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Estado de Minas RELIGI�O

Qual a origem das b�blias deixadas em gavetas de hotel pelo mundo?

Criada no fim do s�culo 19, a entidade crist� evang�lica Gide�es tem o objetivo de difundir a palavra de Deus por meio da distribui��o gratuita de c�pias da B�blia.


05/12/2022 11:58 - atualizado 06/12/2022 10:24


Reprodução de fotos divulgadas pela organização brasileira em suas redes sociais
(foto: Reprodu��o)

Segundo a B�blia, Gide�o foi um exemplo de f�. Ele teria sido o quinto juiz de Israel, cerca de mil anos antes do nascimento de Cristo, e, sob sua lideran�a, o povo de Israel foi libertado dos midianitas, um povo que estava dominando a regi�o e subjugando os israelitas.

Pela tradi��o rab�nica, ele era um homem simples e baixinho, de uma tribo pouco relevante. E mesmo assim foi o escolhido por Deus para comandar o povo — e esta raz�o ainda adiciona mais brilho para sua tradicional biografia. Seu nome significa "guerreiro poderoso".

No fim do s�culo 19, tr�s caixeiros-viajantes americanos decidiram tomar emprestado o nome da figura b�blica para batizar a empreitada que eles tiveram a ideia de fundar. Em 1899, Samuel Eugene Hill (1868-1936), John Nicholson (1859-1946) e William Knights (1853-1940) criaram a organiza��o Gide�es Internacionais, uma entidade crist� evang�lica, sem fins lucrativos, formada por homens de neg�cios crist�os com o objetivo de difundir a palavra de Deus por meio da distribui��o, sempre gratuita, de c�pias da B�blia.

Sim, s�o eles os respons�veis por aquela bibliazinha, geralmente contendo apenas o Novo Testamento, os Salmos e os Prov�rbios, que podem ser encontradas nas gavetas de muitos quartos de hotel pelo mundo.

"Tecnicamente falando eles s�o uma organiza��o de natureza religiosa e educativa. Geralmente, a associa��o � formada por homens de neg�cios, profissionais crist�os. E eles fazem quest�o de deixar claro, hoje em dia, que s�o homens e mulheres, no caso suas respectivas esposas", explica o te�logo e historiador Gerson Leite de Moraes, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Essa �nfase na participa��o feminina tem motivos. At� 1941, a organiza��o era restrita aos homens.

"Ent�o se compreendeu que seria mais elegante ao sexo feminino o oferecimento de Novos Testamentos ao pessoal de enfermagem nas For�as Armadas, enfermeiras civis em hospitais e outras institui��es", pontua Moraes, recordando que era a ocasi�o da Segunda Guerra Mundial.


Reprodução de fotos divulgadas em redes sociais
At� 1941, a organiza��o era restrita aos homens (foto: Reprodu��o)

"As mulheres passaram a atuar oferecendo B�blias gratuitamente a outras mulheres, o que seria mais delicado na vis�o dos gide�es."

At� hoje, contudo, elas s�o consideradas oficialmente "auxiliares" — gide�es, assim chamados, s�o s� os homens.

Moraes explica que os membros do grupo costumam ser arrebanhados a partir de campanhas em igrejas protestantes ou evang�licas, embora a organiza��o em si n�o seja ligada a nenhuma denomina��o.

"A finalidade deles, como diz o pr�prio estatuto, � ganhar pessoas para o Senhor Jesus Cristo por meio da coloca��o e distribui��o gratuita da B�blia, ou parte dela, em hot�is, hospitais, cl�nicas, escolas, reparti��es p�blicas, pris�es, For�as Armadas e em outros locais, em institui��es definidas pela organiza��o, bem como a entrega pessoal pelos membros da associa��o", explica o professor.

"Podemos dizer, portanto, que os gide�es fazem parte de um grupo que perpassa v�rias denomina��es protestantes", afirma Moraes.

Como o grupo come�ou

Havia nos Estados Unidos um clima de efervesc�ncia econ�mica naqueles �ltimos anos do s�culo 19. Por um lado, isso motivava diversos homens de neg�cio a viajarem pelo pa�s, como vendedores e representantes comerciais. Por outro, esse movimento tamb�m deu argumentos para um conservadorismo religioso — fortalecendo as preocupa��es daqueles que viam no avan�o cultural um risco para a hegemonia de Deus.

