
A popula��o de Amargosa, cidade do centro-sul da Bahia, sofre com um dilema envolvendo o jumento, o jegue, uma tradicional esp�cie do Brasil e s�mbolo hist�rico da luta di�ria do sertanejo. O munic�pio, a 119 km de Salvador, se tornou dependente de um mercado que cresce a cada ano, mesmo sob a acusa��o de colocar a exist�ncia do animal em risco.
Eles s�o mortos com um tiro de ar comprimido entre os olhos. Depois, o couro � retirado, embalado em caixas e levado para a China, onde � transformado em uma gelatina que � usada para produzir o ejiao, um produto medicinal bastante popular e lucrativo da Tradicional Medicina Chinesa. A carne normalmente � separada e exportada para o Vietn�.
N�o h� comprova��o cient�fica de que o ejiao funcione, mas, no pa�s asi�tico, ele � utilizado para tratar diversos problemas de sa�de, como menstrua��o irregular, anemia, ins�nia e at� impot�ncia sexual. Ele � consumido de v�rias maneiras, como em ch�s e bolos. No YouTube, h� v�deos de programas populares da TV chinesa ensinando receitas com ejiao e prometendo ao espectador uma vida "mais saud�vel."
Estima-se que o produto movimente bilh�es de d�lares por ano. Uma pe�a de couro, por exemplo, pode ser vendida na China por at� U$ 4 mil (cerca de R$ 22,6 mil) — uma caixa de ejiao sai por R$ 750. No Brasil, os valores do com�rcio s�o bem menores — jumentos s�o negociados por R$ 20 no sert�o, e depois repassados aos chineses.
A alta demanda e lucratividade fizeram com que empres�rios chineses mirassem o Brasil, pa�s com uma popula��o abundante de jegues — em 2013, havia 900 mil deles, a maior parte no Nordeste, segundo o IBGE. Hoje, de acordo com o Minist�rio da Agricultura, Pecu�ria e Abastecimento (Mapa) h� por volta de 400 mil. Entre 2010 e 2014, o Brasil abateu 1 mil jumentos — j� entre 2015 e 2019, foram 91,6 mil.
Mas esse n�mero hoje � maior. Apenas em Amargosa, s�o 4,8 mil animais por m�s — 57,6 mil por ano. H� outros dois frigor�ficos com permiss�o para a atividade nas cidade de Sim�es Filho e Itapetinga, tamb�m na Bahia.
Nos �ltimos meses, a reportagem da BBC News Brasil se debru�ou sobre o com�rcio e abate de jumentos e como esse mercado vem afetando parte do Nordeste. Embora tenha sido permitida recentemente, a exporta��o para a produ��o do ejiao tem sido apontada por especialistas, autoridades e defensores da causa animal como um mercado extrativista.
Para fabricar o produto, os animais s�o retirados do meio ambiente em grande volume, sem que exista uma cadeia de produ��o que renove o rebanho, como ocorre com o gado. Ou seja, eles s�o abatidos em uma velocidade maior do que a capacidade de reprodu��o, o que acendeu um alerta de que a popula��o de jegues pode ser eliminada nos pr�ximos ano no Nordeste.
Al�m disso, o setor cresceu em conson�ncia com o aumento da fome e da pobreza em uma regi�o historicamente j� castigada por esses problemas. Mas tamb�m cresceu em meio a den�ncias de maus-tratos, contamina��o de animais por mormo, uma doen�a mortal, trabalho an�logo � escravid�o e abandono de jegues � morte por inani��o.
Depend�ncia econ�mica
A cidade de Amargosa, de 40 mil habitantes e conhecida por sua movimentada festa de S�o Jo�o, � o ponto final do jumento nordestino antes de ele ser abatido e exportado para virar rem�dio na China. Ela fica em uma regi�o conhecida como Vale do Jiquiri��, um dos lugares mais bonitos do Brasil, com forma��es rochosas de 80 metros de altura espalhadas pelo cen�rio de caatinga.
Desde 2017, o munic�pio � o local onde mais se abate jegues no pa�s.
