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Estado de Minas PANDEMIA

'Apenas a vida de voc�s importa?': o desabafo de quem continua isolado em meio a aglomera��es no pa�s

Uma parcela cada vez menor de pessoas se mant�m em quarentena r�gida, tentando proteger a si mesmos e a pessoas pr�ximas; duas delas relatam a exaust�o, a aus�ncia de perspectivas e a frustra��o com o as pessoas ao seu redor


22/09/2020 05:16 - atualizado 22/09/2020 08:06

(foto: Andre Coelho/Getty Images)
(foto: Andre Coelho/Getty Images)

Luciana Viegas estava em um quarto de hospital ao lado do filho de tr�s anos, que respirava com a ajuda de um bal�o de oxig�nio — com suspeita de COVID-19, depois negada por um teste —, enquanto via no seu celular fotos de amigos em praias e bares.

A professora de educa��o b�sica em V�rzea Paulista (SP) resolveu desabafar.

"Eu me tranquei durante cinco meses. Eu n�o fui ao mercado durante quase dois meses. Eu n�o fiz festa, eu n�o participei de festa. Cinco meses com duas crian�as full time, sobrecarga, choro no port�o querendo passear na rua. Segurando firme", escreveu ela em 6 de setembro, em um tu�te que acabou viralizando.

"A gente se cuidou, se preservou. A gente deixou de ver uma p� de gente. Mas para voc�s t� suave, n�? (...) S� n�o venha me dizer que voc� est� preocupado. Porque voc�s n�o est�o. N�o ligam para a vida de ningu�m. Apenas a vida de voc�s importa."

Eu me tranquei durante 5 meses. Eu n�o fui no mercado, durante quase dois meses. Eu n�o fiz festa, eu n�o participei de festa. 5 meses com duas crian�as Full time, sobrecarga, choro no port�o querendo passear na rua. Segurando firme.

— Luciana Viegas (Professora Autista)#wakandaforever (@luu_viegas) September 6, 2020


Ela diz que era um recado principalmente para amigos que haviam acompanhado o sofrimento de Luciana em dezembro de 2019, quando seu mesmo filho havia sido internado na UTI infantil com uma infec��o respirat�ria. Autista e asm�tico grave, ele chegou ao hospital com baixa satura��o de oxig�nio e quase teve de ser intubado.

"A gente j� passou por essa linha t�nue de quase perder o filho por uma doen�a no pulm�o, de ver carrinho de parada card�aca (desfibrilador) ali, de o m�dico perguntar se a gente tem f�, e foi desesperador. Meu filho tentava respirar e n�o conseguia. Ficou uma semana comendo por sonda porque n�o tinha for�a no pulm�o para comer ou mamar", conta Luciana � BBC News Brasil.

"Isso mudou a gente, e n�o quero que ningu�m passe por isso, ainda mais se voc� pode causar ou pode evitar (a transmiss�o)."


Luciana Viegas com o marido e filhos: para proteger a saúde o menino, que tem asma severa, família segue em isolamento rígido(foto: Arquivo pessoal)
Luciana Viegas com o marido e filhos: para proteger a sa�de o menino, que tem asma severa, fam�lia segue em isolamento r�gido (foto: Arquivo pessoal)

Por isso, Luciana e sua fam�lia — o filho de tr�s anos, que j� teve alta do hospital, a filha de dois anos e o marido — se mant�m em uma quarentena r�gida desde mar�o, totalmente isolados do resto do mundo. Tanto que Luciana ainda n�o consegue entender totalmente o que fez o filho adoecer dessa vez.

O marido havia parado h� meses de trabalhar como motorista de aplicativo, e ela d� aulas online em casa. As vistas da m�e dela s�o de longe, no port�o; os passeios com as crian�as, antes frequentes nos fins de semana, agora s�o s� dentro do carro.

"A gente t� se virando. Mas � um estresse", conta Luciana � reportagem.

