
A pandemia de covid-19 interrompeu o turismo no Alasca no ano passado. O que ser� que vai acontecer com a majestosa baleia-jubarte quando os navios de cruzeiro e os visitantes retornarem em agosto?
Christine Gabriele senta � sua mesa na sede do Parque Nacional de Glacier Bay em Gustavus, no Alasca, e aumenta o volume do computador.
O som de �gua borbulhante envolve a sala. A calmaria � ocasionalmente pontuada pelo rugido de uma foca-comum macho, tentando impressionar parceiros em potencial.
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O que tem sido not�vel nos �ltimos 18 meses � que ela n�o tem ouvido tantos navios.
Durante um ver�o normal, a Glacier Bay e a �rea circundante apresentam um tr�fego intenso, � medida que embarca��es de todos os tamanhos, desde enormes navios de cruzeiro de 150 mil toneladas at� barcos menores de observa��o de baleias, navegam em suas �guas como parte da forte ind�stria de turismo do sul do Alasca.
A pandemia de covid-19 suspendeu tudo isso repentinamente. Em 2019, mais de 1,3 milh�o de pessoas visitaram o Alasca em navios de cruzeiro. Em 2020, foram 48 — nem sequer o suficiente para encher um vag�o do metr� de Nova York.
O tr�fego mar�timo na Glacier Bay como um todo caiu cerca de 40%.

S�o necess�rios cerca de alguns minutos ouvindo o �udio suave do hidrofone em uma manh� de quinta-feira, no fim de maio, at� escutar vest�gios de atividade humana — neste caso, o "gemido" agudo da h�lice de um pequeno barco.
De acordo com um estudo conduzido por Gabriele e Michelle Fournet, pesquisadora da Universidade Cornell, nos EUA, o n�vel de som artificial em Glacier Bay caiu drasticamente em rela��o aos n�veis de 2018, especialmente nas frequ�ncias mais baixas geradas pelos enormes motores dos navios de cruzeiro.
Os n�veis m�ximos de som ca�ram quase pela metade.
Tudo isso proporcionou aos pesquisadores uma oportunidade sem precedentes de estudar o comportamento das baleias em um tipo de ambiente silencioso que n�o existia na �rea h� mais de um s�culo.
Ao analisar dados dos hidrofones e levar um pequeno barco do parque � Glacier Bay tr�s vezes por semana para fotografar e identificar as baleias, Gabriele j� notou mudan�as.
Ela comparou a atividade das baleias antes da pandemia ao comportamento humano em um bar lotado. Elas falavam mais alto, ficavam mais pr�ximas e mantinham uma conversa simples.
Agora, as jubartes parecem estar dispersas por �reas maiores da ba�a. As baleias podem ouvir umas �s outras ao longo de cerca de 2,3 km, em compara��o com dist�ncias menores, de 200 m, antes da pandemia.
Isso permitiu que as m�es deixassem seus filhotes brincando enquanto nadavam para se alimentar. Alguns foram observados tirando sonecas.
E os cantos das baleias — os gritos e estalidos fantasmag�ricos pelos quais as criaturas se comunicam — se tornaram mais variados.

No meio da Glacier Bay, em um barco do parque, era f�cil ver por que a �rea � uma atra��o tur�stica.
A �gua verde jade � cercada de tr�s lados por penhascos �ngremes, cachoeiras abastecidas por geleiras e picos cobertos de neve.
As pr�prias baleias-jubarte s�o majestosas.
Elas borrifam uma n�voa com uma urg�ncia sonora conforme sobem � superf�cie para respirar, ent�o exibem suas enormes caudas triangulares — cada uma t�o �nica quanto uma impress�o digital — antes de retornar �s profundezas.
Se os visitantes tiverem sorte, podem testemunhar um espet�culo — uma baleia saltando da �gua em uma incr�vel apresenta��o de acrobacias de cet�ceos, antes de cair de volta na �gua.
S� assim o tamanho extraordin�rio da criatura pode ser verdadeiramente apreciado.
Tudo isso pode ser visto de barcos baleeiros menores ou de navios de cruzeiro luxuosos, onde os passageiros fazem refei��es suntuosas enquanto seus hot�is flutuantes navegam pelas �guas profundas da ba�a at� a borda de geleiras enormes.
Gabriele reconhece que a calmaria provocada pela covid no turismo foi apenas tempor�ria.
Ela diz que espera que sua pesquisa — e os esfor�os de longa data para controlar o tr�fego de navios na Glacier Bay — permitam alcan�ar um equil�brio entre o meio ambiente e o desejo humano de testemunhar e ser inspirado pela grandiosidade da natureza.