Segundo o prefeito, J�lio Pinheiro (PT), o setor � o terceiro maior empregador de Amargosa, atr�s s� da pr�pria prefeitura e de uma f�brica de sapatos. Para ele, o recente mercado � fundamental para a economia do munic�pio, gerando empregos, renda e impostos.
"O frigor�fico t�m ajudado na gera��o de renda e de empregos diretos, ainda mais num momento t�o complicado da economia do pa�s, sobretudo com a pandemia. O frigor�fico tem sido a sustenta��o de centenas de fam�lias aqui na cidade", diz Pinheiro, em seu gabinete.

Essa import�ncia econ�mica foi o principal argumento da cidade ao entrar na Justi�a para tentar liberar o abate, que havia sido suspenso ap�s den�ncias de maus-tratos, em 2018. Mas n�o apenas Amargosa procurou a Justi�a. O governo estadual, do petista Rui Costa, e o federal, de Jair Bolsonaro (PL), fizeram o mesmo.
Quem decidiu o caso foi Kassio Nunes Marques, hoje ministro do STF e � �poca, desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Regi�o (TRF-1). Ele n�o entrou no m�rito da a��o civil-p�blica, que ainda corre na Justi�a e pede a proibi��o dos abates. Em decis�o de pouco mais de duas p�ginas, Nunes Marques concordou que a liminar da Justi�a baiana que suspendeu o setor prejudicava a economia da Bahia.
"[A atividade] � legal e est� amparada por normativos legais editados pelos �rg�os competentes e a interrup��o abrupta da referida atividade industrial � pass�vel de causar n�o s� as empresas criadas e dedicadas �s atividades danos irrepar�veis ou de dif�cil repara��o, como aos munic�pios que hospedam os referidos abatedouros, como o pr�prio Estado da Bahia", escreveu, liberando novamente o setor.
Em Amargosa, o prefeito J�lio Pinheiro considerou a decis�o justa, mas diz n�o conhecer bem os empres�rios respons�veis pelo abatedouro que funciona na cidade. "� um grupo chin�s. Eles vieram aqui (na prefeitura) uma vez, mas n�o s�o pessoas conhecidas na cidade", diz.
O CNPJ do Frinordeste aponta um quadro societ�rio com dois chineses, Ran Yang e Zhen Yongwei, ambos residentes no exterior, e o brasileiro Alex Franco Bastos. Funcion�rios da empresa, ouvidos sob condi��o de anonimato, relatam que raramente os propriet�rios chineses visitam o espa�o, e que, no dia a dia, a atividade � comandada por Bastos.
A reportagem tentou entrevist�-lo diversas vezes, indo ao frigor�fico, ligando e enviando mensagens pelo WhatsApp, mas nunca obteve retorno. Tamb�m enviou mensagem para Zhen Yongwei, mas ele n�o respondeu.
J� a JBS, que arrendou o espa�o para o trio de empres�rios h� tr�s anos, afirmou que "toda a opera��o da planta mencionada est� sob responsabilidade da empresa."

'� como matar um cachorro'
Tr�s vezes por semana, cerca de 400 jumentos chegam ao Frinordeste em caminh�es fechados — 50 por ve�culo. Funcion�rios relatam que, diante do calor, de viagens de at� 500 km e da condi��o f�sica debilitada, animais chegam a desembarcar na empresa machucados ou at� mortos.
Com pouca varia��o, a maioria dos 150 trabalhadores ganha por volta de R$ 1.300 por m�s. Eles vivem em comunidades pobres perto do frigor�fico, locais onde o fornecimento de �gua s� � feito tr�s vezes por semana e onde ainda � poss�vel ver um ou outro jumentos tralhando em tarefas agr�colas.
Embora dependam do servi�o para sobreviver em um momento de alta do desemprego e em uma cidade sem muitas alternativas, os funcion�rios dizem ter dificuldade em lidar com a morte em massa de um animal que faz parte de seu cotidiano — desejam que o frigor�fico mude o modelo de neg�cios para o abate de bovinos.