"Quando fiz o tu�te, estava cansada. Porque vi amigos que acompanharam tudo o que a gente passou no ano passado, e que est�o agora saindo, indo para a praia, como se nada estivesse acontecendo, como se n�o fosse importante (manter o isolamento social) pelas outras pessoas. Fiquei t�o chateada com isso. N�o ficar em casa � muita sacanagem."

Queda nos �ndices de isolamento

Luciana e sua fam�lia personificam um grupo cada vez menor, menos vis�vel e mais frustrado diante das cenas de aglomera��o pelo pa�s e de uma pandemia que n�o arrefece: o das pessoas que continuam seguindo � risca a quarentena e o isolamento social, para proteger a si mesmas ou pessoas pr�ximas de contra�rem o novo coronav�rus.

A pesquisa mais recente do Instituto Datafolha sobre o tema, em 19 de agosto, apontava que os n�veis de isolamento social estavam no patamar mais baixo desde o in�cio da pandemia.

Em abril, mais da metade dos entrevistados dizia que s� sa�a de casa quando era inevit�vel. Em agosto, a parcela que caiu para 43%.

A fatia de quem est� totalmente isolado e n�o sai de casa de jeito nenhum caiu de 21% em 17 de abril para 8% em agosto.

Embora esse grupo esteja diminuindo, sua import�ncia foi e ainda � fundamental para manter sob controle os n�veis da pandemia no Brasil, explica o epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de S�o Paulo (USP).

Ele acha que, se n�o tivesse havido o esfor�o (mesmo que desigual) de isolamento social nos �ltimos meses, o j� alt�ssimo n�mero de mortes no Brasil teria sido exponencialmente maior.

"As pessoas em isolamento tiveram um papel muito importante, para elas mesmas e para as demais", diz Lotufo � BBC News Brasil.

"Basta ver o exemplo de Manaus (no in�cio da pandemia), onde o v�rus teve um avan�o incr�vel, matando tanta gente t�o rapidamente, em compara��o com S�o Paulo, onde houve mais disciplina no isolamento social", opina. Apesar de S�o Paulo ser o Estado com o maior n�mero de mortes do pa�s, seu sistema de sa�de n�o chegou a colapsar, como ocorreu com o amazonense.


"As pessoas em isolamento tiveram um papel muito importante, para elas mesmas e para as demais", diz epidemiologista (foto: VALERY HACHE / Getty)

Aus�ncia de perspectivas

No Rio de Janeiro, o tu�te escrito por Luciana Viegas levou �s l�grimas a estudante de psicologia Brenda Cavalcante.

"Me doeu na alma o que ela (Luciana) escreveu, que, apesar de todo o esfor�o, ela n�o sabia se o filho estava ou n�o com covid", conta Brenda � reportagem.

Distantes entre si e sem se conhecer, as duas vivem situa��o semelhante: tamb�m em isolamento social r�gido ao lado da filha de seis anos, Brenda est� h� seis meses sem ter contato f�sico com os pais (que t�m press�o alta e, portanto, s�o do grupo de risco) e h� sete meses sem ver a av�, de 92 anos. E n�o v� nenhuma luz no horizonte que indique que isso v� mudar em breve.

"O mais dif�cil � n�o ter perspectiva", diz. "Meus pais s�o apaixonados pela minha filha, mas s� a veem da varanda. O contato f�sico com eles faz falta demais. E n�o sei se vou ter a chance de ver a minha av� com vida ainda."


''Eu realmente não sei como vou conseguir voltar a viver de maneira normal, diante de tanta decepção com o coletivo'', diz Brenda Cavalcante, ainda em quarentena total(foto: Arquivo pessoal)
''Eu realmente n�o sei como vou conseguir voltar a viver de maneira normal, diante de tanta decep��o com o coletivo'', diz Brenda Cavalcante, ainda em quarentena total (foto: Arquivo pessoal)

E, da mesma forma, Brenda assiste com frustra��o �s cenas de aglomera��o no Rio.

