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Estado de Minas

'Saudade at� de Evid�ncias', diz dona de karaok� ap�s um ano de pandemia

Criado no Jap�o nos anos 1970, o karaok� passa por uma grande crise em tempos de distanciamento social. Haver� espa�o para isso no mundo p�s-coronav�rus?


24/04/2021 19:57 - atualizado 24/04/2021 19:57

Bares e restaurantes de karaokê convivem desde março de 2020 com forte queda de faturamento, e alguns fecharam permanentemente(foto: Getty Images)
Bares e restaurantes de karaok� convivem desde mar�o de 2020 com forte queda de faturamento, e alguns fecharam permanentemente (foto: Getty Images)
"J� cheguei a ouvir 14 vezes numa noite s�, porque cada grupo quer cantar a sua Evid�ncias. Mas, agora, estou at� com saudade", diz M�nica Uezono, propriet�ria do restaurante Samurai, tradicional reduto de karaok� da capital paulista, no bairro da Liberdade.

 

Ela faz refer�ncia a Evid�ncias, m�sica de 1989 que se tornou hit na voz da dupla sertaneja Chit�ozinho & Xoror�, e que � a mais cantada dos karaok�s do Brasil.

Como diversos bares e restaurantes da cidade que oferecem o karaok� como atra��o para seus clientes, o Samurai convive desde mar�o de 2020, com microfones silenciosos e uma forte queda de faturamento, devido � impossibilidade de se cantar em seguran�a em ambientes fechados em meio � pandemia do coronav�rus.

 

Ap�s demitir ao longo do ano passado todos os seus 14 funcion�rios, M�nica mant�m o neg�cio atualmente apenas com a ajuda da filha, vendendo marmitas por delivery.

 

Outros estabelecimentos n�o tiveram a mesma resili�ncia e fecharam as portas permanentemente, caso da Chopperia Liberdade, outra casa de karaok� tradicional�ssima de S�o Paulo, que demitiu todos os funcion�rios e devolveu o im�vel alugado, tamb�m na Liberdade.

 

"A �ltima vez que cantei foi na primeira semana de mar�o do ano passado. Ent�o, j� faz mais de um ano", lembra Paulo Mamoru Omine, de 68 anos e frequentador ass�duo da Chopperia Liberdade, onde era conhecido como "Roberto Carlos japon�s", devido �s suas performances de hits do rei e � semelhan�a f�sica com o autor de O Calhambeque e Jesus Cristo.

 

"A Chopperia, j� no in�cio da pandemia, eles entregaram a chave, porque n�o tinha como sustentar. O quadro de funcion�rios era muito grande l�, n�o tinha como manter a casa fechada com as despesas que tem", conta Omine.

 

"A gente fica triste, porque era uma das casas mais alegres e amplas, cabia bastante gente. Ali, se encontravam pessoas de v�rias faixas et�rias e v�rios gostos musicais tamb�m. Ent�o, tinha assunto para a noite inteira."


Daisuke Inoue e sua invenção, a Juke 8, uma espécie de jukebox com microfone que deu origem ao karaokê(foto: Arquivo pessoal/Daisuke Inoue/The Apprendix)
Daisuke Inoue e sua inven��o, a Juke 8, uma esp�cie de jukebox com microfone que deu origem ao karaok� (foto: Arquivo pessoal/Daisuke Inoue/The Apprendix)

A hist�ria do karaok�

O karaok� surgiu no Jap�o no in�cio da d�cada de 1970, quando o m�sico Daisuke Inoue criou uma esp�cie de jukebox com microfone, que era alugada para alguns bares da cidade de Kobe.

 

"Um dia, o presidente de uma pequena empresa veio ao clube onde eu estava tocando para pedir um favor", contou Inoue em 2005 � revista Topic Magazine. O relato em primeira pessoa foi reproduzido em 2013 pelo site The Appendix.

 

"Ele ia encontrar clientes em outra cidade e sabia que o encontro iria terminar num bar e que ele seria chamado para cantar. 'Daisuke, eu s� consigo cantar com seu teclado ao fundo! Voc� conhece a minha voz e sabe o que � necess�rio para faz�-la soar bem.'"

