O grafeno � um nanomaterial que tem sido alvo de v�rias teorias da conspira��o relacionadas � covid-19 e �s vacinas desde 2021. Em um v�deo visualizado milhares de vezes nas redes sociais desde junho de 2023, uma odontologista assegura ter encontrado a subst�ncia na vacina contra a hepatite B e, para 'provar', utiliza t�cnicas e equipamentos que, na realidade, n�o servem para detectar o grafeno. Al�m disso, o imunizante contra a hepatite B n�o cont�m esse material, � segura e altamente efetiva para prevenir a doen�a.
'VACINA DA HEPATITE COM �XIDO DE GRAFENO.QUAL SERIA A INTEN��O DE ENVENENAR A HUMANIDADE?', diz a legenda de uma das publica��es que circula no Facebook, no Twitter, no Instagram, no TikTok e no Kwai. O conte�do tamb�m foi compartilhado em ingl�s, croata e espanhol.
O v�deo foi encaminhado ao WhatsApp do AFP Checamos, para onde os usu�rios podem enviar conte�dos vistos em redes sociais, se duvidarem de sua veracidade.Segurando um frasco em que afirma conter uma vacina contra a hepatite B, a mulher, que se identifica como a odontologista Liliana Zelada, adverte que sob o microsc�pio encontrar� �xido de grafeno, 'como temos encontrado em todas as vacinas do calend�rio, nas vacinas da covid-19 e nos injet�veis'. Depois, conclui que ningu�m pode obrigar a popula��o a injetar um material 'que tem um veneno dentro'.
Localizada no que parece ser uma sala de jantar, a odontologista executa o seu teste sobre uma mesa usando luvas, um microsc�pio b�sico e apoiando a l�mina com a amostra diretamente sobre a superf�cie de uma toalha de mesa.

O grafeno e seu derivado, o �xido de grafeno, s�o nanomateriais � base de carbono que t�m m�ltiplas aplica��es e s�o acusados nas redes sociais, desde 2021, de serem letais e estarem presentes nos swabs de testes PCR, nos conservantes de semente de girassol e tamb�m nas vacinas contra a covid-19, sendo supostamente respons�veis por 'magnetizar' as pessoas, 'control�-las', ou mat�-las.
O AFP Checamos j� verificou alega��es semelhantes (1, 2).
T�cnica de observa��o inadequada
Uma busca por imagens do instrumento utilizado no v�deo viral revelou que se trata de um microsc�pio �ptico da marca Starware. De acordo com o fabricante, � 'ideal para estudos e pequenos empreendimentos'.
Omar Troncoso, pesquisador de Pol�meros e Materiais Compostos da Pontif�cia Universidade Cat�lica do Peru, afirmou � AFP por e-mail que 'o grafeno e os materiais dessa fam�lia n�o s�o observados por microsc�pios �pticos porque as suas dimens�es s�o muito reduzidas'.
O especialista indicou que 'a microscopia s� mostra uma imagem; � uma parte da an�lise. Mas a presen�a de grafeno teria que ser corroborada por outras t�cnicas como Raman, ou resson�ncia magn�tica nuclear'.
Em sua an�lise do v�deo de Zelada, Troncoso disse que 'n�o � poss�vel' com o equipamento, o material e a t�cnica demonstrada identificar part�culas de grafeno em uma solu��o, como na vacina contra a hepatite.
'Usar um microsc�pio para fazer essa den�ncia [sobre a suposta presen�a de grafeno em vacinas] n�o se sustenta', explicou.
O v�deo de Zelada, sobre supostos riscos da imuniza��o contra a hepatite B, repete falhas de procedimentos observados por especialistas em outras publica��es da odontologista nas redes sociais (1, 2, 3).
Em uma verifica��o de agosto de 2022, a doutora em Qu�mica argentina Mar�a Celeste Dalfovo, especializada em nanomateriais, explicou � AFP que Zelada comete erros ao manipular as amostras e usa um dispositivo incapaz de detectar o grafeno.