"Acabei de ver no Twitter que a praia estava lotada ontem (13/9). Eu realmente n�o sei como vou conseguir voltar a viver de maneira normal, diante de tanta decep��o com o coletivo. Com o governo nem se fala. Mas as pessoas n�o s� fazem (aglomera��o), como fazem quest�o de postar nas redes sociais. E eu que nem vejo a minha fam�lia. Mal vou ao mercado", diz.

"Eu tento n�o julgar, porque sei que as pessoas est�o sem perspectiva, e isso acaba banalizando (as mortes na pandemia): 'morreu de covid'. (...) Mas por que a sa�de mental deles vale mais do que a minha? A minha filha de seis anos tem medo de chegar perto da av� para n�o deix�-la doente, e quem tem 40 anos n�o pode se policiar mais e se isolar?"

O que d� para flexibilizar?

� bom ressaltar que n�o costuma ser f�cil decidir, em �mbito individual, o que pode ou n�o ser flexibilizado na rotina familiar, profissional e de lazer - em um momento em que o n�mero di�rio de casos e mortes continua elevado, embora esteja em um patamar menor do que h� duas semanas.


Pesquisa de agosto apontava que níveis de isolamento social estavam no patamar mais baixo desde o início da pandemia(foto: EPA)
Pesquisa de agosto apontava que n�veis de isolamento social estavam no patamar mais baixo desde o in�cio da pandemia (foto: EPA)

"Temos de ter muito cuidado, porque a Europa, com sua alta no n�mero de casos, mostra que a doen�a volta mesmo", afirma o epidemiologista Lotufo. "Apesar que, aqui no Brasil, j� tivemos uma intensidade tamanha da pandemia que talvez (o repique) n�o seja igual (ao dos europeus)."

Lotufo lembra que atividades ao ar livre, com m�scara, distanciamento social adequado e uso constante de �lcool gel para higieniza��o oferecem baixo risco de contamina��o. Isso porque a livre circula��o do ar ajuda a dissipar aeross�is e got�culas potencialmente infecciosas - ao contr�rio de de ambientes fechados, onde o compartilhamento de ar entre as pessoas � muito maior.

Nas praias, embora haja livre circula��o de ar, o problema est� na grande quantidade de pessoas pr�ximas umas das outras, como tem sido visto em parte do litoral brasileiro nos �ltimos fins de semana e feriados.

A Associa��o M�dica do Texas preparou um guia avaliando diferentes atividades do dia a dia e quais riscos elas oferecem para a dissemina��o do novo coronav�rus.

Ir � praia, por sinal, � considerada uma atividade de risco moderado pelos autores.


(foto: BBC)
(foto: BBC)

Exaust�o da quarentena

No caso de Luciana Viegas, o pulm�o fr�gil do filho faz com que qualquer contato com o mundo externo ainda pare�a muito assustador, principalmente porque as recentes idas ao hospital ainda est�o frescas na mem�ria da fam�lia.

Mas isso n�o quer dizer que o cotidiano com as crian�as esteja f�cil.

"Eu estou exausta da quarentena, meu marido tamb�m. �s vezes precisamos pegar o carro para dar uma espairecida, ou durmo 12h para descansar. A gente tem um motivador, que � a vida do meu filho, e saber que o que eu n�o quero que aconte�a com meu filho, eu tamb�m n�o quero que aconte�a com os demais", diz ela.

"Se eu fosse solteira, sem filhos, e dependesse puramente da minha empatia, n�o sei se seria 'chata' e 'fiscalizadora de quarentena'. Mas � porque as pessoas n�o passaram por esse terror que eu passei. Meu desabafo (no Twitter) foi justamente para os amigos que me viram noites e noites chorando desesperada. Ao mesmo tempo, fiquei feliz de ver que v�rias outras pessoas est�o passando pelo mesmo que eu. Que bom que a nossa voz vai ser ouvida, porque as not�cias s�o s� sobre as pessoas que est�o saindo da quarentena."


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