
Morar em Lisboa foi um plano que a ga�cha Aline Dorneles, de 34 anos, precisou realinhar quando decidiu que se mudaria para Portugal.
"Era meu sonho morar em Lisboa, sempre gostei muito da cidade. S� que quando sentei para fazer as contas, vi que n�o dava", diz. "Vim para o interior pelo custo de vida menor e pela qualidade de vida."
Ao considerar o pre�o de aluguel na capital portuguesa e em cidades menores - al�m da oportunidade de, no interior, fazer mestrado com bolsa de estudos -, a brasileira optou por viver em Leiria, munic�pio com 128 mil habitantes na regi�o central de Portugal, a 75km de Coimbra.
A decis�o de Aline Dorneles representa um movimento mais amplo, como revelam os dados oficiais do governo portugu�s sobre o total de imigrantes nas diferentes �reas do pa�s. (Leia abaixo o relato de Aline e de outros brasileiros que vivem em cidades menores em Portugal)
Uma an�lise do aumento da popula��o estrangeira residente nos diferentes distritos de Portugal em dez anos (2011 a 2021) mostra que sete outros distritos tiveram um crescimento de imigrantes proporcionalmente maior do que Lisboa. S�o eles: Braga, Beja, Castelo Branco, Porto, Viana do Castelo, Bragan�a e Leiria.
Os brasileiros s�o a principal comunidade estrangeira em Portugal - um ter�o dos imigrantes residentes no pa�s, segundo dados do Servi�o de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). S�o mais de 250 mil brasileiros registrados em Portugal.A BBC News Brasil conversou com imigrantes brasileiros em Portugal e com especialistas para entender suas motiva��es - e ouvir o que avaliam como pontos positivos e negativos da vida nas cidades portuguesas menores.
A especialista em estudos migrat�rios Tha�s Fran�a, pesquisadora do Centro de Investiga��o e Estudos de Sociologia do Instituto Universit�rio de Lisboa, diz que tem percebido esse movimento focado no interior e concentra a explica��o nos pre�os de moradia em Lisboa.
"Lisboa est� ficando insuportavelmente cara. Ainda mais para brasileiro, que � acostumado com apartamento grande - com dois, tr�s banheiros -, morar em Lisboa est� imposs�vel", diz.
As condi��es de vida em cidades menores, se comparadas ao sub�rbio das grandes cidades, pode ser atraente, a pesquisadora diz. "Entre morar no sub�rbio de Lisboa e Porto, que tem o tempo com deslocamento, � prefer�vel morar em cidade menor com melhor qualidade de vida, sem parte daquele perrengue que brasileiros passam com tr�nsito, transporte p�blico."
Segundo dados divulgados em outubro pela imprensa portuguesa, houve um aumento de 10% nos alugu�is de contratos firmados de julho a setembro em Lisboa e Porto, em rela��o ao trimestre anterior. Os dados s�o do �ndice de Rendas Residenciais, apurados pela Confidencial Imobili�rio.
A plataforma colaborativa Numbeo, que re�ne e compara dados sobre custo em diferentes cidades, aponta que um apartamento de um quarto no centro de Lisboa custa cerca de 1.170 euros (770 euros fora do centro), enquanto em Leiria os pre�os estariam, respectivamente, em 750 euros e 570 euros.
'Arriscado financeiramente'
A escolha de Aline Dorneles por Leiria veio depois da conclus�o de que seria "arriscado financeiramente" ir para Lisboa.
Depois de tr�s anos vivendo em Dublin, na Irlanda, ela chegou a Leiria em agosto e est� satisfeita com as condi��es de moradia. "A acomoda��o que estou � mais em conta que em Lisboa, o quarto � bem melhor, a casa � bem organizada. Tenho notado que as casas aqui s�o melhores, mais espa�osas do que em Lisboa."