"E a hist�ria inicial dos Gide�es est� associada a esse contexto e a dois sujeitos, dois caixeiros-viajantes que, num determinado momento de suas vidas, em 1898, nos Estados Unidos, chegaram a um determinado hotel e acabaram precisando dividir um quarto, porque n�o havia mais nenhum dispon�vel", conta Moraes.

Eram Samuel Hill e John Nicholson e esse hotelzinho onde eles se encontraram � o Boscobel Hotel and Central House, na cidade de Boscobel, em Wisconsin. Foi na noite de 14 de setembro de 1898 e, segundo texto publicado pelo site dos Gide�es Internacionais, quando Nicholson chegou, por volta das 21h, foi informado pelo recepcionista que a �nica op��o poss�vel, diante da casa lotada, era que ele dormisse em uma cama extra que havia no quarto j� reservado por Hill.

"O senhor Nicholson olhou ao redor do sagu�o e viu um b�bado ca�do no ch�o e outro homem desmaiado ao canto. Ficou aliviado quando descobriu que o senhor Hill era o homem de apar�ncia limpa que estava anotando seus pedidos de venda do dia", diz o texto publicado pela organiza��o.

De acordo com o relato, naquela noite Hill dormiu enquanto Nicholson seguiu trabalhando no quarto. Mais tarde, j� noite alta, ele resolveu, como costumava fazer, ler um pouco da B�blia antes de dormir. Foi quando Hill despertou.

"Senhor Hill, me desculpe se mantenho a luz acesa ainda e o acordei, mas � que sempre costumo ler a Palavra de Deus e ter uma conversinha com ele antes de me deitar", teria dito ao companheiro incidental.

Em vez de demonstrar inc�modo, Hill teria se levantado e pedido para lerem em conjunto. Eles teriam lido os 16 primeiros vers�culos do cap�tulo 15 do evangelho de Jo�o, uma passagem em que Jesus deixa o mandamento do amor e diz que escolheu seus seguidores para que estes sigam e deem frutos.

Inspirados, eles iniciaram uma conversa sobre a necessidade, no entendimento deles, de que fosse criada uma associa��o de empres�rios crist�os viajantes. Conforme o relato publicado pelos Gide�es, o papo teria avan�ado at� as 2h da madrugada.

"Eles fizeram um culto, uma devocional, oraram a Deus e estabeleceram ali uma estrat�gia, uma alian�a, um pacto", afirma Moraes.

"Talvez essa ideia tenha sido inspirada tanto pela cena de indisciplina no sagu�o do hotel quanto pela leitura devocional das escrituras', diz o texto.

"Afinal, os dois cavalheiros podem ter se sentido como se fossem os �nicos dois homens em um raio de quil�metros que estavam 'brilhando como luzes' naquela noite, enquanto se apegavam � palavra da vida."

Eles seguiram em contato e, quase um ano mais tarde, em 1º de julho de 1899, na cidade de Janesville, tamb�m em Wisconsin, juntamente com um terceiro amigo, o tamb�m homem de neg�cios William Knights, fundaram oficialmente a associa��o — The Gideons International.

"Eles eram representantes comerciais que perambulavam pelos Estados Unidos e imaginaram que aquilo era uma excelente oportunidade para difundir a palavra de Deus", contextualiza Moraes.

"Essa associa��o dos tr�s se tornou uma c�lula inicial dos Gide�es."

"Nesse momento, diante da efervesc�ncia dos Estados Unidos, os crist�os mais arraigados est�o se articulando para reagir aos avan�os culturais do mundo, aquilo que eles consideravam como excessos", contextualiza o historiador, que lembra que as bases do fundamentalismo americano tamb�m data desse mesmo per�odo.

"[A estrat�gia dos Gide�es foi] levar a palavra de Deus em uma cruzada conservadora", diz ele.

"Havia um ambiente favor�vel a essa mentalidade."

"O que inspira esses homens [os primeiros Gide�es] � uma luta contra a cultura mundana que estava 'invadindo' a seara crist�", comenta Moraes.

Crescimento

A organiza��o cresceu e se difundiu rapidamente. Em 1907 o grupo passou a deixar um exemplar da B�blia em cada recep��o de hotel por onde eles passassem.

"Quem quisesse poderia pegar para ler", conta Moraes.

"A partir de 1908 eles decidiram fornecer uma B�blia para cada quarto de hotel. E perceberam que essa estrat�gia era elegante, funcionaria e come�ava a dar resultado."