'Com uma imagem microsc�pica �ptica convencional � imposs�vel saber ou definir a composi��o qu�mica do que se est� observando', disse.
'Um microsc�pio simplesmente amplia o tamanho de algo. Mas se n�o for utilizada a chamada t�cnica Raman, n�o se pode determinar que o que se est� vendo � grafeno', assegurou Dalfovo.
O Instituto de Pesquisas em F�sico-Qu�mica da Universidade Nacional de C�rdoba (UNC), da Argentina, conta com um microsc�pio confocal Raman, equipamento que Dalfovo utilizou durante sua tese de doutorado e cujo funcionamento � explicado no v�deo a seguir:
A especialista acrescentou que esta foi a t�cnica empregada pelos pesquisadores Andre Geim e Konstantin Novoselov, que receberam o pr�mio Nobel de F�sica em 2010 por terem isolado o grafeno.
'Se uma pessoa que disse ter observado grafeno n�o utilizou esta t�cnica, o que ela diz n�o tem sentido', concluiu Dalfovo.
Artefatos
Em outra verifica��o da AFP em espanhol em que supostos pesquisadores tamb�m 'descobrem' grafeno por meio de um microsc�pio, o pesquisador argentino Jorge Montanari, especializado em nanotecnologia aplicada � sa�de, indicou que o que viam eram, na realidade, os chamados 'artefatos' — 'objetos com forma que simplesmente s�o sujeiras ou bolhas que se somam aos efeitos refrat�rios normais da luz que os atravessa'.
De acordo com outra especialista consultada pela AFP, Leila Ascariz, t�cnica do laborat�rio do Servi�o Galego de Sa�de (Sergas), na Espanha, tudo o que se v� nos v�deos de Zelada s�o artefatos. 'Nunca vi uma amostra t�o suja', acrescentou.
O que h� na vacina contra a hepatite?
As principais cepas do v�rus da hepatite s�o as do tipo A, B, C, D e E. Mesmo todas causando a doen�a hep�tica, elas se diferenciam nos modos de transmiss�o, na gravidade, na distribui��o geogr�fica e nos m�todos de preven��o e tratamento.
De acordo com dados da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), 325 milh�es de pessoas sofrem de hepatite B ou C em todo o mundo, e esses tipos s�o a causa mais comum de disfun��es relacionadas � cirrose hep�tica, ao c�ncer e � hepatite viral. As hepatites A e B podem ser prevenidas com vacinas.
A vacina contra a hepatite B utiliza uma prote�na do v�rus para gerar uma resposta imunol�gica, explica o Departamento de Sa�de e Servi�os Humanos dos Estados Unidos. Outras vacinas de caracter�sticas similares s�o as de herpes z�ster, coqueluche e HPV.
A vacina � aplicada comumente em mais de uma dose, e seus efeitos colaterais podem ser 'dor no local da inje��o, febre, dor de cabe�a e fadiga', informam os Centros de Controle e Preven��o de Doen�as (CDC) dos Estados Unidos.
A Organiza��o Pan-Americana da Sa�de (Opas) afirma que 'a vacina oferece uma prote��o de 95-100%' contra a hepatite B, e ajuda a prevenir a infec��o que causa 'complica��es, como doen�as cr�nicas e c�ncer de f�gado'.
A maioria das pessoas vacinadas contra a hepatite B s�o imunes por toda a vida. N�o h� registro algum de que nessas vacinas j� tenham detectado rastros de grafeno, ou de �xido de grafeno, nem efeitos nocivos em pessoas imunizadas atribu�dos a esse nanomaterial.
O grafeno, um veneno?
O impacto do grafeno na sa�de humana � constantemente alvo de estudos. Relat�rios publicados na Graphene Flagship a partir de distintas pesquisas t�m descoberto que a exposi��o ocupacional em longo prazo ao grafeno � segura para os pulm�es e tem uma baixa toxicidade para a pele.