum dos dois casos" � poss�vel, "porque n�o existe nada estabelecido em lei" que preveja essa pr�tica.

A reportagem tamb�m encontrou, em menor medida, vagas de paciente modelo oferecidas por m�dicos e biom�dicos. Procurados, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Conselho Federal de Biomedicina (CFBM) n�o se manifestaram.

Enquanto os conselhos demonstram dist�ncia do assunto, no dia-a-dia os profissionais n�o s�o nada silenciosos quando o objetivo � conseguir pacientes modelos para seus cursos e treinamentos.

'Dispon�vel para procedimentos'

"Bom dia, pessoal! Estamos selecionando 3 pacientes modelos para bichectomia. Todos os casos ser�o avaliados anteriormente. *Valor de custo*."

"Restam apenas 2 vagas! Seja paciente modelo. Botox, preenchimentos faciais, lipo de papada enzim�tica."

"Preciso de paciente modelo para botox (toxina botul�nica) para portf�lio."

Todos os dias, ofertas de interven��es est�ticas como estas s�o postadas nas redes sociais — inclusive durante a pandemia de coronav�rus, quando a recomenda��o das autoridades tem sido evitar deslocamentos, encontros e atividades n�o essenciais. Boa parte das postagens indica como pr�ximo passo de contato o WhatsApp, atrav�s do qual pessoas interessadas em ser paciente modelo devem consultar pre�os de custo e enviar fotos para avalia��o. H� tamb�m cl�nicas e cursos que oferecem em seus pr�prios sites formul�rios para inscri��o de candidatos a pacientes modelos.

Al�m do an�ncio de vagas por profissionais e empresas, no Facebook h� pessoas que se oferecem espontaneamente para ser paciente modelo.

Foi a partir de uma dessas publica��es, dizendo "dispon�vel para lipo de papada", que a BBC News Brasil chegou a Jhonnattas Santos, 27 anos, analista de fraudes em um banco digital e morador de Osasco (SP).

Ele � um paciente modelo experiente: j� fez aplica��o de toxina botul�nica, clareamento dental e bichectomia (remo��o das bolas de Bichat, bolsas de tecido adiposo nas bochechas) com dentistas durante cursos ministrados para outros profissionais na capital paulista — com exce��o do clareamento dental, feito em consult�rio apenas pelo profissional.


Jhonnattas Santos conta que pretende fazer várias intervenções no rosto e, para isso, 'o método mais acessível hoje é ser paciente modelo'
Jhonnattas Santos conta que pretende fazer v�rias interven��es no rosto e, para isso, 'o m�todo mais acess�vel hoje � ser paciente modelo' (foto: Arquivo pessoal)

Jhonnattas diz que, embora n�o tenha gostado do resultado de todos os procedimentos que fez como paciente modelo, "nunca teve problemas". Para ele, esta pr�tica � uma oportunidade.

"Se eu tivesse dinheiro, muito dinheiro, eu faria v�rias cirurgias. Eu pretendo fazer o nariz, implante, pretendo tirar o excesso de pele ao redor dos olhos", contou o analista de fraudes � BBC News Brasil por chamada de v�deo. "Muitos procedimentos voc� faz em busca da autoestima. Eu particularmente quero mudar meu rosto, n�o me sinto confort�vel com ele, e o m�todo mais acess�vel hoje � ser paciente modelo."

"� uma oportunidade. Meus amigos falam: nossa, Jhon, voc� poderia guardar mais dinheiro e pagar um valor de mercado (como paciente regular). Mas eu acredito que tem profissionais fazendo um trabalho bem feito mesmo com paciente modelo", conta, acrescentando que amigas j� fizeram procedimentos como os dele pagando regularmente e passaram pelo "mesmo protocolo" tanto durante a interven��o como nos cuidados posteriores.

Nessas tr�s ocasi�es, por�m, ele conta n�o ter recebido qualquer tipo de contrato, termo ou documento alertando sobre riscos — formaliza��o que seria essencial, segundo especialistas entrevistados (leia mais abaixo). Jhonnattas apenas preencheu e assinou um formul�rio em que informava se tinha alergias e outros problemas de sa�de.

O jovem atribui suas experi�ncias bem sucedidas � intensa pesquisa que faz antes de passar pelos procedimentos, observando coment�rios nos perfis de profissionais e cl�nicas, e tamb�m enviando mensagens para pessoas que j� fizeram tratamentos nesses locais. Por ser t�o pr�-ativo neste mundo, Jhonnattas conta j� ter recebido oito convites para ser paciente modelo.

"N�o � s� pelo valor que o profissional est� te propondo que voc� vai no primeiro e faz. N�o. Eu particularmente fa�o uma pesquisa de mercado, busco feedbacks , para depois fazer meu procedimento", diz.

