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Estado de Minas

Sou um sobrevivente do Carandiru, relata ex-detento


postado em 01/10/2012 12:15

S�o Paulo - “Sou um sobrevivente daquele massacre no Carandiru”, conta Sidney Francisco Sales, 45 anos, ex-detento da Casa de Deten��o de S�o Paulo. Ele acredita que escapou da execu��o pelos policiais por um milagre. Sales estava preso h� quatro anos e, no dia do massacre, estava em uma das celas no quinto andar do Pavilh�o 9.

“Para as pessoas que sobreviveram ali, creio eu, milagrosamente, [aquele dia] estar� sempre marcado em sua mem�ria. Pior ainda � para aquelas pessoas que perderam seus entes queridos. Essas sim deveriam receber subs�dios e ter a aten��o do Estado e serem respeitadas”, falou � Ag�ncia Brasil.

Sales tinha 19 anos quando foi preso em flagrante por roubo de carga de caminh�o, em setembro de 1989. No dia 2 de outubro de 1992, testemunhou o que ocorreu no Carandiru e at� ajudou a carregar alguns dos corpos dos detentos para o caminh�o que faria o transporte at� o Instituto M�dico-Legal (IML).

Anos depois, ao sair do Carandiru, Sales voltou ao mundo do crime. “Quebrei o voto que a minha m�e tinha feito. Quando fui para a porta do mercado [de trabalho], exigia-se a qualifica��o. E eu, queimado pelos raios solares (Sales � negro) e sem nenhuma qualifica��o para o mercado, a sociedade n�o me quis. E eu n�o quis a sociedade”, contou.

O retorno ao crime foi marcado por outra trag�dia pessoal. “Foi ent�o que, num confronto [com a pol�cia], tomei diversos tiros e fiquei parapl�gico. A� a situa��o piorou muito mais. Passei a usar droga demasiadamente e me tornei dependente qu�mico. Fui abordado [pelos policiais] e preso novamente com uma quantia de drogas”, lembrou. Na �poca, Sales chegava a consumir 50 gramas de crack por dia.

Foi ent�o que conheceu os grupos religiosos do sistema prisional e resolveu se dedicar a trabalhos sociais. “Hoje eu sou um pastor evang�lico e cuido de tr�s abrigos. Trabalho com pessoas em situa��o de vulnerabilidade e risco social e pessoal e com pessoas que fazem uso de subst�ncia psicotr�pica e �lcool”, disse. Cerca de 120 pessoas s�o atendidas nesses abrigos. Sales tamb�m � autor do livro Para�so Carandiru - A Hist�ria do Homem Que, Levado ao Inferno, Encontrou a Porta do C�u, lan�ado em novembro de 2007.

No lan�amento de um manifesto contra os fins dos massacres no pa�s, ocorrido na �ltima sexta-feira (28), no Sindicato dos Jornalistas, em S�o Paulo, Sales narrou detalhadamente o que ocorreu.

“Naquele dia, nos encontr�vamos jogando bola. Foi quando houve um comunicado de que havia se iniciado uma rebeli�o no andar. Ao subir, duas pessoas j� se encontravam encapuzadas, com estiletes, facas, e foi dado que eles haviam se confrontado. Um ficou gravemente ferido e se evadiu do pavilh�o e a� come�ou a aglomera��o dos outros detentos, o que fez com que os agentes penitenci�rios tamb�m se evadissem do pavilh�o”, explicou.

Segundo o sobrevivente, os detentos come�aram ent�o a colocar fogo em setores como a marcenaria. “O fogo come�ou a se alastrar e, ent�o, houve aquele monte de pessoas subindo e descendo, falando que havia sido iniciada a rebeli�o”, relatou. Quando os detentos souberam que a tropa de choque da Pol�cia Militar havia chegado � Casa de Deten��o, o p�nico “ficou ainda maior”.

“Houve, sim, uma negocia��o, que n�o teve muito sucesso. A tropa de choque invadiu e come�ou ent�o esse epis�dio e o massacre. Eu me encontrava no quinto andar e me lembrei de uma carta que uma senhora tinha me trazido com o Salmo 91. Entrei na minha cela, na 504E e naquele momento j� tinham diversas pessoas ajoelhadas, clamando por seu Deus”, descreveu.

Logo depois, contou que um policial entrou na cela e pediu para que todos tirassem a roupa e sa�ssem nus, para fora. “Descemos at� o primeiro andar e todos tinham ficado sentados ao ch�o, com a cabe�a entre as pernas, cobrindo a cabe�a com os bra�os, e ali, por volta de umas 3 horas [da manh�], os policiais mandaram que os detentos retornassem para suas celas”.

Quando ele se dirigia para a cela, um policial o chamou com um toque no ombro. “Quando me virei e achei que ia tirar a minha vida, ele me pediu para ajudar a carregar alguns cad�veres. Eu ajudei a carregar, aproximadamente, 35 [corpos]”.

Depois disso, Sales tentou retornar novamente para a cela. No entanto, quando chegou ao terceiro andar, um policial pediu para que retirasse um cad�ver que estava por ali, na cela 313E. “Era um indiv�duo que estava nos ajudando a carregar os cad�veres. Creio que estavam [policiais militares] dando queima de arquivo em algumas pessoas [assassinando testemunhas]. Quando tive esse entendimento, soltei aquele cad�ver e subi para o quarto andar”, contou.

Sales disse que resolveu prosseguir at� o quinto andar, onde se deparou com tr�s policiais militares que apontaram suas armas. “Falei que o tenente tinha mandado me trancar porque eu j� tinha ajudado a carregar todos os cad�veres”, explicou. Segundo o ex-detento, um dos policiais estava com um molho de chave na m�o e disse: “N�o sei qual � a chave desse cadeado. A chave que eu escolher vou bater no cadeado. Se o cadeado abrir, voc� entra. Se n�o abrir, vamos te executar agora”.

Nesse momento, segundo Sales, “lembrei do Salmo 91 e, quando ele bateu o cadeado e o torceu [ele imita o barulho do cadeado se abrindo], o cadeado abriu e, milagrosamente, entrei naquela cela”. Logo depois do massacre, Sales foi transferido para a penitenci�ria de Mirand�polis, no interior do estado.


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