O transporte p�blico, no entanto, foi uma surpresa ruim. "Tem poucos �nibus e s�o espa�ados. Nem sempre cumprem a tabela. Dificultou para mim porque n�o dirijo. Para qualquer trajeto que eu v� fazer, preciso meia hora pra ir a p� ou um pouco mais para ir de �nibus porque nem sempre passa na hora."
Dorneles tamb�m diz que notou "uma mentalidade um pouco mais tradicional" na cidade. "Uma coisa que sempre comentamos entre os amigos rec�m-chegados, que nos impacta bastante, � a quest�o de dificilmente ver casais homoafetivos na rua de m�os dadas."
Ela conversou com a BBC News Brasil dias antes de come�ar a trabalhar em um caf�. E diz que a busca por emprego, na compara��o com a Irlanda, tem sido mais dif�cil.
"Por falar portugu�s, ingl�s, estar fazendo um mestrado em �rea administrativa, achei que fosse ser mais f�cil conseguir, por exemplo, um emprego em uma loja de shopping. Eu me cadastrei em sites de grandes marcas e s� d�o negativa", diz. "Eu achava que seria diferente. N�o achei que fosse ter um cargo muito alto, mas nem como secret�ria ou vendedora est�o me chamando."
Ela atribui, em parte, � nacionalidade. "Acredito que tem a ver com a quest�o de n�o ser portuguesa. N�o sei se o fato de ser brasileira, mas n�o ser portuguesa. Acho que isso contribui muito".
E compara com a experi�ncia anterior: "Na Irlanda, eles querem muito o trabalhador brasileiro, porque consideram um bom trabalhador, esfor�ado. Mas aqui, quando voc� fala que � brasileiro, eles tentam colocar uma posi��o mais baixa. Tem um preconceito velado."
Tamb�m conta que j� ouviu respostas de que seria muito qualificada para a vaga. "O que dizem muito para mim e para meus colegas de faculdade que est�o passando pelo mesmo processo � que o curr�culo � muito bom e voc� n�o vai querer ficar l� muito tempo, como vendedora, por exemplo."
'Brasileiro est� descobrindo as cidades menores'

A empres�ria Patr�cia Lemos, propriet�ria da consultoria Vou Mudar Para Portugal, que presta servi�os para brasileiros que querem se mudar para o pa�s, viu subir significativamente a procura por cidades menores.
Ela diz que o brasileiro, antes, "olhava Portugal e via Lisboa e Porto" e que "o resto do pais era desconhecido". Agora, "o brasileiro est� descobrindo as cidades menores em Portugal e percebendo que, mesmo em cidades pequenas, tem infraestrutura de educa��o e sa�de". Ela acrescenta que o "divisor de �guas" s�o os custos - principalmente de aluguel.
"O aluguel de um quarto em Lisboa est� na faixa de 350, 400 euros. Se voc� pega o sal�rio m�nimo, que l�quido fica 627 euros, voc� n�o vai encontrar a qualidade de vida que voc� foi buscar."
Na experi�ncia dela, as cidades no radar dos brasileiros que buscam alternativas a Lisboa e Porto s�o principalmente: Braga, Aveiro e Leiria.
Lemos considera que o brasileiro tem a ideia de que servi�os p�blicos n�o funcionam fora dos grandes centros, e diz que em Portugal eles encontram educa��o, sa�de e seguran�a nas cidades menores tamb�m.
E qual � a dificuldade? A adapta��o ao estilo de vida do interior portugu�s - que ela define como pacato - pode ser um desafio para alguns, diz ela.
"N�o � o interior do Brasil. Interior de portugal �: cinco da tarde n�o tem ningu�m na rua. E o brasileiro est� muito acostumado com aquela coisa de que voc� conhece um, vai pra casa do outro. O interior aqui � mais fechado."
Questionada sobre eventual dificuldade de encontrar emprego no interior, Lemos diz que "o brasileiro, profissionalmente, quando ele chega a Portugal, tem que se reinventar". "O que voc� tem � uma dificuldade de algumas pessoas de descer alguns degraus no que se chama de cargo, status."
Trabalho remoto em Portugal