Recentemente, Beatriz Cabral, 26 anos, analista de benef�cios e moradora de S�o Paulo (SP), tamb�m postou no Facebook estar "dispon�vel como paciente modelo", o que seria sua primeira experi�ncia como uma. Como paciente regular, ela j� fez duas cirurgias — coloca��o de pr�tese de silicone e abdominoplastia — e agora deseja "aumentar a boca, fazer bichectomia e lipo de papada". Ela tem amigas que j� tiveram boas experi�ncias como paciente modelo e h� um ano come�ou a buscar vagas do tipo nas redes sociais.

Perguntada o que a atrai nestas oportunidades, ela respondeu: "O valor. E tamb�m n�o � um procedimento muito invasivo, porque os cirurgi�es (pl�sticos) fazem em hospitais."

A BBC News Brasil consultou se a assessoria de imprensa do Facebook e do Instagram gostariam de se posicionar nesta reportagem, mas as empresas preferiram n�o se manifestar.

'Tive um livramento'


'Tinha um clima de ansiedade e apreensão, porque todas foram pegas de surpresa: ninguém imaginou que teria tanta gente', relata Ana (nome fictício) sobre sua experiência como paciente modelo, quando encontrou cerca de outras 100 pessoas na mesma situação que ela
'Tinha um clima de ansiedade e apreens�o, porque todas foram pegas de surpresa: ningu�m imaginou que teria tanta gente', relata Ana (nome fict�cio) sobre sua experi�ncia como paciente modelo, quando encontrou cerca de outras 100 pessoas na mesma situa��o que ela (foto: Getty Images)

Por outro lado, se pudesse dar um conselho para quem pretende ser paciente modelo, Ana (nome fict�cio, a pedido da entrevistada), 34 anos, diria: "corre".

Isso por conta da primeira e �ltima vez que ela foi paciente modelo, em 2019, em um curso de rinomodela��o com uma t�cnica anunciada como "patenteada" por uma dentista com a promessa de modelar o nariz com fios de PDO (polidioxanona). Ana diz que n�o s� n�o teve o resultado desejado, como levou um susto com uma inflama��o que teve no nariz e n�o teve assist�ncia adequada da profissional. Hoje, ela est� bem — o que diz ser um "livramento".

A mulher conta que acompanhava a dentista no Instagram, onde esta se apresenta apenas como "doutora", e ficou sabendo de vagas para rinomodela��o em um curso que a profissional ministraria.

"Eu n�o queria fazer uma rinoplastia (procedimento cir�rgico) que mudasse o formato do meu nariz, que fosse muito invasivo. Eu me incomodava com o meu nariz quando eu sorria. Vi no Instagram que ela (a dentista) precisava de pacientes modelos e falei: legal, porque s� pagaria o pre�o de custo e n�o � t�o invasivo. Ela falava que as pessoas sa�am do consult�rio andando, que um dia depois j� podiam retomar a vida normal", contou � BBC News Brasil por telefone.

Ana ent�o enviou fotos suas para a dentista atrav�s do WhatsApp, foi "selecionada" e fez um pagamento parcial para reservar sua vaga. No dia do curso dado pela profissional — e de sua rinomodela��o —, ela viajou por cerca de duas horas de carro do interior de S�o Paulo at� a capital e chegou a uma cl�nica onde estavam cerca de outras 100 pacientes modelo.

"Tinha um clima de ansiedade e apreens�o, porque todas foram pegas de surpresa: ningu�m imaginou que teria tanta gente. Teve meninas que vieram de �nibus, de bem mais longe", lembra, mencionando a desorganiza��o e atrasos naquele dia.

"L� embaixo, voc� ficava esperando a merc�, n�o podia sair, algumas pessoas reclamavam que estavam sem almo�ar. L� em cima (onde eram feitos os procedimentos), o clima… a palavra talvez seja de positividade. As pessoas da equipe eram extremamente alegres; ela (a dentista l�der) vende que tudo est� maravilhoso, te atende de uma maneira que voc� pensa: nossa, vai dar tudo certo, vai ficar maravilhoso."

Apesar do cen�rio positivo protagonizado pelos organizadores do curso, Ana descreve o ambiente de outra forma.

"Era tudo junto, tinha umas baias, era tipo um abatedouro: v�rias ali ao mesmo tempo sendo anestesiadas e passando pelo procedimento."

A mulher conta que um dentista em treinamento se apresentou para ela, fez perguntas b�sicas sobre alergias e come�ou a fazer um procedimento "bem invasivo", com sutura e anestesia — diferente do que ela esperava. Quando tinha d�vidas, o profissional em treinamento chamava a dentista que liderava o curso para fazer perguntas.

Ao fim, embora todos ao seu redor dissessem que o resultado tinha ficado "maravilhoso", Ana estava assustada com a dor que sentia. Nos cinco dias seguintes, ela ficou de cama, com o nariz inchado, e s� conseguia contato virtual com a dentista, que morava em outro Estado.

"O p�s era muito deficiente: voc� mandava uma mensagem de manh� perguntando se o incha�o e os sangramentos eram normais, e eles s� respondiam � noite."

