
As publica��es apresentam a seguinte explica��o: "’Os antigos eg�pcios tratavam alguns pacientes comendo p�o mofado e ningu�m entendia por qu�’. ‘At� o ano de 1928, cinco mil anos depois, a ci�ncia moderna chegou e o cientista Alexander Fleming descobriu que a penicilina tinha um grande efeito como antibi�tico nas bact�rias’".
E acrescentam: “Qual � a rela��o do p�o com o sujeito? Quando o p�o apodrece, ele secreta um fungo chamado Penicillium, do qual deriva a penicilina, o antibi�tico mais famoso usado para tratar alguns tipos de bact�rias. Conhecido pelos eg�pcios h� 5.000 anos”.
Al�m disso, as publica��es incluem uma imagem no estilo da arte pict�rica do Egito Antigo, em que um indiv�duo parece estar tratando de outro colocando um tubo sobre o olho.
O conte�do foi compartilhado no Facebook (1, 2, 3), no Instagram (1, 2, 3) e no Twitter (1, 2).
Postagens semelhantes tamb�m foram feitas em espanhol, algumas delas citando como fonte um artigo da National Geographic em que a mesma imagem aparece.
No entanto, o artigo em espanhol da National Geografic n�o menciona em nenhum momento o uso de "p�o mofado" para curar enfermos, nem se refere ao fungo "Penicillium" mencionados nas postagens nas redes sociais.
“No Egito, o tratamento farmacol�gico com rituais e ora��es m�gicas coexistiam sem alarde, se complementando”, diz a mat�ria da National Geographic.
Al�m disso, o texto afirma que “os m�dicos eg�pcios n�o tinham conhecimentos avan�ados de fisiologia e anatomia”, mas que um dos grandes pilares da medicina eg�pcia “foi a enorme experi�ncia pr�tica decorrente da observa��o do doente e da doen�a”.
Daniele Cozzoli, professor de Hist�ria da Ci�ncia da Universidade Pompeu Fabra, explicou � AFP que "penicillum notatum � um bolor, uma subst�ncia natural, que em muitas culturas era usada para curar feridas" . No entanto, “uma coisa � usar um rem�dio, que n�o se sabe at� que ponto ele poderia funcionar, e outra coisa � extrair a penicilina ou outro antibi�tico do broto de cultura, o que requer um complexo sistema de extra��o bioqu�mica que os antigos eg�pcios evidentemente n�o tinham”, explicou o professor.
Para Andr�s Diego, cientista s�nior do Instituto de L�nguas e Culturas do Conselho Superior de Pesquisas Cient�ficas (CSIC) da Espanha, a mensagem das publica��es � "falaciosa", j� que "os eg�pcios n�o ingeriam p�o mofado como rem�dio". Diego destacou que “o Papiro Ebers (1.500 aC), um dos papiros m�dicos mais conhecidos, inclui em sua receita 533 uma solu��o para curar uma ferida, aplicando carne ou gordura animal sobre ela e acrescentando p�o de cevada mofado”.
No entanto, o cientista destacou que "esse mesmo p�o aparece em mais algumas receitas para enfermidades mal identificadas e, portanto, n�o � poss�vel saber sua fun��o ou uso". De qualquer modo, "este rem�dio apenas se repetiu nos papiros m�dicos conhecidos", afirmou.
Por outro lado, Diego ressalta que "os eg�pcios n�o conheciam a bact�ria", ao contr�rio do que afirmam as publica��es. “Tamb�m n�o h� evid�ncias de que eles conhecessem ou intu�ssem a presen�a de microrganismos invis�veis como poss�veis causadores de doen�as, algo que parece ter sido intu�do j� no final da antiguidade e na Idade M�dia”, explicou.
“Em alguns papiros fala-se de 'algo que entra de fora' como a causa da doen�a, embora pare�am ter atribu�do isso mais a seres malignos ou deuses”, acrescentou o cientista. Os primeiros microrganismos foram descobertos no s�culo XVII gra�as � inven��o do microsc�pio.
A penicilina s� foi descoberta em 1928, quando Alexander Fleming a encontrou em uma placa de Petri contaminada pelo fungo penicillium, que se mostrou t�xico para bact�rias, mas seguro para humanos.
No entanto, v�rios ind�cios sugerem que, muito antes da descoberta da penicilina, o ser humano j� aproveitava as propriedades medicinais de algumas subst�ncias. Por exemplo, pesquisadores da Emory University, em Atlanta (Estados Unidos), liderados por George Armenlagos, encontraram vest�gios do antibi�tico tetraciclina em ossos humanos da antiga N�bia, no atual Sud�o, de pessoas que viveriam entre os anos 350 e 550 de nossa era.
Jes�s Herrer�n, doutor em antropologia f�sica, explicou � AFP que “a quantidade de tetraciclina nos restos analisados %u200B%u200Bera muito alta para ser causada por ingest�o espor�dica. Tudo apontava para o fato de que o consumo desse antibi�tico nessas pessoas era comum e que o consumo se estendia por longos per�odos”.
“Obviamente, os n�bios desconheciam totalmente a natureza desse fungo, mas a ingest�o de certas subst�ncias e a evid�ncia de melhora posterior de algumas enfermidades poderiam ser a causa do uso dessa subst�ncia no futuro”, opinou.
“Essa col�nia de fungos podia ser produzida na cerveja, agindo junto com o fermento, produzindo uma cor dourada no l�quido final que pode ter chamado a aten��o dos cervejeiros”, apontou Herrer�n.
A imagem representa um oftalmologista
Uma busca reversa no Google da imagem que ilustra as postagens levou a sites sobre o Egito ou curiosidades m�dicas. Ela tamb�m est� no cat�logo da ag�ncia fotogr�fica Getty Images.
De acordo com a legenda da imagem da Getty, mostra-se um “oftalmologista tratando de um paciente, em papiro, reconstruindo um afresco da tumba tebana de Ipi, originalmente datado da Dinastia XIX. Civiliza��o eg�pcia. Cairo, Istituto Do Papiro”. O artigo da National Geographic citou detalhes acima na legenda: "Um oculista cura o olho de um artes�o".
Al�m disso, a arque�loga polonesa Halszka Przychodze%u0144 explicou � equipe de verifica��o da AFP que o desenho � uma c�pia daquele em uma tumba no Vale dos artes�os de Deir el Medina, no Egito, especificamente no de Ipuy, um dos construtores dos t�mulos do Vale dos Reis durante a dinastia XIX, por volta de 1279-1213 a.c.
A ilustra��o completa pode ser vista no site do Metropolitan Museum of Art de Nova York.
Przychodze%u0144 explicou que a obra completa representa a constru��o de uma tumba da qual o pr�prio Ipuy, dono da tumba, participou. A imagem veiculada nas redes representa "a extra��o de um corpo estranho do olho por um oftalmologista", esclareceu a arque�loga polonesa.