Se as baleias estavam desfrutando de uma relativa calma e sossego, n�o eram as �nicas.
"Costumava ser assim, voc� podia simplesmente sair de casa e ficar tranquilo na natureza", afirma Karla Hart.
Mas a ind�stria do turismo acabou com esse id�lio.
Hart mora em Juneau, a capital do Estado e capital de fato da ind�stria de navios de cruzeiro do Alasca, a cerca de 80 quil�metros de Glacier Bay, de voo de hidroavi�o.
Durante uma temporada t�pica de turismo — quando os navios de cruzeiro chegam ao porto e dezenas de milhares de passageiros desembarcam —, os helic�pteros de passeio tur�stico que passam por cima da sua casa dificultam at� mesmo as conversas dentro da pr�pria moradia.
Os lockdowns, diz ela, deram �s pessoas uma amostra de como Juneau poderia ser.
"A pausa gigantesca que tivemos por causa da pandemia realmente deu uma oportunidade para as pessoas repensarem o que temos, o que precisamos e queremos", avalia.
Com a atividade tur�stica suspensa em 2020, Hart e alguns amigos pensaram que seria um bom momento para recolher assinaturas para propostas eleitorais que limitariam os dias, hor�rios e tamanhos dos navios de cruzeiro que poderiam parar em Juneau quando a pandemia acabar.
Isso significaria tempos mais calmos em Juneau e nas �guas habitadas por baleias que a cercam.
Eles chamaram a iniciativa de "cruise control" ("Controle de Cruzeiros", em tradu��o literal).

Os esfor�os de Hart provocaram uma resposta r�pida e en�rgica da comunidade empresarial de Juneau, que depende fortemente do dinheiro que os navios de cruzeiro com turistas trazem para a cidade.
Cartazes com o slogan "Proteja o Futuro de Juneau", pedindo aos moradores para n�o assinarem as peti��es, surgiram nas lojas. Podiam ser vistos colados nas paredes ou enfiados dentro de embalagens de entrega de pizza.
Funcion�rios de lojas locais foram informados por seus gerentes de que as propostas amea�avam seus empregos, conta Hart, e foram advertidos a n�o apoi�-las.
Os donos de neg�cios viam a situa��o de forma diferente — principalmente devido ao momento da iniciativa, quando lojas e restaurantes estavam fechando as portas por falta de d�lares dos turistas.
"Essas pessoas deveriam nos apoiar, tentando nos tirar dos 15 meses mais dif�ceis da minha vida", afirma Laura Martinson, dona da Caribou Crossings, uma loja de souvenires em frente ao terminal de cruzeiros de Juneau.
"Todo mundo deveria ter uma chance justa de ser bem-sucedido em sua comunidade, n�o apenas as pessoas que j� s�o e est�o aposentadas e um pouco incomodadas com o resto de n�s."
No fim das contas, a peti��o de Hart fracassou — ela n�o quis revelar quantas assinaturas faltaram —, deixando Martinson e o resto da comunidade empresarial de Juneau esperan�osos de que o retorno dos navios de cruzeiro ser� sua salva��o financeira.