"Para mim � como matar um cachorro, um bicho de estima��o. A gente cresce montando jegue, e agora tem que ver jegue morrendo sem parar. � muito jegue, amigo. Muito mesmo, tem semana que s�o 1,2 mil. Ningu�m aguenta mais ver essa situa��o", diz Jo�o (nome fict�cio), que trabalha no frigor�fico e depende do sal�rio para sustentar a fam�lia. Ele passou meses desempregado e, sem op��o, aceitou um emprego. "Trabalho por que preciso, n�o por concordar. Mas, se fechar, como ficam as fam�lias aqui?", diz.
Outro funcion�rio, Jos�, tamb�m diz ter dificuldade em assistir todos os dias a tantos abates. "A gente nem sabe direito porque est�o fazendo isso, o que v�o fazer com eles... Muitos chegam aqui machucados, morrendo. � um animal que a gente v� desde pequeno, faz parte da nossa vida. � complicado participar disso, mas a precis�o exige. Tenho filhos para criar, a situa��o est� bem dif�cil", afirma.

Pobreza e abate
O caminho do jumento at� Amargosa � longo.
Os animais s�o recolhidos em v�rios pontos do Nordeste, como nos arredores da cidade de Paulo Afonso, no norte da Bahia, a 534 km do frigor�fico. Eles s�o pegos ou comercializados por agricultores pobres que trabalham no setor para fugir da fome, sob a supervis�o de fazendeiros.
Um desses n�cleos tinha um sertanejo em situa��o de fome como personagem. Em abril, ele foi abordado pela Pol�cia Militar depois de uma den�ncia an�nima apontar furto de jegues em Paulo Afonso, al�m de supostos maus-tratos.
Com ele foram encontrados 13 animais, embora ele tenha negado os furtos. Segundo o Boletim de Ocorr�ncia, os jegues estavam em "claro estado de maus-tratos", machucados, e sem �gua e comida por pelo menos tr�s dias. Mas os jumentos n�o eram do sertanejo.
No BO, ele narra que recebia R$ 20 por animal recolhido, o �nico sustento da fam�lia. "Com esse dinheiro � que estava vivendo, utilizando-o para comprar leite para os meninos, fraldas e comida para a casa", narra o documento. Diz ainda que era a segunda vez que ele ca�ava e vendia jumentos, mas que n�o tinha dinheiro para aliment�-los. "Narra que os pegou apenas para colocar o que comer para o filhos."

Quem comprava os jegues do sertanejo era um policial civil e fazendeiro chamado Ant�nio Fernando Filho, de 59 anos, morador da cidade de Rodelas, tamb�m no norte da Bahia.
No BO, ele afirmou que tinha mais de 100 em sua fazenda e que os repassava aos chineses — tamb�m argumentou que alimentava os animais e seguia todas as regras sanit�rias.
Em entrevista � BBC News Brasil por telefone, Filho diz que trabalhou na �rea por dois anos, mas parou depois do caso narrado acima. Ele ainda tem 30 animais em sua fazenda, mas diz que o local foi arrendado por outra pessoa, que recolhe jegues no interior do Piau� e do Maranh�o. "Est�o todos comendo feno e bebendo �gua do rio", afirma.
O fazendeiro afirma que recebia uma comiss�o dos frigor�ficos de at� R$ 50 por animal coletado — era um complemento para sua renda como policial civil de Rodelas. "A gente pegava no mato, na estrada, em qualquer lugar. Quando juntava uns 50, colocava num caminh�o e enviava pro frigor�fico em Amargosa, Sim�es Filho e Itapetinga (locais de outros abatedouro licenciados)."
Mas, nos �ltimos meses, o com�rcio na regi�o de Paulo Afonso diminuiu muito, diz. "Tem muito jumento ainda, mas eu parei tamb�m porque tem muita concorr�ncia hoje, todo mundo atr�s de jumento pra vender pros chineses. Aqui quase n�o tem mais animal, caiu 80%. Mas o povo precisa, est� muito necessitado."
