Publica��es compartilhadas mais de 55 mil vezes em redes sociais ao menos desde julho de 2013 asseguram que o �ltimo presidente da ditadura militar brasileira, Jo�o Figueiredo (1918-1999), que governou o pa�s entre 1979 e 1985, disse a seguinte frase sobre o PT: “Voc�s querem, ent�o vou reconhecer esse sindicato como partido. Mas n�o esque�am que esse partido um dia chegar� ao poder e l� estando tudo far� para institucionalizar o comunismo”.
Ainda segundo as publica��es viralizadas, o ex-general do Ex�rcito e presidente durante a ditadura militar (1964-1985) teria declarado que quando integrantes do PT chegassem ao poder o povo iria querer “tir�-los de l�”. “E, para tir�-los de l�, ser� � custa de muito sangue brasileiro.”
“O Presidente Figueiredo nos alertou!”, dizem as postagens compartilhadas no Facebook (1, 2, 3) e Twitter (1, 2, 3). Algumas vers�es do conte�do asseguram que a frase teria sido dita em uma reuni�o de gabinete em 1980.
No governo Figueiredo, foi promulgada a vers�o da Lei Org�nica dos Partidos que acabou com o bipartidarismo, institucionalizado no Brasil no in�cio do regime militar, e viabilizou a cria��o de diversas legendas em 1980, entre elas a do Partido dos Trabalhadores (PT).
O AFP Checamos n�o localizou, contudo, qualquer registro de que o ent�o presidente tenha feito esse coment�rio sobre a funda��o do partido.
Discursos e entrevistas
Uma busca por palavras-chave no Google levou a poucas men��es da frase viralizada fora das redes sociais. Uma delas, um artigo de opini�o publicado no site do jornal goianiense Di�rio da Manh� em 5 de agosto de 2015, afirma que o ent�o presidente Jo�o Figueiredo teria dado a declara��o “quando da assinatura do reconhecimento do PT” e que a frase teria sido “publicada na imprensa”.
Mas uma consulta �s edi��es dos jornais O Globo, Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo de 10 e 11 de fevereiro de 1980 - respectivamente o dia da funda��o do PT e o dia seguinte � not�cia - n�o localiza nenhuma frase semelhante.
O �nico coment�rio a respeito do PT vindo de um integrante do governo e noticiado nesses dias foi feito pelo ent�o ministro do Trabalho, Murilo Macedo. De acordo com reportagem do jornal O Globo, Macedo demonstrou n�o saber que o partido seria fundado naquele momento e afirmou n�o considerar a sua cria��o um “avan�o” para os trabalhadores.
“No seu entender, o PT n�o representa qualquer avan�o no movimento de emancipa��o pol�tica dos trabalhadores. Os trabalhadores, disse, n�o precisam estar organizados em um partido pr�prio para defender seus interesses. ‘Cada trabalhador deve filiar-se ao partido que quiser. Eu, por exemplo, escolhi o PDS’”, noticiou O Globo em 11 de fevereiro de 1980.
Uma busca detalhada por palavras-chave em todas as edi��es de O Globo, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo de 1980 tamb�m n�o leva ao registro da frase compartilhada nas redes.
De maneira semelhante, o AFP Checamos n�o encontrou a declara��o viralizada em reportagens atuais. Diversos sites re�nem declara��es c�lebres de Figueiredo (1, 2, 3), mas nenhum deles menciona a suposta fala sobre o PT.
A equipe de checagem da AFP tamb�m verificou todas as mensagens e discursos presidenciais de Figueiredo arquivados na Biblioteca da Presid�ncia da Rep�blica. A declara��o n�o consta em nenhum dos arquivos.
A frase mais pr�xima � viralizada localizada pela AFP foi divulgada em 1999 em um quadro (a partir de 8min11s) do programa Fant�stico, da TV Globo, que exibiu grava��es de Figueiredo na casa de um empres�rio no interior do Rio de Janeiro.
“Eu tenho a impress�o de que n�s vamos ter de sofrer muito e vai haver sangue neste pa�s. Vai haver luta fratricida, vai haver guerra civil. Sen�o, o comunismo toma conta aqui”, diz o ex-presidente na grava��o, sem mencionar o PT ou qualquer outro partido pol�tico.
“Dif�cil acreditar”
� AFP, o advogado e autor do livro“Me esque�am: Figueiredo, a biografia de uma Presid�ncia”, Bernardo Pasqualette, reconheceu que Figueiredo tinha avers�o ao comunismo e chegou a dar declara��es com estrutura semelhante � viralizada, mas considerou improv�vel que o ex-presidente tenha dito a frase compartilhada nas redes.
O primeiro motivo, citou Pasqualette, era o interesse que o pr�prio governo tinha, na �poca, na cria��o de mais partidos pol�ticos: “Ap�s o retorno de v�rias lideran�as pol�ticas ao pa�s, o objetivo do regime era dividir as oposi��es. Para tanto, nada melhor que criar novos partidos pol�ticos, extinguindo o bipartidarismo”. Assim, acrescentou, “a oposi��o seria fragmentada”.
A segunda raz�o mencionada pelo autor � o fato de que, em 1980, o Partido dos Trabalhadores n�o era comumente associado a ideais comunistas.
“Um exemplo emblem�tico daquele tempo comprova a afirma��o”, contou Pasqualette: “Um jovem que panfletava em favor de uma corrente revolucion�ria trotskista durante uma assembleia de trabalhadores em S�o Bernardo do Campo chegou a ser expulso do encontro quando se percebeu a orienta��o pol�tica dos panfletos que divulgava”.
“Dif�cil acreditar que o presidente Figueiredo, em 1980, n�o tivesse acesso a esse tipo de informa��o. Naquele momento, os partidos comunistas ainda estavam proscritos e a maior preocupa��o do governo era com a volta ao pa�s de l�deres de maior express�o pol�tica, como Leonel Brizola, Miguel Arraes e o pr�prio Luiz Carlos Prestes. Ao que se sabe, a suposta infiltra��o comunista nunca foi relacionada diretamente ao PT ou aos seus dirigentes no contexto da reabertura pol�tica”, opinou o bi�grafo.
O �ltimo motivo, explicou Pasqualette, � que a frase viralizada pressup�e uma relev�ncia que o PT ainda n�o tinha em 1980.
“H� que se lembrar que naquele momento o PT ainda n�o tinha express�o nacional, sendo considerado um partido regional cuja capilaridade concentrava-se principalmente em S�o Paulo e suas bases sindicais”, disse.
“Bem informado como era, o ex-presidente dificilmente faria esse coment�rio, at� porque n�o havia como saber, com base no contexto pol�tico do ano de 1980, que o PT alcan�aria no futuro a proje��o que o levou a ganhar quatro elei��es presidenciais em sequ�ncia”.
O AFP Checamos procurou a assessoria do Ex�rcito em busca de um registro da afirma��o viralizada, mas n�o obteve retorno at� a publica��o deste artigo.