 

"Ent�o, a pedido dele, gravei alguma de suas m�sicas preferidas num gravador de rolo, no tom mais adequado para sua voz. Dias depois, ele voltou todo sorridente e perguntou se eu poderia gravar mais algumas can��es."

 

"Naquele momento, veio a mim a ideia da Juke 8: voc� colocaria dinheiro numa m�quina com microfone, caixa de som e amplificador, e ela tocaria a m�sica que as pessoas quisessem cantar", relatou Inoue, sobre a origem de sua inven��o.


Chopperia Liberdade demitiu todos os seus funcionários e devolveu imóvel alugado onde funcionava na Liberdade(foto: Leandro Furini)
Chopperia Liberdade demitiu todos os seus funcion�rios e devolveu im�vel alugado onde funcionava na Liberdade (foto: Leandro Furini)

O karaok� no Brasil

Pedro Mizutani, presidente da UPK (Uni�o Paulista de Karaok�), conta que a cultura foi trazida ao Brasil pelos nikkeis, como s�o chamados os japoneses que vivem no exterior e seus descendentes nascidos fora do Jap�o.

 

"Karaok� quer dizer 'orquestra vazia'", explica Mizutani. "Antes, as pessoas cantavam com orquestras mesmo, com bandas. Depois, surgiu o advento do karaok�, em que voc� tem o acompanhamento musical, sem ter a orquestra 'cheia', presencial."

 

"Ent�o, o karaok� surgiu para facilitar as pessoas a cantarem, um costume que se tornou mais comum no Jap�o ap�s a Segunda Guerra. Para o Brasil, essa tradi��o veio com os imigrantes."

 

Por aqui, o videok� se tornou a forma mais popular de cantoria sem banda. Os equipamentos mais comuns no pa�s s�o de origem coreana e se popularizaram a partir da d�cada de 1990.

 

Antigamente, eram abastecidos por cartuchos contendo sele��es de m�sicas. Hoje em dia, o repert�rio pode ser atualizado pela internet, atrav�s da compra de pacotes de can��es.

 

Na comunidade nikkei, s�o populares os concursos de karaok�, realizados aos domingos.

 

"Desde fevereiro do ano passado, com a pandemia, n�o existem mais os concursos presenciais", conta o presidente da UPK, entidade criada h� 30 anos para organizar as regras dessas competi��es no Estado de S�o Paulo.

 

"Agora, s� existem eventos virtuais, onde as pessoas gravam em casa e mandam para esses concursos online de karaok�. Mas isso reduziu muito o n�mero de pessoas que cantam, porque principalmente os mais idosos t�m dificuldade de gravar."


Restaurante Samurai enfrenta sua pior crise em seus 52 anos de existência(foto: Arquivo pessoal/Monica Uezono)
Restaurante Samurai enfrenta sua pior crise em seus 52 anos de exist�ncia (foto: Arquivo pessoal/Monica Uezono)

Pior crise em 52 anos de hist�ria

Segundo M�nica Uezono, dona do restaurante Samurai, a crise do coronav�rus � a mais grave dos 52 anos de hist�ria de restaurante.

 

"O restaurante Samurai foi fundado pelos meus pais em 1969", conta M�nica.

"Passamos por v�rias crises, a mais recente, antes da pandemia, foi quando surgiu o rod�zio japon�s, quando se perdeu toda aquela delicadeza da culin�ria japonesa, em que cada ingrediente que vai no prato para ser servido � mesa tem um significado."

 

"Tivemos a crise do salm�o, quando devido a um parasita as pessoas ficaram com medo de comer peixe cru", lembra a propriet�ria.

 

"Antes disso, tivemos tamb�m a crise da c�lera, que afetava peixes de �gua doce, mas, por falta de conhecimento de que n�s trabalhamos s� com peixe de �gua salgada, fomos afetados do mesmo jeito."

 

O karaok� chegou ao restaurante justamente em meio a uma dessas crises.

A empres�ria lembra que a atividade primeiro surgiu em S�o Paulo e em Manaus, quando foi criada a Zona Franca, para atender clientes corporativos, diante da cultura trazida do Jap�o de fechar neg�cios com um jantar, seguido por bebedeira e cantoria.

