(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas RELIGI�O E CRIME

O cl� Kingston, seita nascida de cis�o dos m�rmons que � acusada de estupros, incesto e escravid�o

Comunidade secreta criada em 1935 e liderada por Paul Elden Kingston nos Estados Unidos foi denunciada na Justi�a por 10 v�timas


27/09/2022 06:20 - atualizado 28/09/2022 11:38
436


Mulheres com roupas longas e penteados de costas, em área externa e ensolarada
Grupos fundamentalistas m�rmons nos Estados Unidos continuam praticando a poligamia, proibida pela igreja desde o final do s�culo 19 (foto: Getty Images)

Aten��o: esta reportagem cont�m detalhes que podem ser sens�veis para alguns leitores.

Blaklyn tinha 16 anos em 2020, quando foi obrigada a casar-se com seu primo Travis. Ela ficou gr�vida imediatamente em seguida.

Ela estava subjugada, sem poder de decis�o na sua vida. Seu destino era perpetuar o "sangue Kingston puro" e obedecer os desejos do seu marido, 11 anos mais velho do que ela.

Em algumas ocasi�es, Blaklyn (nome fict�cio, para preservar sua identidade) despertava no meio da noite, enquanto seu esposo abusava dela. E ela n�o podia reclamar. No cl� Kingston, os desejos sexuais masculinos no matrim�nio devem ser acatados e n�o podem ser considerados viola��es, mesmo que a mulher n�o tenha dado seu consentimento.

Mas, quando viu seu marido abusar sexualmente do beb�, ela disse "chega!" e buscou uma forma de escapar.

Os pais de Blaklyn eram irm�os e, quando se casaram, seu pai j� tinha outras quatro esposas.

Seu pai e seu sogro decidiram pelo casamento arranjado. Eles s�o dois dos chamados "Sete Irm�os" — a c�pula do cl� Kingston em Salt Lake City, no Estado americano de Utah.

O cl� Kingston � uma seita endog�mica (que prega a uni�o entre indiv�duos da mesma fam�lia) e polig�mica gerada por uma cis�o da igreja m�rmon — a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos �ltimos Dias. O cl� foi denunciado � justi�a no in�cio de setembro por 10 v�timas, incluindo Blaklyn.

Na den�ncia, al�m das rela��es incestuosas for�adas, as v�timas afirmam que foram doutrinadas e submetidas a abusos f�sicos, trabalho infantil, condi��es an�logas ao trabalho escravo (suas tarefas eram atribu�das em empresas da seita, e elas n�o recebiam pagamento) e artif�cios para fraudar o Estado, o que � chamado dentro da comunidade de "sangrar a besta".

O grupo Kingston, conhecido internamente como "a Ordem", negou as acusa��es.

A origem do cl�

Charles Kingston foi morador de Salt Lake City e membro da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos �ltimos Dias, mais conhecida como igreja m�rmon. Ele foi excomungado da igreja em 1929 pela pr�tica de poligamia.

Essa pr�tica foi erradicada da igreja no final do s�culo 19. Foi uma condi��o imposta pelos EUA para outorgar o car�ter de Estado a Utah.

Seis anos ap�s a excomunh�o, um dos filhos de Kingston, Elden, entendeu que sua fam�lia deveria continuar a ser regida pelas leis religiosas. Por isso, ele fundou sua pr�pria igreja, com suas pr�prias regras.


Parte externa de igreja
A cultura m�rmon est� fortemente enraizada em Utah, nos Estados Unidos (foto: Getty Images)

O nome oficial do cl� Kingston � Sociedade Cooperativa do Condado de Davis e seu culto religioso � denominado Igreja de Cristo dos �ltimos Dias.

Eles s�o regidos por um rigoroso sistema hier�rquico. Na parte superior da pir�mide, est� o "profeta" — um homem que deve ter "sangue Kingston puro" e que � considerado pelos fieis como descendente direto de Jesus Cristo.

Desde 1987, o cargo de profeta � ocupado por Paul Elden Kingston, neto de Charles e sobrinho de Elden Kingston. Estima-se que ele tenha cerca de 500 filhos com 34 esposas. Todas as decis�es do cl� devem receber sua aprova��o.

As regras da seita

Para permitir o controle sistem�tico da comunidade, todos devem obedecer a um superior, mesmo que ele ordene algo ilegal ou imoral.

Esta norma � regida pela "lei de um sobre o outro" — uma interpreta��o de Elden Kingston sobre uma passagem da B�blia evang�lica. Segundo ele, "ser um com os demais significa que cada um de n�s � um com o de cima". Por isso, questionar seu superior seria questionar a Deus.

Os membros do cl� entendem que as leis estaduais e federais n�o se aplicam a eles, mas, sim, que devem ser orientados pelos des�gnios de Deus, que � quem os ir� julgar.

Abaixo do "profeta", tamb�m chamado de "homem da torre de guarda", est�o os "Sete Irm�os". A eles, respondem os chamados "Homens Numerados", uma posi��o superior dentro da comunidade que indica sua hierarquia dentro do cl�. Abaixo deles, est�o os homens casados "n�o numerados" e, por �ltimo, as mulheres e as crian�as.

Acima das crian�as, o superior � o pai. Quando as meninas se casam, seu marido passa a ser o seu superior.

