
Vinte anos e seis meses depois da morte de 111 presos no epis�dio conhecido como Massacre do Carandiru, em S�o Paulo, os policiais militares denunciados pela matan�a come�ar�o a se sentar no banco dos r�us. Come�a hoje o julgamento de 26 PMs, acusados de matar 15 detentos no segundo pavimento do pres�dio (correspondente ao primeiro andar). Eles respondem por homic�dio qualificado mediante recurso que dificultou a defesa das v�timas. Em car�ter excepcional, por se tratar de policiais denunciados, o juiz Augusto Nardy Marzag�o decidiu convocar 50 pessoas, das quais sete ser�o integrantes do j�ri. Elas n�o poder�o deixar o local at� que seja dada a senten�a, o que pode durar, pela previs�o do Minist�rio P�blico paulista, ao menos uma semana.
O processo tem 79 PMs denunciados. Mas, devido � impossibilidade de julgar todos ao mesmo tempo, o Judici�rio decidiu desmembrar o processo. E s� marcar� o julgamento do restante, em blocos de aproximadamente 25 r�us, quando finalizar o atual j�ri. O Minist�rio P�blico trabalhar� pelas penas m�ximas, que, no caso de homic�dio, chegam a 30 anos. Um dos promotores do caso, M�rcio Friggi, afirmou na semana passada o que espera do julgamento hist�rico. “Nosso maior desafio ser� quebrar a ideologia do senso comum, e que, infelizmente, ainda existe na sociedade de que ‘bandido bom � bandido morto’”, disse o promotor.
Para agilizar os trabalhos, o juiz Marzag�o definiu tr�s horas de debates e duas para r�plicas e tr�plicas, esquema devidamente acordado com acusa��o e defesa. Estar�o em jogo as circunst�ncias, mas tamb�m a vida pregressa tanto das v�timas quanto dos acusados. Uma estrat�gia da defesa ser� explorar, junto aos jurados, a condi��o de criminosos dos assassinados, enquanto a promotoria bater� na tecla da covardia usada e da viol�ncia policial. Dos 15 presos supostamente mortos pelos 26 PMs que ser�o julgados, apenas um foi golpeado com arma branca. O restante morreu alvejado por tiros de armas de fogo.
O in�cio da rebeli�o que terminou nos 111 corpos empilhados e retratados em uma imagem que chocou o mundo � nebuloso. Alguns falam que a briga entre os detentos come�ou com uma disputa por um varal, outros defendem que a confus�o teve rela��o com o controle da venda de drogas na cadeia. O fato � que, no in�cio da tarde de 2 de outubro de 1992, o que poderia ser um entrevero comum no cotidiano da cadeia se transformou no pior massacre do pa�s. �s 16h25, para conter a rebeli�o, a Pol�cia Militar entrou nas galerias do pavilh�o. Vinte minutos depois, os 111 estavam mortos.
Maior pres�dio da Am�rica Latina, o Carandiru chegou a abrigar cerca de 8 mil homens em condi��es subumanas. Em 2002, foi implodido, dando lugar ao Parque da Juventude, um espa�o de lazer para a comunidade paulistana. Pela participa��o no massacre, o Minist�rio P�blico de S�o Paulo denunciou 120 policiais. Mas 36 foram exclu�dos do processo porque respondiam por les�o corporal, crime que j� prescreveu. Ao menos cinco acusados morreram ao longo do processo – tr�s deles estavam no grupo de PMs que come�a a ser julgado hoje no F�rum da Barra Funda, Zona Oeste da capital paulista. O massacre j� foi retratado em livro por Dr�uzio Varella e em um filme de Hector Babenco.
Absolvido, mas morto em 2006
Passados mais de 20 anos da maior trag�dia do sistema carcer�rio nacional, o �nico r�u julgado por todos os 111 homic�dios foi o coronel Ubiratan Guimar�es, que comandou a invas�o do Carandiru para controlar o motim. Ele chegou a ser condenado a 632 anos de pris�o e responsabilizado por 102 das 111 mortes. Mas acabou absolvido posteriormente. Em 2006, o coronel Ubiratan foi morto com um tiro dentro do pr�prio apartamento.
A namorada dele, a advogada Carla Cepollina, foi apontada como autora do crime. Em novembro passado, entretanto, o tribunal do j�ri a absolveu por falta de provas. O Minist�rio P�blico sustentou que Cepollina atendeu um telefonema de uma delegada da Pol�cia Federal com quem Ubiratan tinha um caso. Enciumada, teria atirado no abd�men do coronel com a pr�pria arma, que nunca foi encontrada.
O promotor Jo�o Carlos Calsavara classificou Cepollina como dona de um perfil “impulsivo” e disse que a acusada estava no plen�rio como se estivesse em um “shopping”. A r� protagonizou, de fato, cenas durante o julgamento, chegando a ser expulsa ao se manifestar durante a fala de uma testemunha de defesa, al�m de solicitar ao promotor que a tratasse por “doutora”. Ela se disse injusti�ada pelos anos de processo.