Morte e maus-tratos

Depois de recolhidos, os animais percorrem mais de 530 km de caminh�o at� a Chapada Diamantina, onde s�o armazenados em fazendas arrendadas nas cidades de Ia�u, Milagres e Itatim, a cerca de 40 km do destino final em Amargosa.
No dia 18 de novembro, a reportagem encontrou cerca de 20 jegues em uma �rea de caatinga, �s margens de uma rodovia praticamente deserta que liga as tr�s cidades. Eles estavam sozinhos, pastando, algumas f�meas gr�vidas e um filhote — um dia depois, desapareceram do local. Havia vegeta��o e �gua porque tinha chovido dias antes, mas nem sempre � assim.
Em 9 de julho deste ano, por exemplo, a Pol�cia Militar da Bahia recebeu uma den�ncia: centenas de jumentos que seriam abatidos no Frinordeste estavam morrendo de fome e sede na fazenda Boa Esperan�a, em Itatim. Quem os encontrou foi o tenente Benjamin Pereira e Silva, comandante do pelot�o da PM na cidade.
"Infelizmente a situa��o era pior do que imagin�vamos. Eram uns 200 animais, que tinham vindo da cidade de Rodelas. Eles estavam bem debilitados, machucados, muitas f�meas prenhas, muitas abortando. N�o tinha mais capim nem �gua, nenhuma comida para eles. Era uma �rea totalmente �rida. Encontramos muitos animais mortos, com urubus em cima. N�o havia nenhum tipo de apoio de equipe veterin�ria. Levamos o gerente para a delegacia e ele foi autuado por maus-tratos", relata o tenente.
"No dia seguinte, voltamos � fazenda e n�o havia mais nenhum animal. Todos foram levados para outro lugar", diz o policial.
N�o foi a primeira vez que isso aconteceu. Em 2019, centenas de jegues foram encontrados em situa��o parecida nas cidades de Canudos e Itapetinga, tamb�m no interior da Bahia. Nestes casos, os animais seriam destinados a outros abatedouros, n�o o de Amargosa.
Em Canudos, estima-se que 200 dos cerca de 1 mil jumentos encontrados morreram de inani��o. Os outros estavam bastante debilitados. No local, foram encontrados dois imigrantes chineses, respons�veis por cuidar do rebanho.
"Eram dois jovens que n�o recebiam sal�rio para trabalhar ali. N�o falavam portugu�s, tivemos que usar o Google Tradutor", conta Patr�cia Tatemoto, PHD em biologia e pesquisadora da ONG brit�nica The Donkey Sanctuary, que atua na defesa do jumento contra o mercado de ejiao. "Quando os encontramos, eles n�o tinham comida na fazenda, estavam com fome, n�o tinha nem banheiro. O laudo da pol�cia apontou que eles estavam em trabalho an�logo � escravid�o."
Os dois imigrante ainda foram autuados por maus-tratos, mas nunca mais foram vistos na regi�o de Canudos.

Mormo
Outro problema envolvendo o com�rcio de jumentos � uma doen�a chamada mormo, zoonose contagiosa que afeta equ�deos e asininos e pode ser transmitida ao ser humano — o �ndice de mortalidade � alto, segundo pesquisadores. Ela � transmitida por contato de got�culas contaminadas com olhos, pele, mucosas e aparelho respirat�rio.
Em 2019, a Ag�ncia de Defesa Agropecu�ria da Bahia (Adab) decidiu examinar o sangue de 694 jumentos que foram apreendidos em Canudos. Dez deles estavam infectados com Mormo e precisaram ser sacrificados — outros 14 tinham anemia infecciosa equina, doen�a causada por um v�rus.
"O cont�gio pela bact�ria do mormo ocorre pelo contato de animais infectados com os indiv�duos, como fazendeiros e veterin�rios", explicou Eus�bio Lino Filho, m�dico-residente em infectologia no Hospital das Cl�nicas da Faculdade de Medicina da USP, em uma audi�ncia p�blica sobre o assunto na Assembleia Legislativa da Bahia.