A todo homem casado n�o numerado, � atribu�do um "Homem Numerado" como superior, normalmente seu pai ou um familiar pr�ximo.

As mulheres s�o obrigadas a casar-se com algu�m dentro da comunidade, sem que se pergunte a elas se est�o de acordo. Muitas vezes, elas ainda s�o menores de idade, e o marido escolhido � um familiar pr�ximo, como um irm�o, primo-irm�o ou tio.


Dezenas de mórmons em frente a tribunal; uma mulher com filhos atravessa a rua no primeiro plano da foto
M�rmons fundamentalistas j� se manifestaram em frente aos tribunais no passado, quando um membro da sua comunidade era levado ao banco dos r�us, acusado de poligamia (foto: Getty Images)

Os homens podem ter mais de uma esposa. J� as mulheres devem ter apenas um marido, com a premissa de que tenham a maior quantidade poss�vel de filhos, mesmo que contra a vontade, para garantir o crescimento da seita.

Eventuais abortos espont�neos s�o considerados pecados cometidos pela mulher, que � castigada.

As autoras da den�ncia afirmam que o objetivo � que as adolescentes fiquem gr�vidas j� com pouca idade e tenham muitos filhos, para que n�o possam fugir da "Ordem".

Esses filhos servir�o tamb�m de m�o de obra infantil para o conglomerado de empresas da Ordem, que inclui desde lojas e supermercados at� fazendas e escolas financiadas com fundos estatais.

No passado, seus membros tiveram minas de carv�o e uma companhia de energia que fraudou o fisco americano em pouco mais de US$ 500 milh�es (cerca de R$ 2,6 bilh�es), segundo um julgamento conclu�do h� dois anos.

Dentro da comunidade, os membros usam sua pr�pria moeda, o scrip. O uso de d�lares � proibido.

O n�mero total de integrantes do cl� Kingston n�o � conhecido devido ao forte sigilo que � imposto, mas estima-se que sejam de 5 mil a 10 mil pessoas.

'Casamentos plurais' em Utah

A poligamia — chamada em Utah de "casamento plural" pelos seus praticantes — permaneceu sendo pr�tica habitual naquela parte dos EUA, n�o s� dentro do cl� Kingston, mas tamb�m em outros grupos criados por cis�o dos m�rmons.

Uma das cis�es mais conhecidas � a Igreja Fundamentalista de Jesus Cristo dos Santos dos �ltimos Dias. Seu l�der, Warren Jeffs, foi condenado � pris�o perp�tua em 2011, por incesto e abuso sexual de crian�as.

Dez anos antes, um mission�rio fundamentalista de Utah, Tom Green, j� havia sido condenado por bigamia e abuso sexual infantil. Ele tinha cinco esposas e 35 filhos.


Manifestante na rua segurando placa defendendo poligamia conversa com mulher, que aparece de costas
Quando Tom Green foi levado a julgamento, manifestantes a favor da poligamia sa�ram �s ruas de Salt Lake City (foto: Getty Images)

A pena para a poligamia em Utah era de at� cinco anos de pris�o, mas, em 2020, o legislativo do Estado, de maioria republicana, descriminalizou a pr�tica, reduzindo-a � categoria de falta, equipar�vel a uma multa de tr�nsito. O argumento dos legisladores foi que, desta forma, as poss�veis v�timas de crimes teriam garantias para denunci�-los sem que fossem penalizadas.

Sectarismo

Parte da l�gica que rege os Kingston � n�o se relacionar muito com pessoas de fora do cl� e responder o menos poss�vel �s perguntas feitas por estranhos. A ordem � que o mundo exterior conhe�a o m�nimo poss�vel sobre a vida na comunidade.

Tanto � assim que, segundo o relato de uma das autoras da den�ncia, o cl� tem uma empresa onde "s�o impressos os an�ncios e convites de casamento da 'Ordem', pois as fotos do casamento de crian�as pequenas com homens em matrim�nios incestuosos ou plurais n�o podiam ser impressas no Walmart (rede de supermercados americana)".


David Ortell Kingston algemado, em pé e rodeado por policial e advogados em tribunal
David Ortell Kingston foi condenado em 1999 pelos delitos de incesto e conduta sexual ilegal (foto: Getty Images)

Os casamentos s�o celebrados por integrantes do cl� habilitados pelo Estado para essa fun��o, mas, �s vezes, os sobrenomes do casal s�o alterados nos documentos para ludibriar poss�veis investiga��es pelas autoridades estaduais.

Al�m disso, o pai de um rec�m-nascido muitas vezes n�o � mencionado na certid�o de nascimento. Ao registrar os beb�s, suas m�es mentem, alegando desconhecer o pai, ou afirmam que ele desapareceu depois de saber da gravidez.

A den�ncia afirma que "� pr�tica comum e intencional na 'Ordem' que os pais n�o sejam mencionados na certid�o de nascimento dos seus filhos para criar confus�o, evitando processos penais pela gera��o de filhos em casamentos de menores de idade, plurais ou incestuosos".

O cl� Kingston est� na mira da justi�a h� pelo menos 25 anos. No passado, alguns dos seus integrantes foram condenados por delitos sexuais, fraudes ao Estado e lavagem de dinheiro.

Sabia que a BBC est� tamb�m no Telegram? Inscreva-se no canal.

J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)