Com o tempo e rem�dios, os fios foram soltando e a inflama��o, diminuindo. Hoje, Ana diz ter ficado sem resultados e com duas protuber�ncias na parte interna do nariz: "N�o sei se o profissional n�o soube aplicar a t�cnica, ou se a t�cnica n�o funciona mesmo."

"Mas tive um livramento. N�o tive o resultado, mas tudo bem, porque eu tamb�m n�o tive nenhuma sequela. Poderia ter tido, n�?"

Olhando para a situa��o passada, Ana avalia que faltou se perguntar: "ser� que (a oferta) � isso tudo mesmo?"

"Eu via pelas redes que ela (a dentista) postava o antes e o depois dos pacientes, e voc� n�o via nenhuma reclama��o. Eu at� pesquisei, mas como era muito o come�o da t�cnica, n�o tinha muita informa��o."

Apesar de dizer que faltou acionar seu "desconfi�metro", Ana relata que teve um breve momento naquele dia tumultuado que logo a deixou com uma pulga atr�s da orelha: quando assinou um contrato reconhecendo que estava sendo submetida a um procedimento como paciente modelo e que tomaria os cuidados devidos no p�s-operat�rio. Ao solicitar uma via para ela, uma atendente disse que n�o havia pap�is suficientes para isso.

"Teve essa quest�o do contrato, e eu fiquei cismada. O tempo vai passando, e voc� fala: gente, vou embora, o que eu estou fazendo aqui? Mas eu falei: poxa, eu j� t� aqui. E quando voc� sobe, voc� � t�o bem recebida, que parece que vai dar tudo certo."

Hoje, Ana diz que "jamais, jamais, jamais seria paciente modelo de novo."

"Voc� fica muito sozinha. Se voc� contrata um m�dico para a realiza��o de um servi�o, parece que � mais leg�timo procurar e lidar diretamente com o profissional. Agora, quando voc� est� naquele mutir�o, voc� fica sozinha. Depois, no seu p�s, voc� fica abandonada, naquele limbo sem saber se o que est� sentindo � normal ou n�o �. Quem vai ter dar um respaldo? � melhor voc� pagar um pouco mais e ter mais direito a exigir", afirma.

'Pode acontecer mil coisas'


Duas entrevistadas pela BBC News Brasil que foram pacientes modelos durante cursos reclamaram da falta de assistência após terem complicações
Duas entrevistadas pela BBC News Brasil que foram pacientes modelos durante cursos reclamaram da falta de assist�ncia ap�s terem complica��es (foto: Getty Images)

Moradora da cidade do Rio de Janeiro (RJ), Laura (nome fict�cio, a pedido) tamb�m teve uma experi�ncia ruim que n�o a faz descartar totalmente ser paciente modelo de novo, mas que definitivamente a ensinou a tomar certos cuidados.

Em 2020, ela foi paciente modelo de uma biom�dica que aplicou toxina botul�nica no seu rosto; segundo Laura, esta foi uma experi�ncia "mais tranquila". Ela conta ter tido problemas neste ano, quando se submeteu � aplica��o de �cido hialur�nico nas olheiras em um curso ministrado por uma dentista.

Antes do procedimento, o contato com a organiza��o do curso foi todo virtual. Laura foi avisada que as pacientes modelo seriam atendidas por ordem de chegada.

Logo depois da aplica��o do que foi apresentado como �cido hialur�nico, ela diz ter sentido muita dor. A� veio a desconfian�a.

"Vem a professora, marca voc�, tira foto, diz que voc� vai ficar linda. Fica aquela vis�o toda, e voc� se desliga, sabe?", contou � BBC News Brasil por telefone. "Depois que eu sa�, pensei: caramba, nem perguntei o que (produto) eles tinham colocado. Fiquei mega preocupada."

No dia seguinte � interven��o no rosto, Laura come�ou a pedir a nota fiscal e informa��es do produto usado — coisas que ela tinha recebido na primeira vez que foi paciente modelo, com a aplica��o de toxina botul�nica. J� no procedimento deste ano, o mesmo contato no WhatsApp com quem ela se comunicou para marcar a aplica��o do �cido hialur�nico deixou de respond�-la quando ela passou a cobrar assist�ncia.

"Eu tentei ligar, ningu�m atendeu. Fui l� (no local onde o curso tinha acontecido) e estavam completamente fechados: eles fazem um dia e depois fecham a sala."

A mulher diz ter ficado sem assist�ncia e hoje tem uma esp�cie de buraco na olheira. Nem passou pela cabe�a reivindicar medidas mais dr�sticas como uma a��o judicial, pois ela diz ter errado em assinar pap�is que ficaram apenas com os organizadores do curso, sem uma via para ela. Hoje, ela avalia que os documentos assinados tinham a fun��o, para os organizadores do curso, de tirar "qualquer responsabilidade do que ia acontecer".

"Podia ter dado mais errado. Deu errado visualmente: eu n�o gostei do resultado depois. Mas eu corri o risco de ter uma coisa mais s�ria, que eu fosse de repente parar no hospital."