Para quem tem oportunidade de trabalhar de forma remota, encontrar uma op��o de moradia no interior � uma realidade mais pr�xima.
O paulista Daniel Mendes, de 33 anos, saiu de Sintra para viver em Figueira da Foz.
"Trabalhar remoto, sem escrit�rio, me d� certa flexibilidade. Isso me ajudou a encontrar cidade fora dos grandes centros", diz ele, que � funcion�rio de uma consultoria na �rea de estrat�gia.
H� seis meses na cidade, ele mora em um apartamento que considera superconfort�vel. "Uma qualidade de vida muito maior do que tinha antes, por pre�o menor".
Ao se mudar para Portugal, em 2019, ele trabalhou por cerca de um ano em um hostel na Costa da Caparica, onde trocava o trabalho por hospedagem e alimenta��o. Depois, mudou-se para Sintra e, quando a dona da casa vendeu o local que ele alugava, conta que foi procurar op��es.
"Comecei a procurar lugares em Lisboa, Costa da Caparica, Sintra, estava tudo muito caro… Fui procurando Ericeira, Figueira da Foz… A� resolvi mudar pra Figueira da Foz. Eu tinha visto que era cidade boa, mas nunca tinha nem visitado. Foi tudo muito novo."
E ele, que se considera "uma pessoa de cidades pequenas", se adaptou ao estilo de vida.
"Quando cheguei a Figueira, gostei porque � uma cidade muito tranquila. N�o tem muita vida cultural, como Lisboa. � uma cidade de praia, esporte e tranquilidade", diz. "Hoje fa�o parte de um grupo de basquete, fa�o nata��o numa piscina semi-ol�mpica, �s vezes vou surfar no Cabedelo (praia)."
'Achava que eu ia perder muito'

H� quase nove anos vivendo em Portugal, a pernambucana Aline Galv�o, de 35 anos, diz que deixar Lisboa "foi uma decis�o muito dif�cil de tomar".
"Eu sempre achava que eu ia perder muito. Meus amigos est�o em Lisboa, minha pouca fam�lia que mora em Portugal est� em Lisboa, e eu pensava 'Meu Deus, estou indo para longe de todo mundo e com crian�a' - por mais que tenha aqui tamb�m a fam�lia do meu marido, eu ficava me sentindo muito confusa", diz.
Depois de viver em Lisboa de 2014 a 2018, hoje ela mora em Lagos, no Algarve (regi�o conhecida por ser um importante polo tur�stico), com o marido portugu�s e os dois filhos - Vicente, de quase 6 anos, e Sebasti�o, de 4 meses.
Ainda que a mudan�a n�o tenha sido motivada por cortes de gastos - e sim para mudar o estilo de vida -, ela conta que o novo cotidiano levou a algumas economias.
"N�o � exatamente uma cidade com custo de vida mais barato, por ser tur�stica, com pouca oferta de casas pra aluguel de longa dura��o", reconhece. "Viemos para ter estilo de vida mais pr�tico e menos dispendioso, mas porque fam�lia do marido � daqui e tem casas aqui, ent�o viemos para fazer a gest�o dessas casas."

Ela diz que as despesas com lazer e com creche s�o menores na nova cidade. "Nossa vida terminou por ter custo menor do que Lisboa ou do que teria no Porto. S�o cidades grandes, onde h� necessidade grande de colocar crian�a na creche, na escola, e normalmente n�o tem vaga (p�blica) suficiente, a� voc� tem que pagar escola particular."
Em termos de lazer, ela diz que o foco virou a natureza. "Apesar de ser uma regi�o muito tur�stica e de turismo de luxo, � um lugar que n�o tem muitos apelos para gastar, como shopping centers e lojinhas - aquele apelo ao consumo. Nossa rotina � muito centrada na natureza", diz.
"� quase que inevit�vel que voc� deixe de ter custos. O carro � uma necessidade porque as coisas s�o mais distantes, mas basicamente usamos para ir ao mercado e deixar o filho na escola. Trabalhamos a partir de casa, n�o tem tr�nsito", diz.
"Vez por outra a gente vai para Lisboa e a�, pronto, vai a teatro, espet�culos de m�sica, de dan�a - coisas que talvez n�o venham para esta regi�o. A gente vai l�, consome aquilo de cultura que faz falta nessa regi�o e volta cheio de saudades."
Este texto foi publicado originalmente emhttps://www.bbc.com/portuguese/internacional-63649595