VOC�S VIRAM??? No primeiro dia do governo Biden, o Jornal Americano de Medicina (The American Journal of Medicine) come�a a recomendar a hidroxicloroquina e azitromicina”, afirmam as publica��es compartilhadas no Facebook ( “1, 2, 3), no Instagram (1, 2, 3) e no Twitter (1, 2, 3).
Grande parte das postagens usa como ilustra��o um v�deo do programa Os Pingos nos Is, transmitido no dia 21 de janeiro pela r�dio Jovem Pan, no qual a comentarista Ana Paula Henkel afirma: “Hoje, o Jornal Americano de Medicina come�ou a recomendar a hidroxicloroquina e a azitromicina. Hoje, exatamente no primeiro dia depois da posse de Joe Biden. Que ‘timing’ bem estranho, n�o � mesmo?”.
“H� pouco tempo atr�s as pessoas eram, de uma certa forma, banidas, com contas bloqueadas e suspensas, com tags de recomenda��es para procurar outras recomenda��es em rela��o � hidroxicloroquina”, acrescentou.
Publica��es semelhantes (1, 2) tamb�m circularam em ingl�s.
O AFP Checamos buscou no site do peri�dico The American Journal of Medicine alguma recomenda��o sobre o uso de hidroxicloroquina feita no m�s de janeiro de 2021, mas n�o obteve resultado.
O que foi publicado em 1° de janeiro de 2021 - e n�o um dia ap�s a posse do presidente americano Joe Biden no dia 20, como alegam as publica��es - foi uma revis�o de um artigo publicado em 6 de agosto de 2020 no qual foram analisadas algumas abordagens de tratamento da covid-19.
Essa an�lise de poss�veis tratamentos n�o foi, entretanto, baseada em comprova��es cient�ficas. No artigo, os autores esclarecem que se baseiam na “fisiopatologia”, ou seja, em como a doen�a se desenvolve no organismo, uma alternativa enquanto os estudos cl�nicos n�o se tornavam vi�veis.
“Na aus�ncia de resultados de ensaios cl�nicos, os m�dicos devem usar o que foi aprendido sobre a fisiopatologia da infec��o por SARS-CoV-2 para determinar o tratamento ambulatorial precoce da doen�a com o objetivo de prevenir hospitaliza��o ou morte”, dizem os autores no texto em ingl�s. “Se os ensaios cl�nicos n�o forem vi�veis ou n�o fornecerem orienta��o oportuna aos m�dicos ou pacientes, outras informa��es cient�ficas relacionadas � efic�cia e seguran�a dos medicamentos precisam ser examinadas”, acrescentam.
Apesar disso, o artigo foi amplamente mencionado e compartilhado, inclusive em contas no Twitter do presidente Jair Bolsonaro, do Minist�rio da Sa�de e do ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni. A rede social colocou acima das postagens de Bolsonaro e Lorenzoni um aviso que diz que o tu�te “violou as Regras do Twitter sobre a publica��o de informa��es enganosas e potencialmente prejudiciais relacionadas � COVID-19”.
Nessa postagem feita em 15 de janeiro, Bolsonaro afirma: “Estudos cl�nicos demonstram que o tratamento precoce da Covid, com antimal�ricos, podem reduzir a progress�o da doen�a, prevenir a hospitaliza��o e est�o associados � redu��o da mortalidade”. Na publica��o, ele compartilha um v�deo em que o jornalista Alexandre Garcia menciona a revis�o no American Journal of Medicine. “T� l�, � ci�ncia”, diz o jornalista.
Revista nega
Procurado pelo AFP Checamos, Timothy Baird, editor do American Journal, refor�ou que “o artigo foi aceito antes que muitos estudos atuais fossem publicados” e que “esta recomenda��o (de medicamentos antimal�ricos) ainda est� sendo debatida”.
O editor garantiu que o “American Journal of Medicine n�o fez recomenda��es sobre os tratamentos contra a covid-19”, embora tenham publicado “um editorial exortando as pessoas a se vacinarem”.
Baird disse, ainda, que em breve ser� publicado um coment�rio “sobre a interpreta��o inapropriada do governo brasileiro do artigo em quest�o”
Um dos autores da revis�o, Peter A. McCullough, confirmou por e-mail � AFP que as recomenda��es presentes no artigo atualizado “s�o dos autores, e n�o do peri�dico”.
Joseph Alpert, o editor-chefe do American Journal of Medicine, tamb�m comentou o caso em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em 25 de janeiro. “O artigo n�o diz que a cloroquina � uma terapia comprovada. Ele apenas sugere que, baseado em dados in vitro, parecia uma boa ideia”, esclareceu o editor na entrevista.
Alpert lembrou tamb�m que, no momento em que o artigo foi aceito, em agosto de 2020, se sabia muito menos sobre a covid-19 do que atualmente. “Ent�o, a sugest�o de que a cloroquina como preven��o fazia mais sentido naquele momento em compara��o com agora, quando temos uma boa quantidade de informa��es negativas sobre o uso da droga em pacientes com covid”, explicou ao jornal.
Em entrevista � publica��o norte-americana Newsweek, o editor-chefe ressaltou: “Este artigo n�o significa que a revista recomendou essa terapia. Os autores o recomendaram, assim como outros recomendam outras interven��es. N�s apenas publicamos suas descobertas e recomenda��es”.

A cloroquina e a hidroxicloroquina s�o medicamentos de uso controlado e indicados no tratamento de algumas doen�as autoimunes, como l�pus e artrite reumatoide, e da mal�ria. Essas medica��es foram testadas, de maneira isolada ou combinada com o antibi�tico azitromicina, para o tratamento de covid-19, mas sua efic�cia nunca foi cientificamente comprovada.
Como ressaltou o editor-chefe do American Journal of Medicine, pesquisas mais recentes contestaram a indica��o de cloroquina e hidroxicloroquina para o tratamento de covid-19. Entre eles, destacou-se o ensaio cl�nico realizado no Reino Unido, que comparou tratamentos com e sem hidroxicloroquina para pacientes hospitalizados com covid-19.
O estudo concluiu que “em pacientes hospitalizados com covid-19, a hidroxicloroquina n�o foi associada a redu��es na mortalidade em 28 dias, mas foi associada a um aumento do tempo de interna��o hospitalar e a um aumento do risco de evolu��o para ventila��o mec�nica invasiva ou morte”.
Outro estudo, feito pela Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, e publicado no New England Journal of Medicine avaliou o potencial preventivo da hidroxicloroquina com 821 volunt�rios que receberam o medicamento ou placebo. A conclus�o foi a de que os participantes medicados n�o ficaram protegidos da doen�a. Em outubro, outra publica��o da equipe mostrou inefic�cia do chamado "tratamento precoce".
Apesar da falta de comprova��o cient�fica, Bolsonaro e o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump foram grandes defensores da medica��o no enfrentamento do novo coronav�rus.
Estudos mais recentes, desenvolvidos inclusive no Brasil, tamb�m indicaram a inefic�cia da azitromicina no tratamento de casos moderados e graves covid-19, embora esse antibi�tico possa ser prescrito para combater infec��es secund�rias.
A informa��o sobre a recomenda��o de cloroquina nos EUA tamb�m foi verificada pela Ag�ncia Lupa.