Laura diz que s� seria paciente modelo de novo se fosse com um profissional ou em um curso pelos quais outra pessoa j� tivesse passado e indicasse.

"Ir sozinha, do jeito que eu fui… � muito f�cil ficar preocupada agora", desabafa. "Voc� est� sempre sujeito a acontecer alguma coisa. Ou � o material que eu n�o sei de onde veio, ou a m�o da pessoa que ainda n�o est� treinada o suficiente. � mais barato? �. Mas pode acontecer mil coisas."

Casos na Justi�a contra dentista

A desconfian�a com a autenticidade de produtos apresentados como �cido hialur�nico tem precedentes.

No in�cio do ano, chegaram a jornais e a canais de televis�o as acusa��es contra a dentista Giselle Gomes, que atendia em Campos dos Goytacazes (RJ) e � acusada de aplicar nos l�bios e no nariz PMMA (polimetilmetacrilato) ou hidrogel em vez de �cido hialur�nico — como dizia �s pacientes. Esta atua��o fez o Minist�rio P�blico do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) denunciar Gomes por estelionato, les�o corporal grave e exerc�cio ilegal da profiss�o de odont�loga. O MPRJ tamb�m conseguiu na Justi�a a suspens�o da habilita��o profissional e a proibi��o do exerc�cio profissional dela.

A BBC News Brasil entrou em contato com o advogado de Giselle Gomes, que preferiu n�o se manifestar.

A reportagem conversou com Andrea Paes, advogada de 32 pessoas que se dizem v�timas de Giselle Gomes atendidas entre 2018 e 2020 — duas delas foram pacientes modelos da dentista, que negociava estas vagas no Instagram e atrav�s da indica��o de outros pacientes. Ela recebeu estas pacientes modelos em seu consult�rio e disse que aplicaria t�cnicas de harmoniza��o facial que aprendera em um curso. Na rede social, Gomes tamb�m oferecia permutas para influenciadoras da internet, dando procedimentos gratuitos em troca de postagens, de acordo com Paes.

A permuta � vedada pelo C�digo de �tica Odontol�gica, que diz ser uma infra��o "oferecer trabalho gratuito com inten��o de autopromo��o ou promover campanhas oferecendo trocas de favores".

Andrea Paes relata que, ap�s a aplica��o do PMMA ou hidrogel, as v�timas ficaram com dor, manchas e deformidades. Uma influenciadora que fez uma permuta precisou passar por duas cirurgias para tirar o PMMA do nariz e dos l�bios e "at� hoje vive � base de corticoides", de acordo com a advogada.

As pacientes modelos e influenciadoras recebiam apenas um papel com orienta��es para cuidados posteriores ao procedimento, o que a advogada diz ser problem�tico.

"Tanto as modelos quanto os profissionais assumem o risco de uma responsabilidade civil, de um problema, sem saber no que isso vai parar. E a Justi�a est� bem severa nas puni��es indenizat�rias quando h� uma deformidade no rosto, inclusive quando h� uma deformidade permanente", afirma Andrea Paes.

"A norma n�o diz: fa�a um contrato. Mas hoje, um bom profissional que quer se resguardar dos problemas que vir�o faz um contrato para se respaldar de uma responsabilidade civil."

Para a advogada, h� um desequil�brio problem�tico na rela��o entre profissionais e pacientes modelo — que n�o pagam regularmente.

"As pessoas se sentem um pouco constrangidas em perguntar: qual produto voc� vai usar? Est� dentro da validade? Ent�o, todo cuidado quando se fala em permuta, em paciente modelo, tem que ser tomado."

'Trato pacientes modelos igual ou melhor'


Treinamento com manequins é parte de formação de profissionais, mas não com pacientes modelo
Treinamento com manequins � parte de forma��o de profissionais, mas n�o com pacientes modelo (foto: Getty Images)

A BBC News Brasil pediu entrevistas para dez profissionais, cl�nicas e institutos de treinamento que anunciaram vagas para pacientes modelo no Instagram na primeira semana de setembro, e apenas duas dessas fontes se disponibilizaram a conversar com a reportagem — as outras n�o responderam no WhatsApp nem atenderam liga��es, ou adiaram repetidamente a entrevista.

Uma das profissionais que concedeu entrevista foi a cirurgi�-dentista Dany Moura, 44 anos, fundadora do curso de harmoniza��o orofacial Harmony Face, na cidade do Rio de Janeiro. Ela diz que profissionais da sua �rea est�o sob constante ataque, principalmente por m�dicos, e defende que o Brasil tem uma das "melhores odontologias do mundo", atraindo inclusive pacientes estrangeiros.

A dentista diz que bons profissionais trabalham eticamente com pacientes modelos — e que estes s�o fundamentais nos cursos livres oferecidos pela Harmony Face, onde os alunos s�o profissionais de sa�de graduados e com registro profissional.