 

"H� 50 anos atr�s, j� tinha karaok� no Brasil, mas s� iam neles os 'colarinhos brancos', s� se cantava m�sica japonesa, e parecia boate. As meninas que atendiam se sentavam junto com o cliente, serviam u�sque, eram superproduzidas, superperfumadas."

 

No fim da d�cada de 1990, com o movimento do restaurante bastante prejudicado pela febre do rod�zio japon�s, M�nica comprou um aparelho de videok� de uma prima que estava se separando e levou-o para a confraterniza��o de fim de ano dos funcion�rios.

 

O aparelho ficou no andar de cima do restaurante e, �s vezes, algum funcion�rio usava-o para cantar no fim do expediente.

 

"Dava para ouvir tudo no sal�o de baixo, e os clientes come�aram a querer subir para ver e acabavam ficando", lembra M�nica.

 

"Foi dif�cil no come�o. Os homens vinham aqui e perguntavam 'Cad� as meninas?' e o pessoal da nossa col�nia que vinha com a fam�lia falava 'Ih, l� tem karaok�, n�o vou naquele restaurante, n�o d� para levar minha esposa'."

 

Com o passar do tempo, M�nica conseguiu consolidar o Samurai como um karaok� familiar e viu seu movimento voltar. Mas, ent�o, no ano passado, veio a pandemia.

 

"Uns 80% do meu faturamento vinha do karaok�, era praticamente tudo. Quem vinha s� para jantar era muito pouco", diz a propriet�ria.

 

"Eu fico muito triste de ver a minha casa vazia. Para facilitar a circula��o e a limpeza, coloquei as mesas e cadeiras para cima. Ent�o, at� quem vem aqui buscar delivery fica triste, porque � uma pena ver a casa dessa forma. Mas temos que seguir em frente."


Paulo Omine, o 'Roberto Carlos japonês', era frequentador assíduo de karaokês da Liberdade: 'Não vejo graça de estar em casa sozinho cantando'(foto: Leandro Furini)
Paulo Omine, o 'Roberto Carlos japon�s', era frequentador ass�duo de karaok�s da Liberdade: 'N�o vejo gra�a de estar em casa sozinho cantando' (foto: Leandro Furini)

Um ano sem cantar

Se a situa��o � dif�cil para os empres�rios, os clientes cativos tamb�m sentem saudade da cantoria.

 

Funcion�rio aposentado da Prefeitura de S�o Paulo, Paulo Mamoru Omine, o "Roberto Carlos japon�s", canta em karaok�s desde o final da d�cada de 1980.

 

"Meus irm�os gostavam e participavam de concursos que eram realizados entre a col�nia japonesa. No come�o, eu achava muito chato aquilo l�. Mas, depois que cantei a primeira vez, a� foi", conta Omine. "Eu n�o larguei mais."

 

Nascido no interior de S�o Paulo, no munic�pio de Luc�lia, quando ainda nem tinha televis�o por l�, Omine cresceu ouvindo os cantores da Jovem Guarda no r�dio.

 

"O Roberto Carlos era o principal, o comandante da Jovem Guarda e o que mais teve sucesso. E o pessoal via em mim uma certa semelhan�a, do jeito, do cabelo. Ent�o, eu comecei a estudar o Roberto Carlos e a fazer cover", lembra.

 

Com a pandemia, essa � a primeira vez, desde que tomou gosto pelo karaok�, que Omine passou um ano inteiro sem cantar.

 

"N�o cantei nem em casa, nem para brincar, mesmo tendo um aparelho de karaok�. Nem uma m�sica eu cantei, porque n�o vejo gra�a de estar em casa sozinho cantando", afirma.

 

"O que eu acho legal � o palco, que d� aquela emo��o. A gente se sente um pouco artista. N�o vejo a hora de voltar tudo ao normal."

Explos�o de vendas

Mas nem todos no universo do karaok� est�o tendo os neg�cios prejudicados pela pandemia.

 

Na contram�o dos bares e restaurantes, quem vende aparelhos de videok� viu as receitas crescerem com as fam�lias presas em casa e em busca de alternativas de entretenimento.

 

Reinaldo Fran�a da Silva � propriet�rio da Videok� Delivery, uma revenda online de aparelhos da marca Videok�, aquela cujo logotipo tem um le�ozinho cantando ao microfone.