N�o havia relatos de mormo no Brasil at� 2020, quando uma crian�a de 11 anos, da periferia de Aracaju, apresentou sintomas da doen�a, como dor no t�rax e falta de ar — ela tinha contato constante com cavalos.
"No raio-X foi constatado um aumento no tamanho do cora��o incomum para a idade. Mesmo medicado, o paciente evoluiu mal. A press�o caiu, ele tinha v�rios n�dulos no pulm�o e abcessos pelo corpo", relata o m�dico, que participou do tratamento do paciente. Diagnosticada com mormo e tratada por 21 dias no hospital, a crian�a depois melhorou e recebeu alta.
Mesmo com casos de infec��o em jumentos, a Adab decidiu retirar a obrigatoriedade do exame de mormo em jumentos que s�o abatidos nos tr�s frigor�ficos.
A ag�ncia diz que a decis�o seguiu orienta��o do Minist�rio da Agricultura: "Do ponto de vista de sa�de animal, visando o controle e erradica��o da doen�a no pa�s, n�o h� ganhos de vigil�ncia em se realizar exames de mormo em animais destinados ao abate". Tamb�m informou que os estabelecimentos funcionam sob SIF (Servi�o de Inspe��o Federal). No Frinordeste, fiscais do minist�rio checam "condi��es de transporte e sa�de visual" dos animais, diz a pasta.
Por�m, o Minist�rio P�blico e m�dicos veterin�rios pensam de outra forma. Para eles, a atividade est� colocando a sa�de dos trabalhadores em risco, al�m de criar um poss�vel problema sanit�rio que n�o existia no pa�s.
"A exporta��o criou um risco sanit�rio, inclusive para o agroneg�cio. Esse animais s�o recolhidos em v�rios lugares, e depois transportados pelo Nordeste sem que a gente conhe�a a proced�ncia. Os empres�rios que negociam os jumentos n�o t�m ideia do risco que est�o criando. � uma bomba-rel�gio", explica Chiara Oliveira, professora de Medicina Veterin�ria da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e uma das pesquisadoras que acolheram em uma fazenda todos os jegues apreendidos em Canudos — dos mais de 690 inicias, cerca de 150 sobreviveram.
Em nota t�cnica do ano passado, o Conselho Regional de Medicina Veterin�ria da Bahia (CRMV-BA) afirmou que atualmente o mormo � uma "doen�a end�mica" no rebanho de equinos e jumentos no Estado. E que trabalhadores que manipulam os animais, em especial os de frigor�ficos, "correm s�rios riscos de contamina��o por via respirat�ria e mucosas (pelos olhos, por exemplo)".
O promotor Julimar Barreto Ferreira, titular da Promotoria Regional Ambiental do Rec�ncavo Sul, abriu um inqu�rito para investigar o caso e outras den�ncias de irregularidades. "N�o podemos criar e manter um mercado que coloca a esp�cie e os trabalhadores em grande risco. � isso que est� acontecendo hoje na Bahia", diz, por telefone.
'S�mbolo para o crist�o'

O CRMV-BA acredita que, sem uma cadeia produtiva, o ritmo dos abates e a demanda chinesa pelo ejiao podem praticamente dizimar a popula��o de jumentos no Nordeste em poucos anos, diagn�stico compartilhado por entidades como o F�rum Nacional de Prote��o e Defesa Animal, a Frente Nacional de Defesa dos Jumentos e a The Donkey Sanctuary.
Esse cen�rio foi registrado na pr�pria China, segundo um estudo dos pesquisadores Richard Bennett e Simone Pfuderer, da Universidade de Reading, no Reino Unido.
Em 2000, o pa�s tinha por volta de 9 milh�es de cabe�as — em 2016, o n�mero caiu para 2 milh�es. Em 2000, a produ��o anual de eijiao era de 1,2 tonelada — j� em 2016, foram 5 toneladas. Estima-se que o pa�s precise de 5 milh�es de peles de jumento por ano, mas, desde 2017, o estoque interno n�o � mais capaz de suprir a demanda.