"A harmoniza��o orofacial n�o � dada na grade da faculdade de odontologia", explica, afirmando que profissionais de outras �reas, como biom�dicos e at� m�dicos, tamb�m fazem seus cursos livres. "Como eles n�o t�m esse contato na faculdade, � dif�cil s� trabalhar em manequim de silicone, em manequim de resina. Ent�o o paciente (modelo) � de suma import�ncia porque eles (os alunos) conseguem ter contato com o procedimento que � dado na parte te�rica."

Seu instituto, fundado h� cerca de um ano e meio e cuja equipe totaliza quatro dentistas, j� trabalhou com cerca de 100 pacientes modelos. Segundo Dany, eles chegam atrav�s de indica��es e pelas redes sociais; passam por uma consulta presencial antes de serem submetidos a procedimentos no curso; assinam e recebem uma via de um termo de consentimento. A cirurgi�-dentista garante que ela e a equipe t�m toda experi�ncia e preparo para lidar com intercorr�ncias — e comemora que isso at� hoje n�o tenha acontecido.

"Os pacientes modelos, nos meus cursos, s�o tratados igual ou melhor do que os pacientes dentro do meu consult�rio, que me pagam integralmente. Porque eles est�o ali se disponibilizando para que outros profissionais se capacitem", diz a cirurgi�-dentista, que al�m do curso tem seu pr�prio consult�rio, oferecendo v�rios tipos de tratamento odontol�gico.

"Na pr�xima turma, vou ter um curso e a minha madrinha, que � a minha segunda m�e, vai ser uma paciente modelo", acrescenta, demonstrando que o cuidado � tanto a ponto de incluir tamb�m familiares dela.

J� a biom�dica Jana�na In�cio, 26 anos, anunciou esses dias no Instagram a primeira vaga para paciente modelo que ela atender� na cl�nica de uma colega em Contagem (MG). Antes, ela s� havia trabalhado com esse tipo de paciente em cursos nos quais foi aluna.

A profissional diz que abriu a vaga buscando "enriquecer o portf�lio" e "ter um contato com varia��es anat�micas" ao aplicar toxina botul�nica em diferentes rostos.

"Atrav�s desse modelo de atendimento (paciente modelo) � poss�vel atingir um p�blico maior e com mais varia��es anat�micas. Olhando pra uma outra perspectiva, esse tipo de atendimento proporciona ao paciente modelo, incluindo pessoas que n�o teriam acesso (financeiro), um atendimento de qualidade com investimento mais baixo", avalia Jana�na In�cio.

Se preparando para atender seu primeiro paciente modelo sozinha, fora de treinamentos, a biom�dica diz j� ter separado um termo de consentimento para leitura e assinatura, incluindo uma via para cada um dos lados.

Ela diz ter decidido usar o termo depois de pesquisar normas do Minist�rio do Sa�de e ler o C�digo de �tica do Conselho Federal de Biomedicina (CFBM) — mas desabafa ter sentido falta de uma regulamenta��o mais direta sobre os pacientes modelos.

"Realmente, nessa quest�o de paciente modelo, n�o tem muitas regras. Mas eu trabalho com eles com as mesmas garantias do paciente normal", afirma.

"Como tem v�rios tipos de profissionais no mercado, principalmente pela grande procura dos procedimentos est�ticos, a gente consegue se deparar com v�rios tipos de profissionais. Ent�o, ter um uma regulamenta��o traz uma maior seguran�a tanto pro profissional quanto para o paciente."

'N�o � ilegal'

Especialista em causas m�dicas e odontol�gicas, o advogado David Castro Stacciarini resume: n�o h� ilegalidade no atendimento de pacientes modelos. Tampouco h� leis ou normas infralegais regulamentando a pr�tica.

Mas, para Stacciarini, ela esbarra em quest�es �ticas que seriam da esfera de avalia��o dos conselhos profissionais: por exemplo, a cobran�a apenas do pre�o de custo dos procedimentos pode eventualmente ser interpretada como concorr�ncia desleal. Os conselhos tamb�m t�m regras bem delimitadas sobre postagens de resultados nas redes sociais, e � frequente que pacientes modelos apare�am em fotos de "antes e depois" do procedimento.

"Aponto quest�es �ticas, porque n�o � ilegal o acordo privado entre as partes. O C�digo Civil n�o se interessa pela quest�o �tica; quem se interessa pela quest�o �tica � o Conselho de Medicina e o Conselho Odontol�gico. A �tica, quem vai julgar � o conselho de classe", explica o advogado, se somando a outros entrevistados que apontam para a import�ncia de um documento em particular.

"Teoricamente, o documento mais importante na rela��o e sa�de � o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, ou o Termo de Consentimento Informado. Esse documento vai falar dos riscos que o paciente pode vir a ter fazendo aquele procedimento. Posso ter sangramento? Posso ter hematoma? Posso ter necrose? Posso ter uma infec��o? Posso ter uma embolia pulmonar? Posso morrer nesse procedimento? Esses riscos t�m que ser bem mencionados e esclarecidos ao paciente."