Se os benef�cios — e custos ocultos — da ind�stria de navios de cruzeiro t�m sido uma fonte de disc�rdia e preocupa��o em Juneau, h� uma unanimidade rara do outro lado dos Estados Unidos.
No Capit�lio, democratas e republicanos fecharam um acordo em maio para permitir que navios de cruzeiro de bandeira estrangeira viajassem diretamente de Seattle para o Alasca, sem uma parada obrigat�ria anterior no Canad�, cujos portos foram fechados devido �s restri��es da covid-19.
Quando o presidente americano, Joe Biden, assinou a Lei de Restaura��o do Turismo do Alasca em uma cerim�nia fechada na Casa Branca, a secret�ria de imprensa, Jen Psaki, anunciou o feito como um exemplo do "trabalho bipartid�rio essencial" que o Congresso pode fazer.
"A legisla��o � positiva em nossa opini�o porque ajuda a revigorar uma ind�stria que responde por um grande n�mero de empregos no Alasca — empregos que ficaram suspensos no ano passado", disse ela.
A iniciativa foi uma das poucas conquistas bipartid�rias dos primeiros meses do governo Biden.
Em conversa com a BBC, em Anchorage, o senador Dan Sullivan, do Alasca, descartou as preocupa��es de grupos ambientalistas sobre a ind�stria de cruzeiros.
"Eles querem que este Estado se transforme em um parque nacional gigante", afirmou o republicano.
"Estamos sempre tentando equilibrar as salvaguardas ambientais com a oportunidade de fazer nossa economia crescer e empregar nossos cidad�os — e � um equil�brio no qual somos muito bons."

Com os obst�culos legais fora do caminho, as principais linhas de navios de cruzeiro come�aram a retornar ao sudeste do Alasca com um cronograma reduzido para 2021.
O primeiro navio da Royal Caribbean, o Serenade of the Sea, para 2.580 passageiros, chegou em julho.
Os cruzeiros da Holland America, Celebrity, Princess, Norwegian e Carnival est�o programados para as pr�ximas semanas — totalizando dezenas de milhares de turistas que chegam no m�s de agosto.
Martinson, dona da loja de souvenires em Juneau, j� estava planejando quantos bal�es colocar para os visitantes do cruzeiro.
Para outras empresas, a temporada tur�stica abreviada pode n�o ser suficiente.
Holly Johnson � dona de uma empresa de hidroavi�es que transporta turistas de cruzeiros do centro de Juneau para um alojamento pr�ximo a uma enorme geleira.
Em um ver�o normal, ela opera nove voos para 50 pessoas por dia.
Neste ano, ela decidiu que os custos de seguro e os riscos de cancelamentos devido ao clima eram grandes demais para operar com um cronograma resumido.
Ela diz que estar� de volta no pr�ximo ano — mas a suspens�o das atividades vai assombr�-la at� l�.
"Nossa economia se foi, nosso neg�cio que sustenta um ano de funcion�rios e receitas se foi", diz ela.
"� inconceb�vel."
Os barcos de observa��o de baleias far�o um retorno mais r�pido.
H� atualmente cerca de 70 embarca��es em Juneau e, no pico das opera��es, podem transportar at� 100 passageiros cada, com 10 a 15 barcos se reunindo em torno de uma baleia ou grupo de baleias ao mesmo tempo.
Embora os barcos sejam impedidos de chegar a menos de 90 metros das baleias, o grande n�mero na �gua significa que as jubartes, �s vezes, se aproximam.
E, al�m disso, as restri��es volunt�rias s�o apenas isso — volunt�rias.

"� a trag�dia cl�ssica dos comuns", diz Heidi Pearson, professora de biologia marinha da Universidade do Sudeste do Alasca, a poucos quil�metros de Juneau.
"N�o quero negar a ningu�m a chance de ver uma baleia-jubarte, mas acho que precisa ser feito com cuidado e de forma sustent�vel."
Pearson est� conduzindo sua pr�pria pesquisa sobre a sa�de das baleias ao redor de Juneau — antes, durante e depois da interrup��o dos cruzeiros imposta pela covid-19.
Ela est� colhendo amostras e analisando a quantidade de cortisol, horm�nio liberado pelo estresse, no sangue dos animais.
Ela planeja anunciar suas descobertas sobre o estresse das baleias em dezembro, quando os dados poder�o servir como complemento para a pesquisa de Gabriele no ambiente sonoro marinho do Alasca.
Os estudos t�m o potencial de fornecer evid�ncias tang�veis sobre o impacto do turismo nas baleias — e, talvez, um alerta sobre a amea�a que a atividade humana pode ter sobre alguns dos maiores mam�feros do mundo.
"O turismo � importante para a economia de Juneau e adoramos compartilhar este lugar com outras pessoas", diz ela.
Mas "n�o � bom para ningu�m — as baleias, as empresas de observa��o de baleias ou os conservacionistas — se as baleias sentirem muita press�o e forem embora".
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