 

"Nossas vendas aumentaram no ano passado, tanto que em maio dobrou o faturamento e todos os meses batemos recordes, at� dezembro", conta Silva.

 

"Como as pessoas est�o muito em casa e estressadas, elas compram esse equipamento porque, como diz o ditado, 'quem canta seus males espanta'.

 

Ent�o, muitas pessoas compram para se divertir em fam�lia e evitar aglomera��o."

 

No come�o deste ano, no entanto, o empres�rio conta que sentiu uma piora das vendas.

 

"Acho que isso est� acontecendo em todos os ramos, n�o s� no nosso, est� devagar para todo mundo. O meu cliente, que � algu�m que pode gastar R$ 2 mil ou mais num equipamento, no geral � um empres�rio, algu�m que tem uma loja no shopping, que tem algum com�rcio. Como tudo fechou, todo mundo est� segurando os gastos, por mais que tenha algum dinheiro guardado."


Cantar no karaokê resulta em propagação de muitas partículas aerossóis e gotículas(foto: Getty Images)
Cantar no karaok� resulta em propaga��o de muitas part�culas aeross�is e got�culas (foto: Getty Images)

E vai ter karaok� fora de casa na nova realidade p�s-pandemia?

Em meio � nova onda da pandemia, muitos se perguntam: um dia voltaremos a cantar karaok� fora de casa?

 

Pedro Mizutani, presidente da UPK, tem certeza que sim. "Neste momento n�o, por isso criamos v�rios eventos virtuais e deve ser assim este ano inteiro. Mas, no futuro, depois da vacina e quando o v�rus estiver controlado, v�o voltar os concursos presenciais. E se tiver que tomar todas as precau��es, de higieniza��o do microfone, de uso de m�scara, n�s vamos nos adaptar. O importante � a cultura se manter viva."

 

"Enquanto tiver o v�rus, eu acho dif�cil voltar. O entretenimento deve ser o �ltimo da fila, infelizmente", avalia Paulo Omine. "Mas eu sou otimista, sou esperan�oso e acredito que alguma hora tudo vai voltar ao normal."

 

"Ah volta, tranquilo", diz M�nica Uezono, do Samurai. "At� hoje tem cliente perguntando 'Vai abrir quando?'. O povo brasileiro gosta de cantar, gosta de comemorar com karaok�. Eu tinha um casamento marcado para o dia 13 de mar�o. Estava combinado desde o ano passado, n�o deu, tivemos que desmarcar. Mas isso mostra o quanto os clientes gostam de cantar."

 

Vitor Mori, pesquisador da Universidade de Vermont, nos Estados Unidos, e membro do Observat�rio Covid-19 BR, explica que o karaok� � uma atividade perigosa na pandemia porque o principal mecanismo de propaga��o do coronav�rus � a inala��o de pequenas got�culas ou aeross�is, que ficam flutuando no ar depois de serem expelidos por uma pessoa infectada.

 

"Quanto mais alto algu�m fala, mais part�culas s�o emitidas. Ent�o, cantar � um processo que emite muitos aeross�is e got�culas menores, o que coloca as pessoas em risco se algu�m estiver infectado", afirma.

 

"Al�m disso, os karaok�s s�o geralmente feitos em salas fechadas para garantir a veda��o do som. S�o ambientes que n�o t�m troca de ar com o ambiente externo, geralmente mal ventilados e com muita gente, ent�o h� um risco muito grande nesse tipo de local."

 

Mas o f�sico e pesquisador tamb�m avalia que um dia os karaok�s v�o voltar.

 

"Uma vez que a gente vacinar a maior parte da popula��o, controlar a transmiss�o do v�rus e a pandemia terminar, a vida vai poder voltar ao normal como era antes. N�o h� registros de uma pandemia que durou para sempre.

 

Alguma coisa ou outra pode ser que mude, mas vamos sim poder voltar � vida normal, como ela era antes."

 

"J� estamos vendo isso em Israel, Austr�lia e Nova Zel�ndia, onde o controle foi feito com distanciamento f�sico e lockdowns muito rigorosos. A vida est� praticamente normal e, quando controlarmos o v�rus no Brasil, n�o vai ser diferente."


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