Cinco mil bíblias a serem distribuídas para quartos de 75 hotéis em Washington, nos EUA, em 1913
Cinco mil b�blias a serem distribu�das para quartos de 75 hot�is em Washington, nos EUA, em 1913 (foto: Heritage Art/Heritage Images via Getty Images)

Na primeira distribui��o, eles colocaram 25 B�blias em um hotel em Montana. E o trabalho seguiu assim at� 1916, quando eles come�aram a disponibilizar tamb�m exemplares em hospitais. Durante a Segunda Guerra Mundial expandiram para as For�as Armadas. Em 1946, passaram a visitar escolas e distribuir B�blias para estudantes.

Foi a partir de 1947 que os Gide�es passaram a atuar em outros pa�ses al�m dos Estados Unidos e do Canad�.

"Atualmente eles dizem que j� distribu�ram mais de 2 bilh�es de escrituras em todo o mundo", comenta Moraes.

"S�o uma organiza��o muito articulada, com capilaridade."

No Brasil, a associa��o chegou em 1956, por meio de um agrimensor e professor universit�rio de Belo Horizonte chamado Jos� Ramos Vilas Boas, que entrou para a organiza��o em maio daquele ano e, segundo o livro Guia Os Gide�es, publicado pela associa��o, realizou a primeira distribui��o de B�blias no pa�s em 18 de outubro, na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais.

"A forma��o do minist�rio gide�nico no Brasil ocorreu em 1958", acrescenta Moraes.

De l� para c� eles j� distribu�ram 194 milh�es de exemplares da B�blia em territ�rio nacional.

"Quase a popula��o brasileira, o que � um dado impressionante", compara o te�logo.


Bíblia dos Gideões em húngaro, fotografada em um hotel de Budapeste neste ano
Estas b�blias podem ser encontradas nas gavetas de muitos quartos de hotel pelo mundo (foto: Edison Veiga)

Para viabilizar essas a��es, eles contam com contribui��es de associados e parcerias de empresas que acreditam na causa, conforme explica o especialista.

Hoje

O professor comenta que a estrat�gia inicial, de fornecer os exemplares para hot�is, acabou funcionando muito bem.

"O texto est� ali, o sujeito est� em um quarto de hotel ou em uma cama de hospital, ele quer conforto e procura no Novo Testamento algo que lhe traga paz, que lhe traga consolo. Funciona muito bem, por isso o sucesso da organiza��o", analisa.

Por praticidade e economia, eles acabaram optando por distribuir uma vers�o reduzida da B�blia, na maior parte das vezes. A edi��o mais comum associada ao grupo � um modelo de bolso que cont�m apenas os textos do Novo Testamento, acrescidos de dois livros do Antigo Testamento: Prov�rbios e Salmos.

"Eles entendem que isso j� � suficiente, segundo a express�o que eles mesmos usam, para que a pessoa conhe�a a Jesus Cristo como senhor e salvador da sua vida", contextualiza o te�logo.

"Com isso eles trazem parte daquilo que julgam ser a palavra de Deus para atingir os cora��es das pessoas."

A reportagem procurou tanto a sede norte-americana do grupo como a organiza��o brasileira com questionamentos sobre a hist�ria da associa��o, sua penetra��o no Brasil e se h� alguma resist�ncia, em tempos contempor�neos, � distribui��o de conte�do religioso em lugares como hot�is e escolas. Embora tenham sido v�rios contatos nos �ltimos seis meses, n�o houve nenhum retorno por parte dos norte-americanos. Tamb�m depois de reiterados pedidos de entrevista, a sede brasileira limitou-se a enviar uma nota, assinada pelo diretor executivo nacional, Mois�s Danziger.

No texto, ele "agradece imensamente" o interesse pelo assunto mas salienta que o grupo tem "uma regra, definida pela matriz americana, de n�o conceder entrevistas ou divulgar nosso trabalho em ve�culos de comunica��o […] abertos ao p�blico geral".

"Nossa forma de divulga��o � apenas dentro do ambiente das igrejas que s�o parceiras de nosso trabalho evangel�stico", acrescentou Danziger.

Ele disse ainda que "as informa��es que est�o p�blicas em nosso site podem ser usadas" para este fim de comunica��o.

De acordo com o mais recente relat�rio anual publicado pela matriz americana, no �ltimo ano fiscal os Gide�es distribu�ram 11,6 milh�es de B�blias na Am�rica Latina, 7,6 milh�es nos Estados Unidos, 2,9 milh�es na Europa, 9,6 milh�es na �frica, 12,8 milh�es na �sia e 1,4 milh�o na Oceania.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63746722


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