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido � exigido, segundo uma resolu��o do Conselho Nacional de Sa�de (CNS), em toda pesquisa cient�fica envolvendo pessoas no Brasil — por exemplo, um estudo cl�nico que aplica vacinas experimentais contra a covid-19 em volunt�rios, ou uma pesquisa sociol�gica que realize entrevistas. Quem avalia os termos entregues e os protocolos de pesquisa � uma das 18 comiss�es do CNS, a Comiss�o Nacional de �tica em Pesquisa (Conep), e suas inst�ncias regionais, os Comit�s de �tica em Pesquisa (CEPs). O CNS � vinculado ao Minist�rio da Sa�de.

Recentemente, foi a desconfian�a de diverg�ncias entre o protocolado na Conep e o que foi realizado na pr�tica em estudos cl�nicos com a proxalutamida no Brasil que levou � suspens�o, pela Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria (Anvisa), da importa��o do medicamento . Estes estudos visavam testar o uso do rem�dio para tratamento da covid-19.

No termo, que deve ser escrito com uma linguagem clara, um participante de pesquisa reconhece que foi informado sobre os objetivos do estudo, seus benef�cios e riscos. Tamb�m � documentado que o participante tem autonomia para escolher entrar ou se retirar a qualquer momento da pesquisa. O contrato traz ainda os nomes e contatos dos pesquisadores, que ficam com uma das vias — e o participante, com outra.

Acontece que a pr�tica de atender os pacientes modelos est� numa interse��o obscura: tem tra�os de pesquisa cient�fica, de ensino e de pr�tica m�dica ou odontol�gica.

Conselheira da Conep, a fisioterapeuta La�s Souza explicou � BBC News Brasil que os pacientes modelos n�o s�o diretamente abarcados pelas normas que recaem sobre as pesquisas cient�ficas, mas que os termos de consentimento usados nestas servem como refer�ncia. E, na verdade, ela diz que o consentimento � um processo: n�o se trata apenas de um papel, mas preferencialmente de um di�logo transparente entre as partes ao longo de suas trocas.

Souza lembra que, em 2016, o pr�prio Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma resolu��o recomendando que os profissionais usassem o termo nos seus atendimentos em geral, "com o objetivo de proporcionar aos m�dicos maior seguran�a na tomada de decis�es sobre assist�ncia � sa�de dos pacientes", segundo o documento.

"Isso come�ou com discuss�es em artigos cient�ficos, na �rea da bio�tica, sobre a necessidade de come�ar a usar o termo n�o s� na pesquisa, mas tamb�m na pr�tica cl�nica", aponta Souza, acrescentando que, para os m�dicos, o termo pode ser uma prote��o em eventuais processos judiciais abertos por pacientes.

'Nenhum m�dico pode usar o paciente ao seu bel-prazer'

Para o m�dico D�nis Calazans, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Pl�stica (SBPC), o mercado dos pacientes modelos como um todo � problem�tico — muito al�m da quest�o do termo de consentimento.

Por mais que muitas das vagas para pacientes modelos n�o sejam para interven��es invasivas como uma cirurgia pl�stica e nem ofere�am procedimentos que s� m�dicos podem fazer, Calazans usa como ideal a resid�ncia m�dica, em que m�dicos graduados se especializam e, como parte do treinamento, tratam pacientes. Esta forma��o � controlada por um decreto de 1977 que regulamenta a resid�ncia m�dica e criou a Comiss�o Nacional de Resid�ncia M�dica. O Conselho Federal de Medicina (CFM) tamb�m tem normas espec�ficas para a resid�ncia m�dica.

"Qualquer tipo de procedimento m�dico deve ser realizado dentro de ambientes que gozem de todas as licen�as da vigil�ncia sanit�ria em ambientes preparados para tratamento de eventuais complica��es que possam ocorrer", aponta o m�dico, em entrevista � BBC News Brasil por chamada de v�deo.

"Hoje, nos ambientes hospitalares em que tamb�m h� ensino, temos comit�s de �tica em que nada � feito sem que haja um aval. Nenhum m�dico, treinando ou formando em medicina pode usar o paciente a seu bel-prazer, como se fosse um treinamento ou uma verdadeira cobaia."

Tamb�m h� leis e uma Comiss�o Nacional de Resid�ncia Multiprofissional em Sa�de que regulamentam a resid�ncia na odontologia, biomedicina, farm�cia, entre outros.

Mas enquanto as resid�ncias s�o p�s-gradua��es que costumam durar mais de um ano, os treinamentos que costumam usar pacientes modelos v�o desde atendimentos individuais em consult�rio a cursos livres de final de semana e especializa��es mais longas.

A BBC News Brasil procurou o Minist�rio da Sa�de perguntando se h� alguma regra para o uso de pacientes modelos em cursos de curta e longa dura��o, mas n�o obteve resposta mesmo ap�s insist�ncia. Entretanto, v�rios entrevistados confirmaram que n�o h� regras..

