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Estado de Minas

Moradores relembram o conservadorismo das cidades � �poca de obras da Ferrovia do A�o

Relacionamentos com trabalhadores podiam destruir a reputa��o das mo�as


postado em 10/04/2013 06:00 / atualizado em 10/04/2013 07:47

Maria das Graças Barbosa, a Mulata, foi Rainha do Carnaval de Congonhas e namorou vários estrangeiros que vieram participar da construção(foto: Beto Magalhães/EM/DA Press)
Maria das Gra�as Barbosa, a Mulata, foi Rainha do Carnaval de Congonhas e namorou v�rios estrangeiros que vieram participar da constru��o (foto: Beto Magalh�es/EM/DA Press)

Itabirito, Congonhas e Jeceaba – A Ferrovia do A�o carrega em seu tra�ado muito mais que as 110 milh�es de toneladas de min�rio de ferro por ano que deixam as montanhas de Minas Gerais para se transformarem em a�o. Deixou tamb�m pelo caminho filhos abandonados, fam�lias felizes, viadutos, t�neis e um rastro de desperd�cio, como o Estado de Minas mostra em reportagens desde domingo, 40 anos ap�s o an�ncio da constru��o de uma das maiores obras do governo militar. Nas cidades que receberam os acampamentos dos trabalhadores hist�rias que est�o nos subterr�neos s�o contadas, mas sem revelar os nomes, pois ainda machucam seus protagonistas e remetem a estigmas ultrapassados.

Quando milhares de oper�rios estavam acampados em Congonhas, na Regi�o Central do estado, a boate Patropi, uma das mais movimentadas da cidade, promoveu uma grande festa. Uma mo�a – de tradicional fam�lia – conheceu um oper�rio que trabalhava na constru��o da Ferrovia do A�o. “Quando demos falta dela n�o sab�amos onde ela estava. Todo mundo come�ou a procurar e a rua encheu de gente. Quando descobriram que ela havia ido para Conselheiro Lafaiete com o rapaz a reputa��o dela acabou”, lembra uma amiga. Ap�s o epis�dio a mo�a foi embora da cidade e seguiu a vida em S�o Paulo.


O ambiente em Madre de Deus de Minas, distante 270 quil�metros da capital, foi descrito em uma reportagem de janeiro de 1979, em que o texto dizia: “Madre de Deus se viu subitamente invadida por tratores D-9 e moto-scrapers e por centenas de pe�es que, aos s�bados, vinham se embriagar na cidade e desencaminhar as mo�as”.

A reportagem mostra ainda que os moradores de Madre de Deus de Minas reclamavam de terem que conviver com os oper�rios: “…trabalhadores violentos e embriagados que deixaram crian�as, enquanto as m�es fugiam para Belo Horizonte e S�o Paulo”. Na �poca, o presidente do sindicato rural da cidade, Sebasti�o Batista do Nascimento, classificou os atos como atentados � moral e desafio �s tradi��es. Para ele era fundamental para uma cidade pequena “preservar a moral e os bons costumes”.

Outra hist�ria que reflete o conservadorismo da sociedade � �poca ocorreu em Itabirito, tamb�m na Regi�o Central do estado. Uma jovem, pertencente a uma das fam�lias mais ricas da cidade, ficou gr�vida de um oper�rio, que n�o quis assumir a responsabilidade e retornou para Manaus, no Amazonas, sua cidade natal. “O pai, o irm�o e os tios da mo�a foram armados at� l� e buscaram o rapaz, que teve que casar, assumir o filho e est� at� hoje morando na cidade”, conta um dos colegas do oper�rio.

O clima de alerta em rela��o aos forasteiros era refor�ado nas igrejas. “Cuidado com o povo de fora. N�o se enganem com esses rapazes que usam cal�a e blusa US Top. Eles s� querem se aproveitar das mo�as”, pregava o padre nas missas de domingo. Quem relata � Ricardo Jack Orlandi, que saiu de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, e foi para Itabirito trabalhar nas obras da ferrovia.

A marca US Top a que o padre fez refer�ncia teve uma das propagandas mais famosas do Brasil na d�cada de 1970, que marcou �poca e ditava o gosto da juventude. A m�sica do comercial foi um grande sucesso em 1976: “Liberdade � uma cal�a velha/ azul e desbotada/ que voc� pode usar/ do jeito que quiser/ n�o usa quem n�o quer”.

O serm�o do padre conservador era dirigido aos milhares de oper�rios que, assim como Ricardo, mudaram o cotidiano da cidade. Itabirito, distante 55 quil�metros de Belo Horizonte, tinha 22,4 mil habitantes na d�cada de 1970, metade da popula��o atual, de 45 mil. “As pessoas tinham um conceito ruim do pe�o. Era um estigma mesmo”, lembra a mulher de Ricardo, Maria Aparecida de Almeida Orlandi. Quando eles ainda namoravam os pais dela n�o gostavam do relacionamento com um forasteiro, mas com o tempo as diferen�as acabaram.

O distrito de C�rrego do Ba��o, em Itabirito, abrigou um dos maiores acampamentos � �poca da constru��o da ferrovia. Mais de 3 mil oper�rios moraram no lugar. Propriet�rio do principal estabelecimento do local, o Bar do Chifr�o, Domingos S�vio Braga, hoje com 60 anos, lembra da movimenta��o e de ter faturado bem, conseguindo adquirir grande parte do patrim�nio que tem atualmente. Ele tamb�m n�o esquece das festas que ocorriam. “Toda as mulheres que estavam encalhadas arrumaram algu�m. Apareceu um chinelo torto para cada p� torto”, brinca Domingos.

Em Congonhas, Maria das Gra�as Barbosa, atualmente com 60 anos, tamb�m n�o esquece das festas. Mulata, como � conhecida, foi a Rainha do Carnaval congonhense por v�rios anos. “Namorei engenheiro su��o, alem�o e outros”, lembra Mulata, que chegou at� a participar de concurso de beleza na extinta TV Itacolomi, em Belo Horizonte.

D�cadas depois os tempos s�o outros. Um dos m�dicos de Jeceaba, Jos� Ant�nio Tavares Facuri explica uma das diferen�as: “O acesso aos anticoncepcionais � f�cil e gratuito”. A cidade viveu nos �ltimos anos uma ebuli��o semelhante � da �poca da obra da Ferrovia do A�o com a constru��o da usina sider�rgica da Vallourec & Sumitomo Tubos do Brasil (VSB). Milhares de forasteiros voltaram a frequentar a cidade, mas o impacto nos costumes n�o chegou nem perto do que ocorreu passado.


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