A solu��o de parte do empresariado chin�s foi buscar animais em outros pa�ses, como o Quirguist�o, que perdeu 57% de seu rebanho de jumentos desde 2017, segundo estudo da ONG The Donkey Sanctuary. Pa�ses como Mali, Gana e Eti�pia recentemente proibiram o abate, embora ele ainda ocorra clandestinamente.
No Brasil, um estudo da USP aponta que criar um jumento para o abate custaria em m�dia R$ 4 mil — a gesta��o de um filhote leva 13 meses. Por outro lado, um estudo da ONG brit�nica estima que, de todos os animais recolhidos no meio ambiente, 20% morrem antes de chegar aos frigor�ficos.
Nas �ltimas d�cadas, a esp�cie perdeu a import�ncia na agricultura sertaneja depois de ser trocada por motocicletas. Livres em estradas e na caatinga, os jegues se reproduziram sem pol�tica p�blica voltada para o controle ou quest�es sanit�rias. Vagando por rodovias, eles tamb�m se envolveram em graves acidentes de carro.
No in�cio da d�cada passada, o poder p�blico tentou fomentar o consumo de carne de jumento, como ocorre em alguns pa�ses, mas o projeto n�o decolou por uma quest�o cultural: a popula��o se recusa a comer sua carne.
Por meio da Adab, o governo da Bahia afirma que n�o � de responsabilidade da ag�ncia criar uma cadeia produtiva e que uma recente portaria dita que "f�meas em ter�o final da gesta��o n�o ser�o consideradas aptas ao abate", uma medida que, para ag�ncia, ajuda a renova��o do rebanho. Na mesma norma, diz a Adab, "fica estabelecido que animais abaixo de 90 kg tamb�m n�o podem ser encaminhados para abate."
J� o Minist�rio da Agricultura alega que � respons�vel pela fiscaliza��o sanit�ria dos frigor�ficos, mas que n�o est� entre suas compet�ncias o "controle sobre o n�mero de animais existentes ou criados, nem sobre riscos de extin��o". Informou, ainda, que a fiscaliza��o de �rg�os ligados a pasta "garante que os animais chegam (ao abatedouro) com sa�de e sem sinais de maus-tratos durante o transporte."
Em Amargosa, o prefeito J�lio Pinheiro conta que o grupo chin�s prometeu criar uma cadeia produtiva do animal, al�m de "trazer novas esp�cies para a regi�o", o que ainda n�o aconteceu. Ele n�o acredita que o jumento possa ser dizimado. "Essa avalia��o � um equ�voco. A �ltima estimativa do IBGE fala em quase 1 milh�o de animais, boa parte solta na caatinga e nas rodovias, colocando em risco a vida das pessoas, sem assist�ncia zoot�cnica e veterin�ria que d� um bem-estar aos animais. A gente acredita que isso n�o vai acontecer com uma produ��o com abate controlado, com inspe��o e normas", diz.
Em uma pra�a da cidade, o professor Joelson Alc�ntara, ativista da causa animal em Amargosa, pensa diferente. Para ele, al�m da import�ncia hist�rica para o sertanejo, o jumento tamb�m � um s�mbolo religioso para o crist�o.
"Na B�blia, Jesus monta um jumento quando ele entra em Jerusal�m. � um animal t�o importante que participou da vida de Jesus Cristo, e est� sendo exterminado por uma quest�o financeira. N�o tem explica��o", diz.
Na m�sica Apologia ao Jumento (1976), Luiz Gonzaga tamb�m cita Jesus quando canta que o jegue "� sagrado": "E na fuga para o Egito/ Quando o julgo anunciou/ O jeguin foi o transporte que levou nosso Senhor".
E continua: "O jumento � nosso irm�o, quer queira quer n�o/ O jumento sempre foi o maior desenvolvimentista do sert�o/ Ajudou o homem na lida di�ria/ ajudou o homem/ ajudou o Brasil a se desenvolver".
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