D�nis Calazans exemplifica complica��es que podem ocorrer com o uso de preenchedores no rosto, muito comuns na �rea est�tica, e que exigiriam atendimento m�dico: "N�o s� inflama��es, mas tamb�m necroses, amaurose, les�es vasculares, nervosas. Tudo isso precisa de uma assist�ncia m�dica especializada".

"Suponhamos que um desses pacientes (modelos) se submeta a um desses cursos de finais de semana, em que l� v�rias m�os v�o estar treinando no seu pr�prio corpo ou face. Imagine se uma dessas situa��es evolui para uma gravidade, por exemplo a oclus�o de uma art�ria que nutre o olho, algo que pode levar at� � cegueira quase que imediata. Ser� que esses ambientes est�o preparados para socorrer situa��es emergenciais como essa? Ser� que esses profissionais monetizando com esses cursos est�o preparados verdadeiramente para tratar complica��es?", questiona.

"Essa se torna uma verdadeira arapuca, e lamentavelmente n�s assistimos mais uma vez a popula��o desassistida em termos de seguran�a. H� uma necessidade premente de que as autoridades competentes regulamentem esse tipo de procedimento para que n�o possamos assistir mais situa��es t�o desastrosas como essas que viram manchetes da imprensa."

Calazans tamb�m alerta para a "periculosidade das m�dias sociais", j� que "o n�mero de seguidores ou likes nunca foi atestado de compet�ncia profissional".

"Muitos pacientes acabam se encantando por tudo aquilo que se v� nas m�dias sociais, e hoje elas se tornaram verdadeiras armadilhas", afirma o m�dico. "� muito importante que os pacientes se alertem sobre isso e n�o sejam iludidos, buscando tratamento pensando sempre na sua seguran�a e n�o no baixo custo."

'O que se sobrep�e ao paciente?'


Em 2020, Conselho Federal de Odontologia (CFO) publicou resolução explicitando intervenções no rosto vedadas aos seus profissionais, como a rinoplastia
Em 2020, Conselho Federal de Odontologia (CFO) publicou resolu��o explicitando interven��es no rosto vedadas aos seus profissionais, como a rinoplastia (foto: Getty Images)

Para o advogado David Castro Stacciarini, o surgimento de vagas para pacientes modelos � uma consequ�ncia de transforma��es que o mercado est�tico passou na �ltima d�cada. Nisso, as redes sociais tamb�m t�m papel importante, influenciando at� na mudan�a dos tipos de procedimentos realizados, de acordo com o advogado.

"O Brasil antigamente n�o tinha uma caracter�stica de fazer procedimentos na face. O Brasil sempre endeusou mais os procedimentos no corpo", aponta. "Com a vinda das redes sociais, o rosto se tornou extremamente importante".

No pa�s que h� muito tempo aparece no p�dio daqueles que mais fazem procedimentos est�ticos no mundo, a maior procura por interven��es no rosto deu ainda mais combust�vel a um mercado bilion�rio. A pesquisa global da Sociedade Internacional de Cirurgia Pl�stica Est�tica (em ingl�s, International Society of Aesthetic Plastic Surgery, a Isaps) referente a 2019 mostrou o Brasil no segundo lugar em procedimentos cir�rgicos e n�o cir�rgicos realizados (2.565.675) no planeta, atr�s apenas dos Estados Unidos (3.982.749).

De 2018 para 2019, enquanto o n�mero de interven��es cir�rgicas no Brasil diminuiu um pouco, em 0,3%, o de procedimentos n�o cir�rgicos subiu 39,3% — e os mais realizados nesta categoria no Brasil foram a aplica��o da toxina botul�nica e do �cido hialur�nico.

Com altera��es na legisla��o e nas normas dos conselhos profissionais, cada vez mais profissionais se aproximaram da �rea est�tica.

Stacciarini explica que um ponto de partida para esta tend�ncia foi a san��o, em 2013, da Lei do Ato M�dico, que tipificou como procedimentos invasivos "a invas�o dos orif�cios naturais do corpo, atingindo �rg�os internos" — e estes foram definidos como compet�ncia exclusiva dos m�dicos. Uma consequ�ncia disso, segundo o advogado, foi que profissionais n�o m�dicos viram nesta defini��o um caminho aberto para realizar procedimentos considerados a partir de ent�o n�o invasivos.

A lei tamb�m resguardou a possibilidade de outros profissionais n�o m�dicos aplicarem inje��es, e a ent�o presidente Dilma Rousseff justificou em sua san��o na �poca que isto era importante para garantir o atendimento no Sistema �nico de Sa�de (SUS), que depende de equipes multiprofissionais. Uma consequ�ncia talvez n�o prevista, segundo segundo Stacciarini, � que isto favoreceu o trabalho de profissionais de sa�de n�o m�dicos com produtos est�ticos injet�veis, como � a toxina botul�nica.

Por�m, as portas abertas pela lei n�o seriam suficientes sem flexibiliza��es que vieram dos conselhos profissionais — com quem associa��es e conselhos m�dicos passaram a batalhar na Justi�a, em disputas que correm at� hoje.

Ainda em 2013, o Conselho Federal de Farm�cia (CFF) publicou uma resolu��o reconhecendo "a sa�de est�tica como �rea de atua��o do farmac�utico". Em 2014, foi a vez do Conselho Federal de Biomedicina (CFBM) "regulamentar prescri��o e utiliza��o de subst�ncias (incluindo injet�veis), pelo profissional biom�dico habilitado em biomedicina est�tica para fins est�ticos". Em 2016, o Conselho Federal de Odontologia (CFO) publicou resolu��o autorizando "a utiliza��o da toxina botul�nica e dos preenchedores faciais pelo cirurgi�o-dentista, para fins terap�uticos funcionais e/ou est�ticos, desde que n�o extrapole sua �rea anat�mica de atua��o".

O Conselho Federal de Medicina (CFM) acionou a Justi�a contra todas essas resolu��es e outras relativas � est�tica — com derrotas, vit�rias, suspens�es e retomadas para todos os lados. Estas disputas chegaram at� ao Superior Tribunal de Justi�a (STJ).

Em paralelo a este limbo jur�dico, o mercado continuou a toda. Na pr�tica, as fronteiras entre o que s�o procedimentos invasivos ou n�o invasivos, de compet�ncia do m�dico ou n�o, ficaram porosas.

De acordo com Stacciarini, em 2020 o pr�prio CFO precisou dar um basta a uma explos�o de dentistas fazendo cirurgias que s�o de compet�ncia exclusiva do m�dico. Em uma resolu��o, o conselho explicitou interven��es no rosto vedadas aos seus profissionais: alectomia, blefaroplastia, cirurgia de castanhares, lifting de sobrancelhas, otoplastia, rinoplastia e ritidoplastia ou face lifting.

A resolu��o destacou ainda que cirurgi�es-dentistas est�o proibidos de fazer interven��es "em �reas anat�micas diversas de cabe�a e pesco�o" e afirmou que qualquer profissional ou institui��o oferecendo cursos de procedimentos vedados est� sujeito a penalidades.

Mesmo assim, Stacciarini diz que as irregularidades n�o pararam — �s vezes, s� trocaram de nome.

"Aquilo que se chamava rinoplastia, agora � nose job level 5 ou ultranose . Otoplastia � earshut — sempre nomes em ingl�s, para ficar legal", explica, mencionando tamb�m a frequ�ncia da reivindica��o de t�cnicas "patenteadas", o que n�o � poss�vel para procedimentos terap�uticos e cir�rgicos no corpo humano, segundo a lei brasileira de propriedade intelectual.

O advogado afirma que, uma vez investigados, esses procedimentos poderiam ser constatados como irregulares e seriam alvo de puni��o. Entretanto, na pr�tica, eles continuam acontecendo e tomando novos nomes como disfarces.

Em nota, o CFO afirmou que os Conselhos Regionais de Odontologia "det�m de compet�ncia legal para iniciar o processo �tico por eventual infra��o", e que o conselho federal, como "�rg�o de supervis�o de classe", "promove campanhas educativas, divulga orienta��es, entre outras iniciativas para que os profissionais de odontologia n�o cometam esse tipo de erro".

David Castro Stacciarini destaca uma particularidade das vagas para pacientes modelos.

"Perceba que tudo isso envolve praticamente a �rea est�tica. Voc� n�o v�, por exemplo, cursos com pacientes modelos para ortopedia; para cirurgia geral; para neurocirurgia. Ent�o, temos um aumento substancial de procedimentos est�ticos que gerou um certo mercado paralelo disso. � um mercado bilion�rio, muito dinheiro est� envolvido."

Paciente modelo em 2019, Ana tamb�m fala deste tipo de vaga com o "reflexo" de um nicho promissor: o de cursos em que um profissional ensina uma t�cnica para outros profissionais, que pagam para isso.

"N�o � do paciente (modelo) que eles ganham dinheiro; acho que ganham dinheiro vendendo cursos para outros dentistas. Por exemplo, a doutora que me atendeu, ela j� quase n�o atua mais na �rea (da odontologia): ela s� d� cursos. E a� tem o desdobramento: quem fez o curso dela come�a a dar cursos em sua regi�o tamb�m. Vira um novo nicho, um novo mercado."

""Eu n�o desmere�o a profiss�o dos dentistas: acho que s�o excelentes, muitos s�o capacitados, todas as �reas merecem se desenvolver. Mas o que se sobrep�e ao paciente?", questiona Ana, que relatou falta de assist�ncia ao ter uma inflama��o no nariz ap�s ser paciente modelo.

"Acho que dinheiro n�o deve nunca se sobrepor ao paciente. Se voc� � paciente modelo, ou paciente dele, deve ser tratado com o mesmo respeito, com a mesma �tica do que todas. Fazer disso um mercado para ganhar dinheiro em detrimento da sa�de de outras pessoas n�o � certo pra nenhuma �rea."

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